sexta-feira, 29 de junho de 2007

Se ela me ama...

Se ela me ama

Não sei

Não que pouco importe

Mas de meus sentimentos

Pouco mudaria

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Vida Mediocre

Na mediocridade de uma vida sem sentido e sem caminhos certos, escondo meus sonhos e desejos mais íntimos.

A rotina extenuante da ausência de surpresas, ao tempo em que ainda me resta a falta de segurança. Ainda não finquei sólidas bases neste chão em que faço erguer as estruturas de minha vida. E de passo em passo eu vou, sem saber o passo seguinte.

Em minha volta o vazio de vidas sem alma, deprimindo a minha alma sem vida. Do meu silêncio ensurdecedor, brotam os mais diversos sonhos, que ao acordar, os vejo como pesadelos, pois que a realidade não condiz com as imagens trazidas pelo sono.

O sonho carrego comigo, sem saber disso algo bom. Como parâmetro me serve, balizando os contentamentos momentâneos de minha realidade, mostrando-me quase impossível a felicidade dos poemas de amor.

Objetivos alcançados são resultados frustrantes.

De passo em passo eu vou, na mesmice, afundando na mediocridade.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Amor e Guerra

Do amor nasce a guerra
Da guerra brota o amor
Do grito nasce a poesia
Da poesia nasce o grito

Em meio ao conflito
Seu nome ecoando aos quatro cantos
Ao som de uma bateria toda em meu peito

Do conflito hão de vir
Sobreviventes bons ou maus
Eu e tu, nós
Eles?

Mirando o futuro te vejo
Será ao meu lado?

Não desisto de ti
Nem por mim
Nem por você

domingo, 24 de junho de 2007

Não a Quero Mais

Mais da série "Tralhas Antigas" - realmente do fundo do baú.


Olhando para o nada
Pensando em logo mais
Eu vou encontrá-la.

Mas nem tudo é tão simples
Quase nada na vida é simples.
E tudo o que puder dar errado vai dar errado
Murphy desgraçado!

Uma cerveja e outra
O tempo não passa
Algumas palavras e algumas reclamações pelas palavras não respondidas

Pensamentos longes, distantes, nela...
Preciso encontrá-la
Preciso beijá-la
Preciso possuí-la.

O tempo passou
O tempo
Ah meu velho companheiro!

Mas o velho companheiro nem sempre é amigo
O tempo não a trouxe
O tempo disse que ela não mais será minha
Ao menos essa noite.

Só resta dizer ao velho companheiro
Que não a quero mais
Por quanto exista o velho companheiro...

Odeio-te

Outra da série "Tralhas Antigas"

Odeio-te,
Odeio-te com toda a força de minha alma.

Não quero saber nada de você.
Nada mais me importa. Nada mais me resta.

Tenha no silêncio
Tudo o que te pertence do meu ser.
Só irei buscar o que me faça sorrir.
Terei uma vida melhor.

De você, nada mais me resta.
Nem seu cheiro.
Nem seu calor.
Nem seu sabor.

Mas onde poderei encontrar vida melhor?
Onde está vida melhor?
Vida melhor sem você?

Eu ainda te quero.
Quero-te porque te odeio.
Odeio-te porque te amo.
E te amando odeio a mim mesmo.

E odeio te amar.
Mas te amo!
E me odeio por isso.

O Mundo Tem Me Parecido Estranho

Mais uma da série: "Tralhas Antigas"


O mundo tem me parecido estranho.
Observo as pessoas que passam na rua
Todas elas infelizes
Mas todas se dizem felizes

O mundo tem me parecido estranho.
Observo os famintos
Todos eles miseráveis
Mas todos eles dizem não querer o que é do próximo

O mundo tem me parecido estranho.
Observo os ladrões
Todos eles com medo do próximo roubo
Mas todos eles dizem ser o único caminho a seguir

O mundo tem me parecido estranho.
Observo os assassinos
Todos eles arrependidos
Mas todos eles dizem não saberem o que aconteceu

O mundo tem me parecido estranho.
Observo os trabalhadores braçais
Todos eles se sentindo sem uma vida digna
Mas todos eles acreditam que o trabalho dignifica o homem

O mundo tem me parecido estranho.
Observo os assalariados
Todos eles acreditam pouca a paga de seus trabalhos
Mas todos eles procuram trabalhar mais pela mesma paga

O mundo tem me parecido estranho.
Observo os estudantes
Todos eles dizem não estarem aprendendo nada de fato
Mas todos eles continuam a estudar do mesmo modo

O mundo tem me parecido estranho.
Observo os insatisfeitos
Todos eles dizem que tudo precisa mudar
Mas nenhum deles procura mudar nada

O Mendigo e o Ladrão

Ao largo da alegre avenida vão e vêm os transeuntes, homens e mulheres, perfurmados, elegantes, insultantes. Junto a um muro está o mendigo, a mão pedinte adiantada, nos lábios trêmulos a súplica servil.- Uma esmola, pelo amor de Deus!De vez em quando cai uma moeda na mão do pedinte, que este mete rapidamente no bolso emitindo louvores e reconhecimentos degradantes. O ladrão passa, e não pode evitar o olhar de desprezo sobre o mendigo. O pedinte se indigna, porque também a indignação tem pudor, e refuta irritado:- Não tem vergonha, vadio, de se ver frente a frente a um homem honrado como eu? Eu respeito a lei: não cometo o crime de meter a mão no bolso alheio. Meus passos são firmes, como os de um bom cidadão que não tem o costume de caminhar nas pontas do pés, no silêncio da noite, por habitações alheias. Posso apresentar o rosto em todas as partes; não recuso o olhar de um policial; o rico me vê com benevolência e, ao largar uma moeda em meu chapéu, bate em meu ombro dizendo-me, "bom homem!".

O ladrão abaixa a aba do chapéu até o nariz, faz um gesto de nojo, observa em seu redor, e replica ao mendigo:- Não espere que eu me envergonhe em frente a ti, vil mendigo! Honrado tu? A honra não vive de joelhos esperando arrastar o osso que haveria de roer. A honradez é altiva por excelência. Não sei se sou honrado ou não; mas te confesso que tenho vergonha na cara para suplicar ao rico que me dê, pelo amor de Deus, uma migalha da qual me despojou. Violei a lei? Isto é certo; mas a lei é coisa muito distinta da justiça. Violo a lei escrita pelo burguês, e essa violação contém em si um ato de justiça, porque a lei autoriza o roubo em prejuízo do pobre; isto é uma injustiça; e quando arrebato ao rico parte do que roubou dos pobres, executo um ato de justiça. O rico te bate o ombro porque teu servilismo, tua baixeza abjeta, a ele garantirá o desfrute tranquilo daquilo do que a ti, a mim, e a todos os pobres do mundo nos tem roubado. O ideal do rico é que todos os pobres tenhamos alma de mendigo. Se fosses homem, morderias a mão do rico que te lança restos de pão. Eu te desprezo!O ladrão cospe e se perde na multidão. O mendigo alça os olhos ao céu e geme: - Uma esmolinha, pelo amor de Deus!!!
Ricardo Flores Magón.Regeneración, n. 216. 11 de dezembro de 1915.

Todos Esperam Uma Divina Graça

"Da série: Tralhas Antigas"

Todos esperam uma graça divina
Eu espero apenas uma divina graça!

O mundo me contraria
Então resolvi contrariar o mundo!

Eu nasci
Me vingo disso diariamente!

E o que eu vou fazer daqui pra frente?
Tento faz!

Ninguém ressuscita,
Ninguém renasce,
Não há juízo final,
Não há paraíso.

A minha parte em dinheiro
Vou viver à vista
Pelo tempo que permitirem as prestações

Será que rola mais uma rodada?

Fugindo de Mim Mesmo

Não sei se há quem visite este espaço rotineiramente.

Mas se há, peço mil desculpas por não ter publicado nada novo até o momento.

Também peço desculpas por não ter postado nada muito racional, nenhuma análise ou coisas do gênero nos últimos tempos, coisa a que me propus quando iniciada a presente página.

A não publicação de coisas novas, se deve ao fato de estar, no momento, escrevendo dois pequenos textos de análise política sobre temas distintos, no caso, direito de greve do funcionalismo público, outro sobre a proposta de restrição da contribuição financeira de militantes ao partido político, tendo para tanto, apenas os intervalos de tempo entre alguns compromissos familiares desses dias.

Já a não publicação de coisas mais racionais, analíticas, nos últimos tempos, se deve a coisas do coração, como qualquer um pode perceber por tudo o que tenho escrito.

Um homem perdidamente apaixonado, agindo como um adolescente, é algo realmente patético. Mas nem estou me importando em ser patético, pois estar apaixonado é algo fantástico, maravilhoso. Amar, é algo revolucionário, como já escrevi aqui. E meu coração revolucionário estava, ha muito, esperando por isso. E agora encontrou.

A propósito, enquanto não termino os textos a que me referi, para que qualquer um possa notar a enorme diferença entre o antes e o depois de tão arrebatadora paixão, deixo algo que escrevi algum tempo atrás, um texto de quem estava perdido, sem inspiração, sem amor, sem esperança de amar:

"Eu quero fugir de mim mesmo
Eu quero encontrar alguém que me impeça de continuar fugindo
E fujo de todos
Inclusive de mim

Não me encontro
Não me reconheço
Nem sei mais quem sou

Sei o que quero
Sei que quero aquilo que não é o que não quero
Não sei muito além disso
Só sei que não sei aquilo que pensava que sabia

Eu choro
Eu grito
Desespero-me

Espero por alguém
Alguém que não sei se um dia hei de encontrar
Enquanto não encontro
Também não sei procurar

Perdido estou
Perdido me vou
E perdido me perco, cada dia mais"

Que bom que minha realidade mudou...

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Momentos Mágicos

Sob a lua e as estrelas, um cavalo jorrando água enquanto somos iluminados por uma leve luz de antigas luminárias restauradas.
O silêncio das ruas desertas das altas horas de um dia em plena semana. O volumoso e ensurdecedor som de meu coração, batendo acelerado em perfeito compasso, como uma inteira bateria, do mais belo samba dos mais belos tempos.
Meus olhos nos seus, meus braços envolvendo o seu corpo, suas mãos postas a acariciar-me a nuca, no público espaço só nosso.
Os boêmios, os vadios, os bêbados, os carros e os desocupados, deram passagem ao nosso amor.
Num momento mágico, um beijo, mais um, dentre tantos, mas único, por seu momento, sua poesia, das luzes e belezas que emolduram a cena principal de nossa história.
Um toque em sua face... ...posso sentir o intenso e suave toque de um anjo, dado a mim como uma benção divina.
Meus pensamentos, minhas lembranças, meus sentimentos: de tudo perdi o controle.
Apenas aquela cena ocupa meus pensamentos, seduz minha alma, domina minha visão.
Um momento único de um amor que explode em mil luzes e renasce, a cada momento, mais forte e intenso.
Ah, profundo amor que me faz sonhar e viver.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Vivendo um Sonho

Essa noite tive um sonho
Era o maior dos sonhos
Um sonho cheio de magia e poesia
Um sonho com você

Seus toques
Seu cheiro
Seu sabor
Você em meus braços

Noite inesquecível dos sonhos mais belos

Hoje acordei
As cores e os sabores
Vivos em minha memória

O amor tem sabor

Mas se sonhar é viver
Eu vivo sonhando
E vivo o sonho
E o sonho é realidade

Hoje acredito em Belchior
“Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor é uma coisa boa”

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Amor e Ódio

Não sei se amo ou se odeio

Acho que me odeio por tanto amar...

Nós: Eu e Ela

Amor
Paixão
Pavor
Tesão
Ela
Eu
Nós
Palavras
Angústia
Dúvida
Medo
Ela
Eu
Nós
Um dia
Dois dias
Três dias
Sonhando
Ela
Eu
Nós
Desejos
Seus beijos
Seus jeitos
Meus braços
Ela
Eu
Nós

Como eu a amo...

Os Sentimentos Dominando as Palavras

Escrevi a seguinte mensagem para uma grande poeta, falando da beleza de sua poesia.

Ela me disse que eu devia publicar tal mensagem.

Primeiro disse que não, depois publiquei como comentário à poesia dela. Agora estou publicando aqui e recomendando que todos os meus amigos leiam a fantástica poesia dessa fantástica e maravilhosa mulher.

O comentário:

Não se treina para sentir, apenas se sente. E você sente, você traduz os sentimentos em palavras. Suas palavras chegam com força assustadora e são domadas. E ficam dóceis, indo e vindo, conforme sua vontade, guiadas apenas por sentimentos dos mais profundos. E você as conduz muito bem.


Um dos motivos: http://recantodasletras.uol.com.br/poesiasdesaudade/532846

PCB 85 Anos

“Eles eram poucos e nem puderam cantar muito alto a Internacional naquela casa de Niterói, em 1922.

Mas cantaram e fundaram o partido.
Eles eram apenas nove.

O jornalista Astrojildo, o contador Cordeiro, o gráfico Pimenta, o sapateiro José Elias, o vassoureiro Luís Peres, os alfaiates Cendon e Barbosa, o ferroviário Hermogênio e ainda o barbeiro Nequete, que citava Lênin a três por dois.Em todo o país eles não eram mais de setenta.

Sabiam pouco de marxismo mas tinham sede de justiça e estavam dispostos a lutar por ela.
Faz oitenta e cinco anos que isto aconteceu.

O PCB não se tornou o maior partido do Ocidente, nem mesmo do Brasil.

Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele.

Ou estará mentindo."

(Ferreira Gullar)

terça-feira, 19 de junho de 2007

Chamado

Um chamado. O paraíso parece perto.
Basta atender o chamado e decifrar o enigma.
Mas se eu errar?
Se as palavras ditas não forem as palavras certas?

Aceitei o chamado.
Mas pode não ser nada do que pensei.
Pode não ser nada do que sonhei.

A doçura do olhar que me seduz.
O toque de magia
A imagem do belo
A expressão divina em corpo de mulher.

Palavras
Cheiros
Toques

Quero sentir o sabor.

Um enigma em meu caminho.
Terei lugar no paraíso?
Qual a resposta?

Ela

Num mar de um azul cristalino quero mergulhar.
Saciar-me num dourado como dos mais belos campos de trigo.

Na doçura do mais doce mel quero me lambuzar.
Nas profundezas de uma alma intensa penetrar.

A palavra... profunda.
O olhar... mágico.
Os gestos... me enfeitiçam.
A voz... me seduz.

Tudo nela
Tudo dela
Tudo por ela
O sonho

Ela

A Matemática e Meu Amor

Eu e ela = 2
Queria que fôssemos apenas 1.

Um Herói de Todos os Tempos

Enfim um de nossos maiores heróis recebe o devido reconhecimento.
Não estou falando de uma pensão, de uma indenização aos seus familiares, pois das possibilidades de conquista de riquezas materiais Capitão Lamarca abrira mão ao optar por lutar ao lado do povo, em defesa do povo, deixando de lado sua brilhante e promissora carreira nas forças que governavam o país.

Era ano de 1964, quando Lamarca, ainda sem muito entender do povo assistiu, desde o Rio Grande do Sul, os sonhos de um país melhor desmoronarem com o golpe aplicado por seus comandantes a serviço de interesses vários do grande capital.

Mas o tempo passa e o espírito revolucionário, que apenas aguarda seu despertar, sempre encontra o seu caminho, o seu rumo a seguir.

E assim foi com Lamarca, que em 1969 abandonou a caserna, seu soldo considerável, seu posto de capitão, juntando-se às lutas populares, ingressando na luta armada, em defesa de todo o seu povo.

Foi em 1969 que o Brasil pôde conhecer um de seus maiores heróis, um homem de coragem, capaz de deixar o conforto, a certeza de uma carreira bem sucedida, os sonhos pequeno – burgueses que dominam os Homens de nossos tempos, para aderir à luta por uma sociedade mais justa, fraterna, igualitária.

Poucas vezes em nossa história, um combatente popular foi tão atacado por todo o aparato de dominação, em tão curto tempo de atividade revolucionária, quanto o “Capitão da Guerrilha”.

Acusado de atrocidades das mais variadas, esquecem-se seus detratores que Lamarca combatia o bom combate, contra inimigo muito mais forte, mais preparado, mais equipado, em maior número. Esquece-se que Lamarca lutou o bom combate contra o aparelho mais cruel, que ele conhecera por dentro, numa luta em que se matava ou morria-se.

Atacam-no porque é o símbolo, a prova, de que o Homem em situação confortável não precisa se submeter ao sistema, aceitar a humilhação de seu próximo e calar-se. O exemplo de que a busca por uma nova sociedade é obrigação daqueles que enxergam além de si mesmos.

Morreu como herói, sem jamais se render, sem jamais baixar a cabeça ou fechar os olhos para a miséria, a injustiça e a opressão. Morreu por fazer sua escolha. Morreu como herói por escolher o lado do povo.

Morreu pelas mãos do inimigo, em seu último ato de vitória, pois passou à vida eterna em seu exemplo, em sua luta, em seus sonhos, a qual nenhum dos inimigos do povo serão capazes de apagar, jamais.

Lamarca passou da luta em armas, da luta direta, para a luta por corações e mentes, através da ternura de seus sonhos, da firmeza de suas palavras, da bravura de seus atos.

E hoje lhe vem o reconhecimento, o parecer final de um reconhecimento estatal, formal, que pouco significa para aqueles que mantêm vivos os sonhos de justiça e igualdade, mas que muito significam como reconhecimento de da justeza de uma luta, que a todos aproveitou.

Não me interesso pelos dinheiros dados como indenização aos familiares do Capitão. Não quero saber se a pensão é suficiente. Tudo isso é menor do que tudo aquilo que significou aquele homem, aquele combatente do bom combate.

Mas muito me satisfaz a revolta daqueles predadores de ontem, daqueles que ainda clamam por seus direitos de torturar e fazer torturar. Muito me agrada sua revolta, muito me agrada seu desespero. É o ataque ao homem que muito mais do que um ser humano, é um símbolo, um símbolo de liberdade e coragem, de sonhos e realidade.

Lamarca, sua história, seus sonhos, sua coragem, continuam vivos em nossa memória, em nossos corações.

Que seu exemplo, de homem que se despiu da mesquinharia do individualismo exacerbado, sirva-nos de lição de que os sonhos devem sempre ser buscados.

Que a luta do Capitão da Guerrilha seja a nossa luta.

Que os tiranos de ontem e seus defensores de hoje desesperem-se a cada dia mais.

Que os sonhos de uma nova sociedade tornem-se, por nossas mãos, realidade.

Que nossos mortos de ontem não tenham lutado em vão.

Lutar é preciso, sonhar é preciso, vencer é preciso.

Ousar lutar! Ousar Vencer!
Hoje tive vontade de rir e chorar, de gritar e cantar, de viver e morrer.

Queria rir de mim mesmo, de minha vontade de chorar por toda a beleza de sua alma.

Querua gritar o seu nome aos quatro ventos, ao mesmo tempo em sussurraria seu nome nas canções mais belas e românticas.

Apenas queria viver e morrer em seus braços, para nas manhãs viver junto ao seu corpo ou em seus pensamentos.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Pelos Sonhos, Ainda Vivos

Mais alguns companheiros e camaradas morrem na América Latina.

Quem são? Não sei, já não possuem uma identidade própria, um rosto, um nome. São centenas, são milhares.

Podem ser Dayana e Gabriel (http://anncol-brasil.blogspot.com/2007/06/assassinados-dois-dirigentes-da.html), podem ser os mais de 300.000 colombianos mortos pelo terrorismo de Estado e pelos narco-paramilitares de direita das AUC, podem ser as dezenas de mortos na luta por reforma agrária no interior do Brasil, como os 19 companheiros de Eldorado dos Carajás.

São tantos, apenas entre os recentes, que seus nomes já nem mais podem ser listados.

E não se está falando nem dos oficialmente chamados “anos de chumbo”, por que passou todo o continente ao sul do grande império, apenas daqueles de quem a saudade é atual, sentida com o coração, não ainda com a nostalgia das remotas lembranças.

Sonhos encerrados a fogo, lutas interrompidas pela força, a busca por justiça barrada pela violência, o sentimento fraterno e solidário combatido pela brutalidade e truculência.

Mas no momento não podemos nos dedicar muito a chorar tais ausências. É preciso continuar a caminhada, continuar a trilhar o caminho percorrido por eles, no mesmo rumo, com o mesmo objetivo.

Não nos permitiremos chorar por seu sangue derramado, nos dedicaremos a manter acesa a chama que os moveu, tendo-os como exemplos de um sonho possível, um sonho que manteremos vivo, que continuaremos a buscar, até transformá-lo em realidade.

Camaradas, seus sonhos continuam vivos e sua presença ainda é sentida!

Aqueles que tombaram na luta não morrem, estarão sempre presentes, em nossos corações e mentes!

Um Olhar em Meus Sonhos

Aquele olhar cheio de magia estava ali, a poucos centímetros de mim, atentos a cada gesto, a cada palavra, a cada respiração.

Eu ali, tentando, de todas as formas, esconder tudo o que se passava em meus pensamentos e em meus sentimentos, ao mesmo tempo em que rezava para que aquele mágico olhar descobrisse tudo, retribuísse tudo.

Mas minhas preces não foram atendidas.

Preciso me lembrar de parar de rezar, de nada adianta.

E sem minhas preces atendidas, diante de tão mágico olhar, rendido, indefeso, tentando de todas as formas me esquivar, mais uma vez deixei que meus sonhos sucumbissem ante minha covardia.

E mais uma vez, carrego meus sonhos, sem realizá-los, também sem deles acordar.

Mas o olhar vai comigo, em meus pensamentos, em minha memória, iluminando cada momento de meus dias, de meus sonhos.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

A Realidade e minhas lembranças

Caminhava por uma das estreitas ruas do centro de Curitiba. Duas da manhã de uma madrugada cinzenta e um tanto fria.
Os vapores etílicos já dominavam meus pensamentos e minha visão. Pensava em ir para casa, ao menos essa foi a desculpa pela qual deixei todos naquela mesa repleta de garrafas cheias e vazias, de todas as coisas, de todos os loucos.
Agora, o ar da madrugada vem a restabelecer o meu instinto sedento por álcool, pela boemia, pela noite em todas as suas cores e tons.
De um lado, mais uma daquelas turmas reunidas para a alienação ao som batido e repetido dos computadores que substituem artistas e poetas, em locais obscuros que abrigam os que buscam esconder sua sexualidade não aceita pela hipocrisia de toda a sociedade, mas sem abrir mão de exercê-la.
Odeio tais lugares. Não pela presença dos que possuem tal orientação sexual, mas principalmente pela música. E também por ter que explicar a todo instante que não estou procurando algum parceiro do mesmo sexo.
De outro lado, um grupo formado por prostitutas, traficantes e viciados. Esse povo é legal, mas não aceitam muito bem quem chega sem gastar e sem ser apresentado. E hoje não quero drogas, nem sexo pago. Só quero beber e falar. Só quero beber. Mas não com aqueles que se dizem meus amigos. Estou cansado da mesmice e da mediocridade.
Olho em frente. A ladeira que subo não apresenta nada do que já foi essa cidade. Cadê o bar? Cadê o clássico e humilde bar de minha cidade? O bar da meia pinga, do guaco, da losna, do roll-mops? Parece que a cidade de Leminski está sendo enterrada por essa juventude do consumo enlatado, da moda televisiva, da “long neck” com limão.
Mais alguns passos entre figuras de preto, homens de maquiagem pesada, moleques contando vantagem de coisas que nem sonharam em fazer. Uma imagem familiar. Umas prateleiras de bar repletas de garrafas de cachaça e coisas do gênero. No balcão, alguns potes de conserva. Mas parecem estar lá apenas como enfeite, já que não há nada dentro deles. Dentro, em frente, em volta, figuras que falam em inconformismo e rebeldia. Mas acham que rebeldia é usar roupa preta e ficar sem tomar banho. Ao menos o cheiro me lembra as conservas que faltam no bar. A menina no canto do balcão tem cheiro de roll-mops, acho que vou cantá-la. O cara contando uma nova versão da vida do Raul Seixas, ao meu lado, tem cheiro de vina em conserva com pepino azedo. Tem alguém com cheiro de ovo colorido, acho que é o dono do bar.
Peço uma cachaça de guaco. Não tem. Então olho, procuro alguma outra erva conhecida. Mas de erva conhecida, só os baseados que rolam de mão em mão, ainda apagados. Então peço um daqueles conhaques de “borracha”, presidente, dreher, qualquer coisa. E uma cerveja, claro. O copo veio engordurado. Ao menos uma boa coisa.
Vou bebendo quieto, como só em Curitiba é possível. Como isso é bom. Mas sempre prestando atenção em tudo o que acontece ao meu redor. Tem uma moça que está revoltada porque o pai cortou-lhe a mesada depois que ela deixou de tomar banho. Que pai cruel. Outro rapaz está programando espancar o patrão se ele não lhe pagar o salário de quatro meses atrás, porque os bares não querem mais vender fiado pra ele.
Uma figura estranha aproxima-se de mim. Pergunta-me se tenho fogo. Lhe olho de cima a baixo, ou de baixo a cima, não me lembro ao certo. Notei que a figura estranha parecia tomar banho diariamente, não estava de preto, não tinha adereços pendurados no corpo além dos brincos, possuía um corpo muito bonito, o rosto idem. Não pensei em outra reação:
- Ô!
Ela sorriu-me.
Devolvi o sorriso.
Ela baixou a cabeça.
Perguntei seu nome.
Ela respondeu-me.
Eu me esqueci no ato.
Ela levou o cigarro à boca novamente.
Eu o acendi.
Ela disse “tchau”.
Eu respondi.
Ela virou-se e voltou para uma mesa cheia de figuras típicas do local.
Virei novamente em direção ao balcão e continuei com meu conhaque vagabundo, a cerveja em copo engordurado e a nova versão sobre a vida do Raul.
Cadê minha Curitiba perdida?

As "Emoções"

Emoções. Que entidade mística é essa?
Não conheço emoções, conheço o amor, o ódio e os derivados de ambos, não essa abstração de “emoções”.
Procuro pelo primeiro, me esquivo do segundo.
Mas na proteção que busco, acabo por desviar de ambos.
Nem amado, nem odiado. Não me entrego, nem me revelo.
E na razão me refugio, imaginando que um dia, talvez por mágica, quebre-se o casco.
E até lá, permaneço sem o sono, na insônia, carregando meus sonhos.

A Arte Revolucionária de Amar

Falar de amor todos falam, mas saber amar, saber encontrar e entender o amor, parece algo cada vez mais distante de nosso mundo.

“Eu te amo”, logo após o primeiro beijo naquela pessoa a quem no máximo se dedicava um ou outro olhar, puro instinto da atração física. Esse é o amor de hoje, o fast love.

A sedução, não vejo mais. O carinho, o olhar terno, o beijo apaixonado e sincero, a carícia involuntária, o olhar distante, levando a mente ao olhar iluminado dela... ... isso não mais nos pertence, não mais nos é próprio, não mais nos causa orgulho.

E a vergonha de falar de amor, a necessidade do consumo rápido e volumoso, em quantidades crescentes e infinitas, num verdadeiro jogo, numa disputa, por demonstrar a superior capacidade de consumo, também nesse mercado, nos retira o que de mais caro existe na condição humana.

Estamos perdendo a capacidade poética de amar.

E o mercado do amor rápido e descartável é exigente. No jogo da oferta e demanda, a solidão derruba seu valor de mercado, pela valorização do produto, vale até o amor promocional, dado em quantia inferior, por curtíssimo período, apenas para garantir preço futuro.

Amar tornou-se um ato dos revolucionários, dos que não se conformam com a crueldade da realidade, que buscam nos sonhos a inspiração para a transformação daquilo que os cerca. Amar, o amor verdadeiro, tornou-se um grito de protesto e inconformismo, contra a realidade da superficialidade de uma falsa representação da alma humana.

Um ato não, uma arte, em toda a sua sutileza singela, em toda a sua magnífica beleza. A arte revolucionária de amar!

terça-feira, 12 de junho de 2007

Dia dos Namorados

Atravessando as principais ruas da cidade, percebi o clima do dia dos namorados.

Não, não vi casais apaixonados aos beijos e abraços, lindas jovens carregando seus buquês de flores, velhos casais relembrando os velhos tempos daquela paixão arrebatadora, sorridentes rapazes ruborizados fazendo eloqüentes declarações de amor.

Não vi nada disso.

Vi algumas filas em lojas de celulares e lojas de bijuterias. Vi algumas jovens olhando vitrines tentando adivinhar aquilo que receberiam de presente mais tarde. Vi alguns jovens contando seu salário dos próximos doze meses para planejar o pagamento das prestações do novo aparelhinho de comunicação da moda.

Já posso imaginar as filas gigantescas e a espera de mais de uma hora nos restaurantes "populares-chiques" de minha cidade essa noite. As broncas dadas ao garçom pelo namorado valentão nos antros da alta roda. A irritação dos operários das bandejas com o extenuante trabalho extra que pouco ou nada lhe rende a mais.

Já vejo a fila de carros em frente aos motéis, onde alguns fazem a volta rapidamente para não serem vistos. Vejo também os jovens de classe média sem dinheiro para comprar um carro, fazendo-se de desinteressados nas imediações da região dos motéis centrais, esperando por um casal que lhes dê a vaga com a qual eles tanto sonham.

Estou a me lembrar dos solitários que presenteiam a si mesmos nesse dia.

Observo tudo isso e não posso deixar de notar que ainda não vi aquele amor romântico, poético, desinteressado, que nada pede em troca, exceto o próprio amor.

Mais do que nunca, tenho a certeza, privatizamos e transformamos em propriedade e consumo até mesmo o amor.

Feliz dia dos namorados ao grande mercado.

domingo, 10 de junho de 2007

Escravidão Moderna

A escravidão é a pior agressão que se pode praticar contra o Homem.
A escravidão é ato desumano.
A escravidão torna indigna a vida.
A escravidão é a demonstração de desumanidade de quem escraviza.
O escravo só recebe o mínimo para sobreviver.
O escravo só tem um teto para lhe cobrir, sem qualquer conforto.
O escravo não é considerado Homem.
O escravo merece menos afeto que um bicho.
O senhor de escravos deve impor sua autoridade.
O senhor de escravos deve punir sumariamente os insolentes.
O senhor de escravos deve garantir que para cada escravo,
Existam outros para substituir.
O senhor de escravos não pode conceder-lhes o caráter de iguais.
Pobres trabalhadores que só recebem o mínimo para sobreviver.
Pobres trabalhadores que só têm um teto para lhe cobrir, sem qualquer conforto.
Pobres trabalhadores que não são considerados Homens.
Pobres trabalhadores que merecem menos afeto que os bichos do patrão.

Observando as Máscaras

Mesa cheia, amigos reunidos, muitas cervejas já consumidas, a alma humana implorando por atenção e explodindo para fora dos corpos inertes, tentando romper as máscaras que recobrem todas as faces.

Uma cachaça mais para permitir a liberdade às palavras ocultas pela necessidade de um comportamento socialmente aceito.

Mas parece que ninguém mais quer despir-se de sua máscara, escondida por toneladas de maquiagem barata, apesar do preço, ou de suas feições falsamente simpáticas a tudo e a todos.

Precisava de um mendigo, de um trabalhador braçal ainda em suas roupas de trabalho, com toda a carga de sujeira da sociedade que recobre seu corpo em atividade, tudo para obter desse povo a sua verdadeira face ante a figura humana despida da imagem glorificada pela sociedade de consumo. Mas não os tenho por perto no momento.

Parece que terei de me contentar, novamente, com a falsa representação da realidade que me cerca, chamando de amigos muitos dos que podem ser inimigos, meus e dos meus irmãos de cela e de cruz.

As máscaras da sociedade continuarão a me enganar. Ou serei eu a enganar as faces mascaradas?

Violência Contra a Mulher - Uma Cultura Social

1 Introdução

A preocupação atual com a violência urbana tem atingido um padrão quase monopolista dos debates acerca da violência como um todo, deixando em segundo plano, questões cujo debate é crucial, mesmo para a produção de uma nova cultura quanto à condenação da violência como um mal em si.

Por mais que algumas iniciativas em determinadas áreas possam ser consideradas avanços, os problemas de fundo ainda não têm sido atingidos, inclusive por essa patente falta de atenção e debate, nos volumes e formas necessários à busca real por soluções concretas.

Observamos que a sociedade, mesmo parecendo criminalizar cada vez mais os atos de violência, ainda vê como banais inúmeras condutas reprováveis. E nesse sentido, muitas das políticas definidas, de combate a determinados tipos específicos de violência, não surtem efeitos reais, não cumprindo seu objetivo.

Quando da instituição do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), teve-se a sensação de solução para muitos dos problemas acerca da infância, inclusive e, sobretudo, os problemas de violência. Porém, vimos que o ECA tem sua efetividade reduzida, em razão da não adesão efetiva da sociedade à sua aplicação fática.

Tal fenômeno nos leva a um raciocínio imediato da não suficiência de matéria legislativa como tentativa de solução efetiva para a questão. Daí, termos em análise as inúmeras questões sociais e comportamentais que se relacionam à adequação da sociedade à matéria legislada e vice-versa, num caminho contínuo, de via dupla, a permitir a efetividade da norma resultante dos anseios daqueles que dela necessitam.

Sob essa visão, cabe analisar a aguda situação de violência contra a mulher, presente em nossa sociedade desde remotos tempos.

A mulher, nas sociedades antigas, em geral, sequer possuía um status de cidadania, independente de quaisquer outros critérios, sendo tratada como mera “propriedade” ou um ser incapaz, sob o domínio do “patriarca”, do pai, do marido, etc..

Nos tempos modernos, implicitamente, tivemos a manutenção de grande parte dessa concepção, tendo a mulher como espécie de objeto, sobre o qual se exercia a propriedade de forma plena, podendo, a figura do “chefe de família”, dispor-se de sua vida, integridade física e psicológica de forma livre, plena.

Ainda que conquistas tenham havido em diversas áreas, inclusive no mercado de trabalho, no ambiente educacional, dentre tantos, a realidade da mulher nos tempos atuais ainda é de extrema vulnerabilidade, ante a concepção patriarcal latente em nossa sociedade.

Ainda a pouquíssimo tempo, por exemplo, tínhamos na legítima defesa da honra, razão suficiente a justificar um homicídio cometido por um marido, contra sua esposa adúltera. E claro, a honra a ser defendida era algo próprio e exclusivo do homem, não se tolerando a inversão dessas posições.

E nesse contexto surgem significativos frutos da luta de mulheres em todo o mundo e no Brasil que, apesar da falta de efetividade por razões sociais ainda hegemônicas, nos apontam caminhos e possibilidades. A partir desses elementos, cabe analisar a realidade atual, bem como, os objetivos e caminhos a serem perseguidos, com a finalidade de efetivar aquilo que já se definiu como ideal: a igualdade material, em amplo aspecto, da mulher em nossa sociedade.


2 O combate à violência contra a mulher: uma realidade ainda incipiente

Com a Carta Política de 1.988, temos um significativo marco quanto aos direitos das mulheres, sobretudo com o reconhecimento nesta decisão política fundamental da sua condição de igualdade plena. Insculpido, sobretudo, no topo daqueles direitos e garantias ditos fundamentais, no inciso I, do artigo 5º, da Constituição Federal, dentre inúmeros outros pontos de reconhecimento de sua cidadania plena.

Tal marco não parece ser uma mera concessão do Estado, ou mesmo da visão hegemônica da sociedade, mas uma conquista das mulheres efetivada por contundente intervenção, por meio de organizada e efetiva organização, no processo de elaboração de nossa Carta Política.

Evidente que o reconhecimento formal de uma condição de igualdade e cidadania plenas, por si só, não foi, nem poderia ser, de modificar a realidade socialmente posta ao longo de toda a história. Entretanto, tal reconhecimento formal é, não só a criação da possibilidade jurídica de efetivação das conquistas, como também símbolo do resultado alcançado e alcançável por um processo de intervenção social organizada, contundente e efetiva.

Nesse mesmo rumo, a luta da mulher por dignidade e respeito, sobretudo no enfrentamento e combate à violência, tendo que “deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.” [1], teve diversos outros marcos anteriores e posteriores.

Como elemento central de análise, podemos adotar a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará (1.994)” [2]·. Tal convenção é, por inúmeras razões, significativo marco, por não só estabelecer proteções e garantias à mulher, mas também conceituar a violência de forma ampla e reconhecer o seu caráter de fenômeno social que necessita não apenas de um enfrentamento jurídico.

Neste ponto, a partir da Convenção de Belém do Pará, é que podemos perceber a necessidade de um efetivo trabalho em aspectos sócio-culturais no sentido de dar efetividade a aqueles direitos e garantias reconhecidos formalmente.

O entendimento correto acerca da conceituação de violência trazido pela referida Convenção, incluindo não apenas aqueles tradicionalmente reconhecidos, mas também as formas de violência psicológica remetem-nos à compreensão de um dos aspectos que induz a própria mulher a auto violentar-se, bem como praticar violência e garantir a violência socialmente imposta contra a mulher. Dessa deriva grandemente a produção e a reprodução da cultura da violência e da aceitação da violência perpetrada contra a mulher.

É assim que temos o aspecto de maior produção de entraves à erradicação da violência contra a mulher, visto que esta causa, sobremaneira, a inércia ante a prática daquelas duas imediatamente reconhecidas, quais sejam, a sexual e a física.

Observe-se que é da cultura da violência e da aceitação da violência contra a mulher a origem da não tomada da decisão de enfrentamento e denúncia das situações de violência sofrida, bem como, da não participação da mulher numa intervenção social ativa no combate, com vistas à erradicação da violência que lhe atinge.

Daí que mesmo ações significativas no aspecto jurídico não têm o condão de modificar efetivamente a realidade da violência contra a mulher. Inclusive, exemplar legislação como a lei “Maria da Penha”, Lei 11.340/2.006, não foi e não será capaz, por si só, de alterar essa realidade. Mais, a própria lei, caso analisada sob uma ótica sociológica, cuida em seu texto de uma tentativa de construção de uma cultura da não violência contra a mulher, partindo do princípio de aplicação da Teoria da Prevenção Geral Negativa[3].

Evidente, no entanto, que a mera ameaça da pena não é capaz de transmutar toda uma cultura histórica que influencia inclusive as próprias vítimas, sem o acompanhamento de inúmeras outras ações ativas e não meramente reativas, como a pena em si, capaz de formular uma nova forma de ver e pensar as coisas das relações sociais e o papel da mulher em nossa sociedade.

E observamos nesse sentido de produção de uma nova cultura de não aceitação da violência contra a mulher, ao menos pela própria vítima, o caminho apontado e trazido pela “Convenção de Belém do Pará”, sobretudo em seu artigo 7º, alínea “e”:, mas não observado concretamente em nossa política de enfrentamento a essa forma de violência, conforme segue:

“e. Tomar todas as medidas apropriadas, incluindo medidas de tipo legislativo, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes, ou para modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência ou a tolerância da violência contra a mulher” (grifos nossos).

E ainda, o art. 8º, que nos traz:

“Os Estados partes concordam em adotar, em forma progressiva, medidas específicas, inclusive programas para:

a. fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos;

b. modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e não formais apropriados a todo nível do processo educativo, para contrabalançar preconceitos e costumes e todo outro tipo de prática que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher que legitimam ou exacerbam a violência contra a mulher;

c. fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da justiça, policial e demais funcionários encarregados da aplicação da lei, assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher;
(...)
e. fomentar e apoiar programas de educação governamentais e do setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas relacionados com a violência contra a mulher, os recursos jurídicos e a reparação correspondente

g. estimular os meios de comunicação a elaborar diretrizes adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas as suas formas e a realçar o respeito à dignidade da mulher;” (grifos nossos).

Portanto, trata-se, em verdade, não da busca por soluções que permitam ao menos a tentativa de efetivação do combate à violência contra a mulher, mas tão somente de busca real dos objetivos táticos traçados, buscando as formas específicas de efetivação de cada um, visando à solução do diagnóstico já traçado dos entraves à política de erradicação da violência, com base nos métodos igualmente já traçados.


3 Conclusão

Notamos que o enfrentamento e o combate à violência contra a mulher não se trata de uma questão meramente jurídica, mas que tem no seu aspecto jurídico apenas uma finalização de um processo a dar cabo da erradicação deste mal quando socialmente possível.

Trata-se, portanto, de um mal cuja solução tornar-se-á possível apenas com a radical mudança
de um paradigma social historicamente enraizado em nossa cultura. É um processo cujos resultados não se medem de forma quantitativa objetivamente, nem mesmo de forma qualitativa em aspectos simples, pois não se pode dizer bem sucedido dos resultados de curto e médio prazo, tampouco se pode ter como consolidados possíveis reduções de índices inúmeros resultantes de processos imediatistas.

A construção de uma nova realidade social torna-se possível apenas por intermédio de uma profunda transformação cultural, resultante de extensivo e intensivo processo educacional e reeducacional, a partir das realidades postas e das realidades construídas num pensamento coletivo deturpante daquela realidade posta.

Dessa forma, a transformação passa, inevitavelmente, pela construção de uma identidade humanizada da mulher para a própria mulher, capaz de torná-la plena em cidadania e dignidade em seu próprio consciente, estabelecendo-a como agente transformador primeiro de um processo que a tem por objeto e sujeito centrais, mas que tem em toda a sociedade o ambiente constituído e constituível com a qual se relaciona este sujeito e objeto.

Assim, a erradicação da violência contra a mulher tem como passo primeiro a construção da imagem que a própria mulher vitimizada pela violência faz de si como vítima, bem como, da imagem que a mulher faz da violência como injusta, ilegítima e inaceitável.

O ponto central é a não sujeição passiva da mulher à situação de violência, sua atitude de reprovação ante o ato que a agride ou intimida.

Temos dessa fonte o foco irradiador de uma visão social de não aceitação do ato violento, de negação da condição de propriedade à mulher, concedendo-lhe um real status de indivíduo possuidor de uma dignidade intrínseca ao seu próprio ser, à sua própria condição humana.

E desse processo de auto-valorização e respeito próprio da mulher, temos o ponto de partida do processo educacional da sociedade como um todo, não só pela coação, mas pela conscientização, sobretudo das gerações mais contemporâneas, da condição de humanidade e dignidade inerente à condição humana, que a mulher, como tal, possui.

Trata-se da desconstituição da figura feminina como objeto, como algo a ser possuído, transmutando sua imagem naquilo que é a realidade, em um ser dotado de todos os sentimentos e necessidades sociais do ser humano.

A erradicação da violência contra a mulher só será possível ao Direito no momento em que a igualdade formalmente instituída pelas normas, tornar-se algo plenamente aceito pela sociedade como algo natural, com a mulher vendo-se como igual ao próximo e sendo vista como igual pelo próximo.


4 Bilbiografia

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. Curitiba: Lúmen Júris IICPC, 2006.

[1] Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, art. 1º.
[2] Adotada pela Assembléia Geral dos Estados Americanos em 6 de junho de 1.994, ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1.995.
[3] Expressa na célebre teoria da coação psicológica de Feurbach, representa a dimensão negativa da Prevenção Geral: o Estado espera desestimular pessoas de praticarem crimes pela ameaça da pena. (CIRINO DOS SANTOS, Direito Penal – Parte Geral, 2.006, p. 459).

sábado, 9 de junho de 2007

Partido Comunista dos EUA resgata sua história

Um momento de orgulho para o nosso Partido
por Jarvis Tyner*
Discurso proferido na ocasião da entrega dos arquivos do Partido Comunista dos EUA à Tamiment Library e Robert F. Wagner Labor Archives da Universidade de Nova York, em 23 de Março de 2007.
Publicado originalmente em: http://www.pcb.org.br/orgulho.htm

Camaradas, Irmãos e Irmãs:

Este é um momento de orgulho para o nosso partido. Esta coleção contém dezenas de milhares de documentos, livros, panfletos, fotos, registros áudio e visuais que mostram a história real do Partido Comunista dos EUA. Consideramos esta coleção como um tesouro. É uma coleção sem preço. É o registro documentado da história do Partido. Ela mostra que não somos agora nem nunca fomos parte de alguma fictícia conspiração internacional.

Quando aderi ao Partido Comunista, quarenta e sete anos atrás, o Partido estava virtualmente fora da lei sob as disposições do McCarran Act. O próprio diploma legal definia o Partido Comunista dos EUA como parte de uma conspiração internacional dirigida por Moscou. Aquela definição vinha de Hitler; era a grande mentira de Hitler e os nazis utilizaram-na para racionalizar as histórias dos seus mais odiosos crimes. Sob o McCarran Act a cada dia que um membro do Partido Comunista não se registrasse como um "agente de Moscou" as penalidades eram multas de US$ 10.000 e 10 anos de prisão. E se se registrassem seriam processados como espiões. Em suma, a condição de membro do Partido significava bancarrota pessoal e vida prisional. A lei tinha uma disposição para "campo de concentração", de modo que se você estivesse na lista a qualquer momento poderia ser preso e colocado num campo prisional.

Nesta altura, pode-se perguntar, por que aderi? Como jovem trabalhador, aderi porque o Partido estava ativamente a combater pelos direitos civis e direitos trabalhistas. Aderi porque os comunistas opunham-se à Guerra Fria e à corrida às armas nucleares e eram pela coexistência pacífica. Aderi porque o Partido era anti-racista, multi-racial e multi-étnico e eu estava a trabalhar com um grupo dedicado de jovens ativos. Aderi porque as pessoas mais opostas às coisas pelas quais combatia eram os anticomunistas.

O Partido tinha uma forte liderança experiente com um registro inigualável de lutas em prol da classe trabalhadora e racialmente oprimida. Guss Hall (antigo secretário-geral) e Henry Winston (antigo presidente nacional) foram grandes líderes. Aderi porque o Partido estava comprometido com o socialismo e tinha um plano realista sobre como alcançá-lo. E, francamente, aderi como um jovem trabalhador afro-americano porque queria protestar fortemente contra o ataque ao Partido. Senti que tinha o direito de aderir e ofendia-me o fato de pessoas como J. Edgar Hoover e Pat McCarran - um racista bem conhecido - pensarem que podiam dizer-me a que organizações eu podia ou não podia aderir.

Harry Truman vetou o McCarran Act, mas o Congresso cancelou o seu veto. Ele classificou o ato como "o maior perigo para a liberdade de expressão, de imprensa e de reunião desde as leis de estrangeiros e sedição de 1789". É importante notar que todas as disposições do McCarran Act que puderam ir ao Supremo Tribunal dos EUA foram declaradas inconstitucionais.

Toda a base do diploma era uma grande mentira. Assim, quando comunistas e progressistas combatiam contra esta tentativa de por fora da lei o nosso Partido, estávamos a levantar-nos pelo direito à dissenção para todos os americanos. Não éramos conspiradores. Os conspiradores eram aqueles que utilizaram a histeria anticomunista para racionalizar sangrentas guerras de agressão imperialistas, como o Vietnam então e o Iraque agora, juntamente com políticas racistas e anti-classe operária nos EUA e por todo o mundo.

Irmãs e irmãos, camaradas, nós não fizemos nem fazemos parte de qualquer conspiração comunista internacional. Somos o que dizemos que somos. Fazemos o que dizemos que fazemos.
Uma leitura honesta desta magnífica coleção mostrará que o Partido Comunista dos EUA sempre foi e continuará a ser um orgulhoso e com princípios partido revolucionário multi-racial da classe trabalhadora. Somos um partido dos EUA que democraticamente toma as suas próprias decisões e decidiu o seu próprio programa. Repito: nós somos o que dizemos que somos.
A contribuição do Partido

Quando lerem este material verão uma magnífica história de luta em prol dos direitos da multi-racial classe trabalhadora dos EUA e das vítimas da discriminação racial e de gênero. Verão a aplicação criadora da ciência marxista-leninista a diferentes eras na história e em diferentes etapas na luta que tornaram possível para o Partido Comunista dos EUA desempenhar um papel de relevo mesmo sob as mais difíceis condições. Ele sempre foi um partido de minoria com um programa para a maioria.

Alguns líderes admiráveis fundaram este partido. Penso na grande Elizabeth Gurley Flynn - "a garota rebelde" - Alfred Wagenecht, Charles Ruthenber, "Big Bill" Haywood, William Z. Foster e John Reed.

Durante a grande depressão o Partido cresceu à sua maior dimensão e influência. O capitalismo estava em crise e havia posto de lado dezenas de milhões de trabalhadores.

O Partido foi o primeiro a avançar com a questão da necessidade de trabalhos públicos para atender aos problemas do desemprego maciço, da fome e dos sem abrigo. Não havia socorro por parte do governo, apenas instituições religiosas de caridade, as quais não podiam atender a crise - assim como a "Iniciativa baseada na fé", de Bush, não funciona hoje. Milhões haviam caído em tempos difíceis. O Partido produziu a [tese] principal de que o governo tinha responsabilidade de proporcionar alívio ao seu povo. O Partido organizou então, com êxito, um movimento de massas dos desempregados, dos famélicos e dos empobrecidos que forçaram o governo a proporcionar uma rede de segurança social - uma rede de segurança social que está agora a ser estilhaçada pelo atual ocupante da Casa Branca.

O Partido avançou com a exigência de alívio e benefícios de segurança social de modo a que as pessoas idosas não tivessem de enfrentar a pobreza abjeta na última fase das suas vidas. O Partido não fez isto sozinho, mas desempenhou um papel decisivo na construção deste maciço movimento de trabalhadores negros, mulatos e brancos. Estas lutas melhoraram as vidas de milhões de trabalhadores e fizeram história.

O Partido iniciou o combate para organizar sindicatos industriais. Foi o Partido Comunista que conduziu uma campanha em escala nacional para salvar os jovens de Scottsboro e muitas outras vítimas da justiça por linchamento no Sul de Jim Crow . O International Labor Defense, dirigido pelo "Sr. Direitos Civis", o lendário William L. Patterson, estava à proa. O Partido na década de 30 entendeu a necessidade de combater o racismo a fim de unir e organizar o povo trabalhador, inclusive no Sul Profundo (Deep South) onde ajudou a estabelecer as primeiras organizações sindicais de negros e brancos e isto foi feito apesar do terrorismo do Ku Klux Klan.

O Partido Comunista fez igualmente um admirável trabalho no Norte. Um dos maiores exemplos foi no Harlem, onde o camarada Benjamin Davis, um comunista e combatente heróico, tornou-se o segundo afro-americano a ser eleito para o New York City Council. Ele juntou-se ao seu camarada ítalo-americano, Peter V. Cacchione, do Brooklyn e foram em conjunto o duo dinâmico no combate contra o racismo e pelos direitos da classe trabalhadora e do povo de Nova York. O Partido desempenhou um grande papel ao tornar Nova York uma cidade do trabalho. Esta é a história do nosso Partido.

O New Deal foi um produto daquele grande levantamento da classe trabalhadora. E digo: "Não foi Roosevelt que fez o New Deal, mas o New Deal que fez Roosevelt". Esta é a história real do partido.

A propósito, Harvey Klehr e Ronald Radosh, ninguém nos deu ordens para fazer estas grandes coisas. Como disse Sam Webb numa carta recente ao New York Times, "Nossas ordens não vieram de Moscou, mas de pessoas comuns da classe trabalhadora cujas lutas são as nossas".
Remontando à década de 1920, nos dias primitivos do movimento comunista americano, o Partido era ilegal, assim como eram ilegais os sindicatos e eram ilegais as organizações de direitos civis que trabalhavam no Sul de Jim Crow.

Naqueles dias de antigamente estes camaradas estavam a organizar sindicatos, estavam a organizar os desempregados. Estavam a trabalhar contra a segregação e a discriminação que era legal no Norte e no Sul e aplicada pela corda do linchamento. Poderosos interesses financeiros estavam contra eles. Eles enfrentaram espiões trabalhistas, provocadores, terroristas do Klan, gangsteres contratados e bandidos armados. Houve os Palmer Raids de J. Edgar Hoover em 1919, em que milhares foram apanhados, encarcerados e muitos deportados. Sim, aqueles camaradas muitas vezes tinham de escrever em código para proteger o seu trabalho e a condição de membro do Partido. Teria sido loucura atuar de outra forma. O problema era a colocação fora da lei de organizações democráticas. Aqui estava o problema.

Vocês sabem, não tenho respeito por estes oportunistas da Guerra Fria que ganhavam o seu dinheiro a promover a grande mentira anti-comunista.

Nos quarenta e sete anos em que tenho estado no Partido, e ao longo dos quarenta anos na liderança nacional, nunca recebi uma ordem de Moscou. Moscou não teve de dizer-nos para combater pelos direitos civis, pelos direitos trabalhistas e pelos direitos dos jovens. Não teve de dizer-nos para nos opormos à guerra do Vietnam ou nos opormos ao apartheid da África do Sul. Precisavam dizer-nos para trabalhar pela liberdade de Angela Davis, Sacco e Vanzetti ou Angelo Herndon? Certamente que não!

Na verdade a Revolução Bolchevique teve um enorme impacto internacional e deu um exemplo para todo o mundo. O fato de o jovem Estado Soviético ter iniciado um sistema de cuidados de saúde gratuito abriu a porta para a medicina socializada por toda a Europa. (Nosso governo ainda está atrasado nesta questão democrática).

Comunistas de todo o mundo têm sido solidários com as lutas democráticas e progressistas do povo americano, o que remonta a Karl Marx e à sua oposição à escravidão. De fato sempre houve grande solidariedade e interesse pela luta nos Estados Unidos e não apenas dos comunistas. Sim, o Partido aproveitou experiências de outros camaradas e aplicou-as aqui e eles igualmente aproveitaram das nossas experiências.

Como sabem, no 7º Congresso Mundial da Internacional Comunista (1937) a experiência dos EUA e das Ligas Comunistas Juvenis da França foram levadas àquela reunião e o seu êxito na construção de um vasto movimento anti-fascista tornou-se o modelo para Frente Única e a Frente Popular contra o fascismo em todo o mundo. Assim, por esta lógica, poderíamos nós dizer que Moscou e o movimento comunista mundial estavam a receber ordens de nós?

De fato, John Abt, nosso brilhante advogado nos processos do McCarran Act, certa vez investigou esta questão e depois de examinar uma longa lista de posições políticas em que o nosso Partido e o Partido Soviético concordavam descobriu que 60% das vezes o PCEUA adotou a posição antes do PCUS. Será que os trapaceiros da Guerra Fria irão dizer que 60% das vezes Moscou estava a receber ordens de nós? Vamos ser sérios aqui.

Vocês sabem que em 1949 William Z. Foster, no seu "Crepúsculo do capitalismo mundial" ("Twilight of World Capitalism"), foi o primeiro a avançar com o conceito de coligação anti-monopolista. Tal política tornou-se a abordagem estratégica de todos os Partidos Comunistas no mundo capitalista ocidental. Em 1940, o Partido Comunista dos EUA foi o primeiro a retirar-se da Internacional Comunista. Em 1944 a maior parte dos partidos concordaram que ela já não era um fórum viável e foi dissolvida. O nosso Partido e todos os partidos são independentes e tomam suas próprias decisões. Não temos nada a confessar. Hoje, o discurso internacional sobre toda espécie de questões políticas está a decorrer todos os dias na Internet. O que há de errado com isto?

Hoje estamos em solidariedade ativa com todos os estados socialistas e os novos estados progressistas: Cuba, Venezuela, Vietnam, China, Coréia do Norte e outros. Estaremos nós sob o seu controle?

De fato, sejamos realistas, o nosso governo interferiu nos assuntos internos de outros países mais do que qualquer outro governo do mundo. Temos gasto trilhões de dólares para construir partidos da oposição e financiar e golpes e assassinatos a fim de fazer o mundo lucrativo para as corporações americanas. A lista é infindável. Nossa ocupação do Iraque diz muito aqui.

Sem dúvida alguns dos tipos da guerra fria desejarão examinar a coleção. Ela é uma coleção pública. Não penso que eles estejam presentes a esta celebração nesta noite.

Pergunto-vos: será que Martin Luther King convidou Bull Connor a sentar nas reuniões do SCLC em Birmingham? Será que George Washington convidou os casacos vermelhos [red coats, soldados britânicos] a juntarem-se quando cruzou o Delaware? Penso que não. Essa é a nossa posição.

Vocês sabem, os arquivos do Partido estiveram abertos ao público o tempo todo. Nossos arquivos contribuíram para centenas de documentos e livros acadêmicos. Guionistas de cinema e ilustradores de todo o mundo têm utilizado nossos materiais. Assim, não era uma coleção "secreta".

O problema que enfrentávamos era que os nossos arquivos eram maiores do que o que podíamos administrar. É constituído por 12 mil caixas de cartão, 20 mil livros e panfletos, um milhão de fotografias. E a nossa falta de recursos e instalações suficientes significa que a coleção estava a deteriorar-se. Estávamos à vontade para abrir uma discussão com a Biblioteca Tamiment acerca da mudança da coleção para ali. Estávamos à vontade porque eles já abrigam os documentos pessoais de Elizabeth Gurley Flynn, Peter V. Cacchione, Dr. James E. Jackson e Simon Gerson. A Tamiment tem feito um bom trabalho a cuidar destes valiosos documentos. Assim, após muitas discussões, decidimos doar nossa coleção à Tamiment. Penso que foi uma boa decisão.

Esta coleção foi reunida inicialmente pela comissão de história do Partido, ao longo de muitos anos. Devemos dar o devido louvor a Gus Hall e Henry Winston por criarem aquela comissão, a qual incluiu Mary Licht, Ted Bassett, William Weintone, Joe Brandt, Phil Bart e outros.

Agora que a coleção está aqui, muitos outros acadêmicos, escritores e investigadores terão acesso a esta admirável riqueza de informação. No devido tempo ela estará acessível on line, temos esperança. E grande número de pessoas será capaz de ler acerca da verdadeira história do Partido. Há muitos heróis e heroínas não cantados que construíram este partido e o movimento acerca do qual pouco está escrito, mas as suas contribuições estão contidas nesta coleção. Pessoas de que podemos não ter ouvido, desde trabalhadores de lojas, líderes operários, combatentes das bases em comunidades como Harlem, Harlan County, KY, East Los Angeles, East Harlem, Tucson, AZ e o South Side de Chicago. Foram pessoas extraordinárias. Esta coleção realmente pertence a eles; ao movimento da classe trabalhadora. E agora será acessível a um grande número de investigadores. E deixe-me dizer-lhes, nesta coleção há um milhão de admiráveis histórias escondidas que precisam ser contadas e, esperançosamente, agora talvez venham a ser contadas.

Esta coleção mostrará a enorme contribuição do Partido Comunista dos EUA para os movimentos democráticos e para o nosso processo político geral. Este é o nosso legado e ele desmascarará os caluniadores e mostrará que o Partido era e é uma força para o bem.

Antes de terminar gostaria de ler um breve trecho de uma homenagem ao Dr. W.E.B. Dubois do Rev. Dr. Martin Luther King efetuada em 23 de Fevereiro de 1968 num evento patrocinado pela revista Freedomways. Falando para uma sala repleta no Carnegie Hall de Nova York, o Dr. King corajosamente declarou o seguinte: "Não podemos falar do Dr. DuBois sem reconhecer que foi um radical ao longo de toda a sua vida. Algumas pessoas gostariam de ignorar o fato de que foi Comunista nos seus últimos anos. Vale a pena notar que Abraham Lincoln saudou calorosamente o apoio de Karl Marx durante a Guerra Civil e correspondeu-se com ele livremente. Na vida contemporânea o mundo de fala inglesa não tem dificuldade com o fato de que Sean O'Casey foi um gigante literário do século XX e um Comunista ou que Pablo Neruda seja geralmente considerado como o maior poeta vivo apesar de também ter sentado no Senado chileno como Comunista. Já é tempo de cessar de obscurecer que o Dr. DuBois foi um gênio e escolheu ser Comunista. O nosso anti-comunismo irracional, obsessivo, conduziu-nos para dentro de demasiados atoleiros a serem retidos como se fosse um modo de pensamento científico" (23 de Fevereiro de 1968, por ocasião do 100º aniversário do nascimento do Dr. W.E.B. Dubois).

Estas são as palavras do Dr. King, que no século passado foi o maior democrata revolucionário do nosso país.

Encaramos com otimismo o futuro, quando a Carta de Direitos do Socialismo (Bill of Rights Socialism) será tornada uma maravilhosa realidade.

30/Março/2007
[*] Vice presidente executivo do PCEUA

Da Mentira à Hipocrisia

A polidez hipócrita do comportamento humano nos retira o último resquício de sinceridade nas relações humanas de nossos tempos.

As ofensas sutis, os comentários rasteiros e traiçoeiros, feitos às escondidas, em substituição à manifestação honesta dos sentimentos e das opiniões, que permitiriam defesa.

É o hábito que se origina dos elementos mais profundos da organização de nossa sociedade, que se ergue sobre as falsas promessas de liberdade, mas se sustenta da realidade da escravidão e da miséria humana.

Tristes tempos esses nossos em que partimos da mentira, rumo, no máximo, à hipocrisia.

Tribunal do Júri - Uma Breve Análise Crítica

1 INTRODUÇÃO

Compreendendo o Direito como o mais direto dos instrumentos de controle social[1], deve-se observar mais atentamente seu ramo mais radical, o Direito Penal, analisando cuidadosamente seus instrumentos de aplicação mais intensivos, como o Tribunal do Júri.

Observa-se que, em tese, esse instrumento tem um caráter excepcional[2], visando a oportunização de um julgamento popular, sob uma ótica popular, daqueles crimes atentatórios ao bem jurídico mais valioso, a vida. Ao observar, no ordenamento jurídico brasileiro, a instituição do Júri Popular, sobretudo pela disposição constitucional, tem-se a certeza de sua utilização como ferramenta de garantia ao réu, de forma indistinta, bem como, de sua utilização nos casos específicos e delimitados. Entretanto, observando-se a atribuição de competências do Tribunal do Júri, descrita no parágrafo 1º, do artigo 74, do Código de Processo Penal (Decreto Lei Nº. 3.689/1941), tem-se uma abrangência de crimes e condições específicas, mas de grande amplitude, que nos leva a questionar a adequação de tais competências ao disposto na Lei Maior.

Igualmente, é necessário analisar os aspectos históricos, bem como, os fundamentos teóricos, para uma correta avaliação acerca da legitimidade social e histórica do tribunal do Júri, em consonância com o seu discurso democrático.

Alguns elementos de análise devem levar em conta as contradições sociais, como ponto central sobre uma avaliação da imparcialidade real e de um verdadeiro caráter democrático dessa instituição. É necessário lembrar que nos dias atuais, muito maior é o julgamento social sobre o indivíduo, do que exatamente sobre sua conduta, eivado de todo o conteúdo de conceitos pré-concebidos, capazes de transformar toda uma visão acerca da reprovabilidade de uma dada conduta.

Tendo tais elementos em mente, necessário faz-se determinar uma divisão de formulação prévia sobre a diversidade de reconhecimento do caráter de povo, a fim de permitir a correta avaliação do caráter popular do Júri.

Em sua origem mais remota, na Grécia antiga, desde o século IV A.C., observamos uma perturbadora similitude com os dias atuais:

“encontramos os primeiros vestígios de sua existência[3] no Tribunal dos Heliastas, que se reunia em praça pública e era composto por cidadãos que traduzia o princípio da justiça popular e que serviu de inspiração para o Tribunal do Júri inglês introduzido na Common Law a partir de 1066 pelo Rei Guilherme, o conquistador normando.[4] Em Roma, durante a República, segundo Nucci (1999, p. 31),[5]havia a instituição do júri, conhecida por questiones, inicialmente, em caráter temporário, mas depois transformados em definitivos. Era composto por um pretor, que tomava o nome de quaesetio, e dos jurados, judices juratio. Estes eram escolhidos entre os senadores, cavaleiros e tribunos do tesouro.
A Lei Pompéia exigiu que os jurados tivessem condição de renda, aptidão e mais de trinta anos. O Tribunal funcionava publicamente no Fórum, onde no dia do julgamento os jurados eram sorteados, sendo facultado ao acusador e ao acusado o direito de recusá-los sem qualquer motivação até esgotar-se a lista." (Schimitt, 2007, p.446/447)

Nos dias atuais, tantas transformações na organização da sociedade após esse período grego ou mesmo romano dos tribunais populares, observamos que muito da essência não se alterou, mesmo que em grande parte discursos justificantes de tal sistema e base de abrangência do conceito formal de cidadania tenham sofrido profundas alterações.

É dispensável lembrar que naqueles tempos de Grécia e Roma antigas a justiça era exclusividade dos cidadãos, como também é dispensável lembrar que mesmo o conceito formal de cidadania daqueles tempos era intimamente ligado a condição sócio-econômica do indivíduo e mera conseqüência desta. Mas tal característica daquelas sociedades não difere, em essência, do nosso conceito de cidadania na prática Penal forense majoritária, como já exaustivamente analisado pelo estudo crítico do Direito Penal, conforme lecionam Cirino dos Santos e Zaffaroni:

“Seja como for, é no processo de criminalização que a posição social dos sujeitos criminalizáveis revela sua função determinante do resultado de condenação/absolvição criminal: a variável decisiva da criminalização secundária é a posição social do autor, integrada por indivíduos vulneráveis selecionados por estereótipos, preconceitos e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social – e não pela gravidade do crime ou pela extensão social do dano[6].” (SANTOS, 2006, p.12-13)

“É indiscutível que em toda sociedade existe uma estrutura de poder e segmentos ou setores mais próximos – ou hegemônicos – e outros mais alijados – marginalizados – do poder. Obviamente, esta estrutura tende a sustentar-se através do controle social e de sua parte punitiva, denominada sistema penal.” (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004, p. 76)
Analisando todos esses fatores, partindo de um conceito já trazido pela análise crítica acerca das funções do Direito Penal, faremos uma análise crítica do instituto do Tribunal do Júri.


2 DESENVOLVIMENTO

2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A Sociologia, a Filosofia, a Criminologia e tantas outras expressões do conhecimento humano, até mesmo a Economia, já se dedicaram ao estudo das relações e objetivos táticos e estratégicos acerca do Direito Penal. Entretanto, nenhuma dessas análises chegou a uma resposta conclusiva e aceitável para as demais Ciências Sociais que se dedicaram ao mesmo tipo de estudo[7].

A Ciência Jurídica, por si só, também não é capaz de dar respostas aos inúmeros questionamentos feitos sobre os instrumentos do Direito Penal. Principalmente, não é capaz de explicar as discrepâncias entre toda a sua teoria fundamental e a prática jurídica, até mesmo, porque não é próprio da Ciência Jurídica, quando isolada, a postura questionadora de seus próprios métodos e mecanismos[8].

Se essas análises não conseguem chegar a ponto comum, conclusivo, acerca dos aspectos mais amplos do Direito Penal, que dizer sobre os instrumentos específicos e carregados de um discurso de legitimidade.

Mesmo nas análises realizadas em cada uma das Ciências Sociais, não se consegue qualquer conclusão aceitável por todas as correntes de pensamento.

E é da grande variedade de divergência de posicionamentos e visões que se encontra o material necessário a uma análise mais ampla, em aspectos críticos, do Júri Popular. Note-se que toda a crítica comumente feita quanto à instituição do Júri, em regra, é exatamente de um viés autoritário, buscando não o resguardo das garantias trazidas pelo julgamento popular ao réu, mas a eliminação de tais garantias e a maximização das características eminentemente autoritárias do caráter punitivo do Estado.

Porém, para a defesa das garantias trazidas pelo julgamento popular, não é necessária a defesa intransigente de todo o mais, sobretudo, por ser certo que, em diversos aspectos, é o julgamento popular um instrumento de eliminação das garantias às vítimas do preconceito social e o sujeito do estereótipo do punível.

Daí que necessária tal análise crítica, sob fundamentos trazidos pelo ferramental sociológico e filosófico, objetivando uma ampliação da visão sobre a realidade material oriunda das bases jurídicas aplicadas na prática social e forense.

Analisando a Teoria Pura do Direito de Kelsen, buscamos a fundamentação técnica, isolada das demais ciências, para analisar a tecnicidade da prática jurídica encontrada, sob a alegação de respeito estrito à norma.

Igualmente, buscamos na sociologia os elementos analíticos do comportamento social, tanto do aparelho jurídico, seus operadores, quanto dos sujeitos objetos do julgamento popular, inclusive, nos extremos da capacidade sócio-econômica. Buscamos, igualmente, o critério de análise das relações jurídicas numa sociedade estamental, sob a ótica dos clássicos da sociologia, sobretudo, adotando a lógica da luta de classes[9] e de análises mais recentes, com certa ênfase na análise de funcionamento de todo o aparato estatal.

Também se utiliza a análise de tipos e instrumentos diferentes, relacionados ao Direito, tais como, a criminologia, sempre em lógica dialética[10], confrontando e sintetizando a teoria e a prática, sob as diferentes óticas, buscando-se os instrumentos disponíveis em todas as Ciências Sociais.

Não se pretende chegar à conclusão acerca do tema abordado, apenas pretende-se o estabelecimento de uma nova visão da análise e debate sobre um elemento cuja crítica ainda nos parece tímida e insuficiente, sobretudo, por sua importância e necessidade de resguardo de suas garantias.

Assim, todo o instrumental trazido tem por objetivo servir de material para uma análise integrada, permitindo uma análise que não limite-se à ótica de um único campo do conhecimento, nem seja de utilidade exclusiva a um único campo do pensamento jurídico, apesar da falta de pretensão de fazer-se, em trabalho tão exíguo, uma reflexão mais profunda.

2.2 METODOLOGIA UTILIZADA

Em princípio, acreditou-se na possibilidade de análise apenas do ferramental jurídico sob uma ótica crítica, utilizando-se de elementos sociológicos e filosóficos apenas para tal análise.

No entanto, com o avanço do processo de pesquisa, verificou-se um maior nível de complexidade do tema, observando unanimidades ilógicas, bem como, aspectos sem uma análise crítica de fácil acesso, já realizada no âmbito do Direito.

Assim, surgiu a necessidade de proceder-se a análise de aspectos filosóficos e sociológicos de forma mais aprofundada, a fim de revelar as questões ainda não tratadas de forma mais aprofundada pela doutrina jurídica, em razão da falta ou pouca crítica.

Dessa forma, partimos para a busca de material bibliográfico nos campos da sociologia e filosofia, dando ênfase aos clássicos, realizando uma criteriosa seleção de teorias científicas a fundamentar as análises acerca do tema.

Ainda, buscou-se a pesquisa jurídica, em grande parte, naqueles autores cuja análise e interpretação do Direito passa, necessariamente, por uma análise da sociedade e de suas contradições.

A partir dessa análise prévia, buscou-se uma avaliação hipotética das condições práticas de aplicação das normas quanto ao juízo de admissibilidade e as conseqüências da pronúncia e julgamento popular, a partir de uma análise da condição sócio-econômica do réu, de sua capacidade de reação ante a acusação, de sua capacidade de defender-se.

Também, buscou-se a análise interpretativa dos mecanismos jurídicos relacionados, em seus aspectos interpretativos dados pela doutrina e pela prática forense, mormente, aqueles de flexibilização interpretativa dos dispositivos constitucionais, sob uma ótica de análise crítica, levando em conta teses sociológicas e políticas, além daquelas da criminologia crítica.

Finalizando o processo analítico, tomou-se aspectos psicológicos e sociológicos para a análise das condições variáveis a que é submetido o réu no processo de julgamento pelo Júri Popular e aspectos jurídicos relativos aos direitos fundamentais, sobretudo, sobre o atingimento da Dignidade da Pessoa Humana.


2.3 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL

Hoje, com a atribuição constitucional de competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, não foi essa a origem da instituição do júri popular no Brasil.

Em 1822, instituiu-se no Brasil o Tribunal do Júri, com única competência de julgamento dos crimes de imprensa, sendo composto, o conselho de sentença, por 24 jurados, selecionados entre os “homens bons, honrados, inteligentes e patriotas” (SCHMITT, 2007, p. 449).

Esse elemento subjetivo de critério de seleção dos jurados é fato marcante, relembrando o critério de composição do júri popular na Grécia antiga, onde tal posição era exclusiva dos cidadãos, ou seja, uma elite econômica e selecionada com base em elementos de tradição e origem.

A instituição do Júri veio a receber atribuições outras em período curto, tendo, em 1830, constituído de forma mais similar à inglesa, com a formação do júri de acusação e o Grande Júri.
Nesse formato instituído em 1830, competia ao Júri de Acusação a formação da culpa, semelhante ao procedimento de competência do juiz singular nos dias atuais. Esse Júri de Acusação era composto por 23 membros e recebia os processos do juiz de paz da sede, que lhe haviam sido enviados por todos os juízes de paz do território. Sequentemente, os jurados eram encaminhados pelo juiz de direito, que dirigia a sessão, à sala secreta, para análise, apreciação e decisão acerca da formação da culpa, confirmando ou não, a pronúncia ou impronúncia.

Em segunda etapa, executava-se o julgamento pelo Grande Júri, composto por 12 jurados, novamente escolhidos por critério de alta subjetividade, mas com forte caráter de composição exclusiva por uma elite social, no caso, os “eleitores de reconhecido bom senso e probidade” (SCHIMMIT, 2007, p. 449), que poderiam condenar ou absolver o réu.

Esse formato de organização do Júri Popular só sofreu mudança significativa em 1841, com a extinção do Júri de Acusação, pela Lei 261/1841, atribuindo aos juízes municipais a função de prolatar a sentença de pronúncia ou impronúncia.

Nesse período vigia a pena de morte, cuja aplicação exigia unanimidade dos jurados até 1841 que, após a lei que introduziu as mudanças no Júri Popular, passou a exigir apenas maioria de 2/3.

É a partir de 1891, com a Constituição Republicana, que o Júri recebe o status de garantia fundamental, mantido até os dias atuais com o mesmo caráter, com alguns intervalos temporais em períodos totalitários.

Porém, é exatamente com a Constituição de 1937, outorgada, manifestamente totalitária e autoritária, que a instituição do Júri recebe, em suas atribuições, as feições semelhantes às atuais, apesar de a própria constituição, silenciar sobre o tema. O Decreto-Lei 167, assinado pó Getúlio Vargas em 05 de janeiro de 1938, traz como atribuição do júri os crimes de homicídio, infanticídio, induzimento ou auxílio ao suicídio, assim como a forma dada pela legislação atual, faltando os crimes relacionados ao aborto. Além desses, foram dados à competência do Júri, os crimes de latrocínio, lesões corporais seguidas de morte e crime típico à época, o duelo seguido de morte, hoje tratado como homicídio.

A soberania dos veredictos do Júri, trazida na Carta Política de 1946, é abolida em 1969, com a EC nº1, sendo restaurada apenas pela Constituição de 1988.

Em tal processo de tantas modificações por que passou o Tribunal do Júri em sua experiência histórica brasileira, observamos a grande variação de objetivos implícitos de sua utilização, sendo possível um trabalho novo, apenas sobre tais.

Entretanto, resta evidente a inexistência de um caráter realmente democrático em tal instituição ao longo da história, tendo a composição do conselho de sentença critérios subjetivos e notadamente elitistas, em vários períodos, o que vem a estabelecer um caráter de desenvolvimento histórico bastante exclusivo dessa instituição.

Daí que podemos incluir o Júri Popular, apesar de um caráter de maior democracia aparente, na mesma classificação analisada pelos trabalhos acerca da formação do poder judiciário no Brasil ao longo da história, pois que não fica apartada do restante do aparato judiciário as bases de constituição social dessa instituição.

2.4 O PROCESSO CRIME NOS CRIMES DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI[11]

O Processo Crime[12], dos crimes cujo julgamento é de competência do Tribunal do Júri, é dividido em duas fases distintas. A primeira fase destina-se à formação da culpa, a verificação do juízo de admissibilidade, do qual trataremos mais adiante, a segunda, destina-se ao julgamento, propriamente dito.

Nessa primeira fase, temos um processo comum, seguindo o mesmo rito processual dos demais processos crime, da qual trataremos primeiramente.

O processo crime inicia-se com o recebimento, pelo juiz, da denúncia formulada pelo Ministério Público, quando o juiz deverá designar a data e hora para o interrogatório do acusado, determinar a citação do mesmo e notificando o representante do Ministério Público, bem como, do querelante, se for o caso[13].

Assim, na data designada é realizado o interrogatório do acusado, onde o mesmo tem o pleno direito de permanecer em silêncio e, até mesmo, mentir, com base no direito à ampla defesa. Após o ato do interrogatório, a defesa do acusado poderá realizar a apresentação da defesa prévia, peça em que é oportunizado o arrolamento das testemunhas de defesa, mas não mais importante, visto não ser prática comum a apresentação da tese defensiva nesse momento processual. Entretanto, pode-se, na defesa prévia, realizar-se o requerimento de diligências que se pretenda, como a requisição de produção de provas, não que esse seja o momento único, visto que tais são possíveis a qualquer momento da instrução.

A seguir, ocorre o momento das oitivas das testemunhas arroladas, tanto pela defesa quanto pela acusação, sendo ouvidas as de acusação primeiramente. Tal ordem, expressamente descrita no artigo 396, caput, do Código de Processo Penal é de extrema importância, em regra, para proporcionar a mais ampla defesa ao acusado, permitindo tomar conhecimento das declarações acusatórias antes daquelas de defesa, possibilitando melhor condução daquilo que se pretende obter de informação das testemunhas de defesa em suas oitivas. O Ministério Público é uma das partes e cada réu, havendo mais de um, constitui-se como parte individualmente, razão pela qual podem ser arroladas oito testemunhas para cada uma.

As testemunhas de acusação devem ser ouvidas em até 40 dias, quando o réu estiver solto, reduzindo-se para 20 dias quando estiver preso, enquanto que as testemunhas de defesa devem ser ouvidas em um prazo total de 80 dias para o caso de réu solto, e de 40 dias para a situação do preso.

Uma vez terminada a inquirição das testemunhas, mandará o juiz dar vista dos autos ao Ministério Público em um prazo de 5 dias e por igual prazo ao defensor do réu, em cartório.

Insta esclarecer da análise dos prazos acima mencionados, que a realidade não coaduna com o que se encontra disposto legalmente, pois embora a legislação penal consigne o prazo de 80 dias para findar o processo criminal, quando do réu preso, o que se verifica é que os processos se estendem por um período muito maior, chegando a completar anos. Ainda que existam princípios que determinem somente poderiam ser elastecidos tais prazos se fossem para beneficiar o réu, e nunca prejudicá-lo. É um descalabro o descaso que se tem para com os réus que, por absoluta e única falta de vontade, permaneçam indeterminadamente presos, sem previsão para sua amparada liberdade, ainda que constitucionalmente assegurada.

Finda a instrução de processo relacionado ao Tribunal do Júri, cuidando de crimes dolosos contra a vida e infrações conexas, o magistrado possui quatro opções: Pronunciar o réu, quando julga admissível a acusação, remetendo o caso para a apreciação do Tribunal Popular[14]; impronunciá-lo, quando julga inadmissível a acusação, por insuficiência de provas; absolvê-lo sumariamente, quando considera comprovada uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade; desclassificar a infração penal quando se julga incompetente para julgar o feito, assim como o Tribunal do Júri, remetendo a apreciação do caso a outro juízo.

Chama-se sentença de pronúncia, porque possui formalmente a estrutura de uma sentença, isto é, relatório, fundamentação e dispositivo.

É preciso destacar que o controle judiciário sobre a admissibilidade da acusação necessita ser firme e fundamentada, entretanto, apenas sobre a admissibilidade, sendo vedado o excesso de fundamentação que adentre ao mérito em si.

Em tese, a absolvição ou condenação do réu no momento de efetuar a pronúncia deve ser resolvida pelo juiz em favor da sociedade, filtrando o que pode e o que não pode ser avaliado pelos jurados, zelando pelo respeito ao devido processo legal, e somente permitindo que siga a julgamento a questão realmente controversa e duvidosa.

No entanto, não é o que ocorre na prática. (...)

Passada em julgado a sentença de pronúncia, o Ministério Público terá vistas do processo novamente, para que ofereça o libelo[15] acusatório, no prazo de cinco dias, sendo que, o escrivão o entrega ao réu diretamente no prazo de três dias, para que em cinco dias seu defensor apresente sua contrariedade. Juntamente com essa contrariedade, apresenta-se o rol de testemunhas que irão depor no plenário em no máximo cinco dias.

Após a contrariedade ao libelo, “o presidente do tribunal do júri, depois de ordenar, de ofício, ou a requerimento das partes, as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse à decisão da causa, marcará dia para julgamento, determinando sejam intimadas as partes e as testemunhas” (art. 425, caput).

Caso o juiz entenda que não houve o crime, ou nem mesmo indício de que o réu é o respectivo autor, cabe a ele julgar improcedente a pretensão acusatória de ser o acusado julgado pelo Tribunal do Júri (art. 409, CPP). A impronúncia é o oposto da pronúncia.

A absolvição sumária somente ocorre quando o magistrado, com absoluta certeza, entenda que estão presentes as provas da inexistência de ilicitude na conduta do acusado, ou da autoria. A decisão é definitiva, pois resolve sobre o mérito da causa. O crime é um fato típico, antijurídico e culpável. Portanto, para que se configure o crime é necessário que o mesmo seja classificado como tipo penal, que este tipo penal seja ilícito e ainda esteja presente a culpabilidade do acusado. Se apenas um dos três elementos faltar, não há que se falar em crime. As hipóteses da absolvição sumária estão elencadas no art. 411 do CPP. Estas são taxativas.

Poderá o Juiz, também, desclassificar a infração para outra, da competência do Júri, ou para outra que não se inclua na sua competência. Na primeira hipótese, limitar-se-á a pronunciar o réu como incurso nas penas do artigo que entender como violado conforme preceitua o art. 408, § 4º:

"0 Juiz não ficará adstrito à classificação do crime, feita na queixa ou denúncia, embora fique o réu sujeito à pena mais grave, atendido, se for o caso, o disposto no art. 410 e seu parágrafo".

Assim, se o Juiz compreender pela ocorrência de outra infração que não seja da competência do Tribunal do Júri, proferirá decisão nesse sentido e remeterá os autos ao juízo competente.

Os arts.442 e seguintes dispõem sobre a composição do Tribunal do Júri,da abertura da sessão, da sua instalação,dos jurados, da suspeição dos jurados,do não comparecimento dos mesmos, das testemunhas.

Após resolver sobre as escusas, vistas nos artigos anteriores, o presidente do tribunal inicia a sessão, aqui é o momento do interrogatório do acusado no Plenário do tribunal do júri. Sendo assim, o juiz perguntara ao réu o nome, a idade e se tem advogado. Na hipótese do réu tiver advogado constituído, o juiz convidará ao mesmo a ocupar a tribuna da defesa. Caso o réu ainda não tenha advogado, o juiz designará um defensor para fazê-lo. No caso do réu ser menor, este necessitará de um curador, e o procedimento será o mesmo adotado anteriormente. Como reza o art.449, se o réu (maior) não possuir advogado, ou mesmo o réu (menor) não possuir curador, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido. O legislador quando da elaboração da norma, pensou de maneira correta, pois não existe a possibilidade de uma defesa ser feita num dia, ou seja deve-se ter tempo para estudar os autos e de tal maneira prepara a defesa.

Em se tratando do Ministério Público, se este não comparecer a audiência designada por motivo de força maior, o juiz adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido da mesma sessão periódica.

Consta do art.448, a figura do promotor ad hoc, porém em face do art.55 da Lei Orgânica do Ministério Público, a figura deste desapareceu.

O interrogatório do acusado no plenário é de suma importância, pois o mesmo é ouvido diante dos jurados, do Conselho de Segurança. O interrogatório realizado pelo presidente do júri, deve seguir as regras dos arts.185 a 196 do CPP, no que lhe for aplicável.

Aliás, o interrogatório do acusado com a observância das formalidades legais, salvo a hipótese de revelia, é ato indispensável do plenário e a sua ausência acarreta a nulidade do julgamento. O jurado pode inclusive formular pergunta ao réu, pois o julgamento está afeto a ele. Quanto às partes, não, em face da regra proibitiva do art. 187 do CPP.

Em seguida, após o réu ter sido interrogado pelo presidente do júri, o acusado assinará o interrogatório, e o presidente fará o relatório do processo, onde exporá o fato, as provas e as conclusões das partes (art.466, CPP). Cabe salientar que o relatório deve ser feito sem a opinião sobre o mérito da acusação do da defesa.

A imparcialidade do juiz é essencial ao julgamento perante o tribunal do júri e já foi anulado por ter o juiz presidente ordenado que se mantivesse o réu algemado durante os trabalhos do júri sob o fundamento de ele ser perigoso,o que, se entendeu, influiu na decisão dos jurados.

Terminado o relatório, devem ser as testemunhas ouvidas. Esta é a fase da inquirição de testemunhas. Em conformidade com o Princípio do Contraditório e da Ampla defesa, primeiro são ouvidas as testemunhas da acusação (art.467, CPP) e em seguida as testemunhas da defesa (art.468, CPP).

Terminada a inquirição das testemunhas, passa o julgamento para a fase dos debates em plenário. O Juiz anuncia que vão iniciar-se os debates e dá a palavra ao Promotor ou acusador (art. 471 caput, CPP), se houver auxiliar de acusação este falará depois do promotor (art. 471, § 1º CPP). Porém se o processo for promovida pela parte ofendida, primeiro falará o acusador particular, e em seguida o promotor (art. 471, § 2º, CPP).

Finda a acusação, o defensor terá a palavra para a defesa (art.472, CPP). A defesa do júri consiste em contrariar o réu, por seu advogado, oralmente, a pretensão punitiva do acusador.

O Código de Processo Penal disciplina nos artigos seguintes a respeito do tempo que as partes podem dispor quando da acusação e da defesa, assim como da hipótese de haver mais de um acusador ou defensor.

Após a defesa, é faculdade da acusação o oferecimento da réplica, que é um complemento da manifestação anterior, evidentemente sempre nos limites impostos pela pronúncia. Em seguida, pode a defesa treplica, complementando suas alegações, faculdade decorrente do princípio de que o acusado sempre fala em último lugar. Mas a tréplica também é facultativa, podendo a defesa silenciar por entender que, diante da sua manifestação, o júri está convencido da improcedência da acusação.

Encerrados os debates em plenário, os jurados reunir-se-ão na sala secreta; juntamente com o juiz presidente, promotoria e assistente de acusação, defensor, oficial de justiça, escrivão; onde será entregue a eles os autos do processo (art.476, CPP).

Consubstanciado no art.478, CPP, nesse momento o juiz inquirirá se os respectivos jurados estão habilitados a julgar ou se necessitam de mais tempo.

Dando continuidade, o juiz fará a leitura dos quesitos. Como mencionado anteriormente, o libelo traça a linha geral dos quesitos da acusação. Portanto, este questionário é o conjunto dos quesitos destinados a serem respondidos pelos jurados, acerca do fato delituoso, suas circunstâncias e defesa apresentada, para que julguem a causa, ou seja votem nos quesitos que forem apresentados.

Os quesitos estão elencados no art. 484, do CPP, e devem observar as suas regras. Em relação aos quesitos de defesa, deve-se observar inicialmente a respeito das discriminantes (arts.23, 128 etc., do CP) e das dirimentes (arts.21,22,26,28,§ 1º e etc.).

Porém, a jurisprudência já tem o entendimento de que se possa formular apenas um quesito que reúna todos os requisitos da causa excludente da criminalidade, o desdobramento dos quesitos a respeito de cada um dos elementos das justificativas é hoje regra.

Importante salientar que os quesitos devem ser formulados de maneira clara, distintas, sem distorções e de fácil interpretação e aplicabilidade, pois os mesmos serão lidos para o Conselho de Sentença, e os jurados não são obrigados a entender questões de direito. Não devem ser formuladas perguntas de forma negativa, visto que semelhante prática produz complexidade e favorece o erro na manifestação dos jurados. É correta, porém, a formulação na forma negativa em indagações sobre a responsabilidade penal.

Lido os quesitos, estes respondidos pelos jurados, é feita a apuração dos votos. Como reza o art.488, CPP: “As decisões do Júri são tomadas por maioria de votos”.

A seguir, o juiz lavrará a sentença, observando as regras dos arts.492 e 493 do CPP. Segundo MIRABETE, “a sentença proferida no Tribunal do Júri é de formação complexa ou subjetivamente complexa, pois provém de um órgão jurisdicional composto, em que os jurados decidem sobre o crime (fato principal, ilicitude, culpabilidade e circunstâncias) e o juiz presidente sobre a aplicação das sanções penais”.

Se o Conselho de Sentença julgar procedente a acusação, a sentença será condenatória, considerando as circunstâncias agravantes e atenuantes reconhecidas pelos jurados, obedecendo as regras dos art.387 do CPP.

A sentença pode ser absolutória, devendo ser observado o disposto no art.492,II, a,b e c, §1º do CPP.

No caso de ser desclassificada a infração para outra da competência do juiz singular, ao seu presidente cumprirá proferir a sentença motivadamente (art.492,§ 2ºCPP). Se o Tribunal do Júri absolver o réu, cumprirá ao Juiz-Presidente, na sala secreta, lavrar a respectiva decisão.
Se a sentença absolutória for proferida pelo Tribunal do Júri, será irrelevante indagar se a decisão foi ou não unânime. Contudo a apelação não suspenderá a execução de medida de segurança aplicada provisoriamente. É como soa o parágrafo único do art. 596, em face da nova roupagem que lhe deu a citada lei.

Se o Tribunal do Júri desclassificar a infração para outra que seja da alçada do Juiz singular, ao Presidente do Tribunal do Júri caberá proferir a decisão, logo em seguida à manifestação do Conselho de Sentença.


2.5 UMA ANÁLISE DO PROCESSO NO TRIBUNAL DO JÚRI

O Código de Processo Penal, instituído em 1941, inspirado no Código Rocco, de caráter manifestamente autoritário, deve ser analisado sob a ótica trazida pelas transformações democráticas implementadas pela Constituição de 1988.

Entretanto, o nosso judiciário, ainda refém de uma visão autômata da aplicação da lei, o vem aplicando de forma absoluta, desconsiderando a possibilidade de não recepção de suas normas pela Constituição de 1988, em razão dos novos princípios e garantias por ela trazidas, nem mesmo a necessidade de adequação para uma interpretação conforme os princípios e dispositivos constitucionais.

O direito processual, sob uma ótica moderna, estabelecida pelos novos princípios e garantias, deve ser observado não mais como um mero mecanismo de estabelecimento de procedimentos, mas como um mecanismo de garantia do indivíduo em relação ao Estado. Com efeito, podemos dizer que o direito processual, sob a ótica democrática moderna, deve ser entendido como mecanismo de busca pela verdade possível, limitado àquelas garantias primordiais do indivíduo, base de organização daquilo pretendido pelo constituinte e pela sociedade por ele representada.

Dessa premissa, partimos para uma análise do procedimento processual relativo ao Tribunal do Júri.

O entendimento já defendido por muitos juristas, entendendo o Direito Penal como um limite ao poder punitivo do Estado, deve ser observado também ao Direito Processual Penal, sobretudo no Brasil, após nossa Constituição democrática.

Assim, do mesmo modo que se tenha o Direito Penal como garantia ao acusado, limitando o poder do Estado, o Direito Processual deve ser um mecanismo a limitar o poder de atuação processual do Estado em desfavor do acusado, impedindo os abusos freqüentes nos Estados autoritários, contra o indivíduo. Essa é a principal diferença trazida pela Constituição de 1988, em relação ao espírito do nosso código processual penal, de viés autoritário e totalitário.

Tal espírito autoritário é facilmente notado da leitura do artigo 408, do Código de Processo Penal que, em seu parágrafo primeiro nos diz:

“§1º Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomendá-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para sua captura.”

Vemos clara a determinação do dispositivo que presume o réu estar preso, ou determina imediatamente sua prisão, de forma bastante clara, numa evidente demonstração de presunção de culpa, já no momento da pronúncia.

Ainda que o parágrafo seguinte nos traga a possibilidade de liberdade, estabelece apenas uma faculdade ao juiz, ainda com critérios limitadores a tal faculdade, conforme se vê de forma clara de sua leitura:

“§2º Se o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revogá-la, caso já se encontre preso.”

Não é necessário muito esforço para perceber que tal conteúdo programático de tal dispositivo, representativo de todo o Código, sobretudo, no que se refere ao Tribunal do Júri, contraria frontalmente o princípio da presunção de inocência.

Entretanto, apesar da supremacia formal da norma constitucional sobre os códigos, não é o que se verifica na área penal, máxime, no que se refere à instituição do Júri.

Observamos no caso, uma tendência estranha ao sistema de hierarquia das normas, que leva a Constituição a ser interpretada a partir do Código de Processo Penal, ignorando, por exemplo, todo o ordenamento jurídico vigente e mesmo assim, contraditório em si.

Exemplo claro é a interpretação trazida por inúmeros juristas, no objetivo de permitir uma aplicação mais elástica em alguns casos, mais restrita em outros, sempre segundo as conveniências, aplicado à prática cotidiana do judiciário brasileiro.

Por exemplo, Mirabete afirma que “Por força da Constituição Federal, os crimes dolosos contra a vida são sempre de competência do Tribunal do Júri” e que “Trata-se, porém, de competência mínima, nada impedindo que a lei ordinária lhe atribua competência para o processo de julgamento de outros crimes previstos na lei penal comum ou especial” (MIRABETE, 1999, p. 148).

Entretanto, não nos explicam, quaisquer dos defensores de tal tese, qual o critério pelo qual se tem o dispositivo constitucional referente, como meramente exemplificativo.

Da mesma forma, não se explica como se adota o critério para determinar que, ao mesmo tempo em que o constituinte definiu as competências mínimas do Tribunal do Júri, a fim de impedir o legislador ordinário de esvaziá-lo de competências, pode-se dizer que é a lei ordinária definirá, por critérios próprios, o conceito de crime contra a vida, como ocorre para fundamentar a exclusão de crimes como o latrocínio da competência de julgamento pelo Tribunal do Júri.

Vemos aí que o único critério adotado é o da supremacia interpretativa do código sobre a Constituição, invertendo os valores e princípios da ordem democrática, ainda mais, numa clara opção de caráter sócio-econômico, no exemplo citado.

Lembre-se que o Tribunal do Júri é, em sua concepção constitucional, uma garantia do indivíduo, uma defesa dada ao réu, diferente daquele caráter arbitrário dos tempos ditatoriais. E sob essa ótica é que se dá a exclusão de certos crimes tipicamente cometidos por representantes das camadas sociais mais baixas, da apreciação do Júri Popular, negando-lhes tal direito.

E daí que essa interpretação tortuosa e suprema do Código de Processo Penal, mesmo em relação à Constituição, nos leva àquela condição de manutenção na nova ordem jurídica dos velhos fantasmas jurídicos de tempos autoritários.

Assim, vemos a manutenção, apesar dos novos conceitos de ampla defesa e presunção da inocência, de mitos, como o da verdade real, principalmente no tribunal popular, a instrumentalizar o sistema acusatório com os mais terríveis resquícios do sistema inquisitório.
Notamos que, ainda hoje, em certos tipos de crimes, o réu continua a ser tratado como objeto do processo, não como sujeito de direitos, recoberto de garantias individuais.

Na mesma linha, mais uma vez presumindo a culpabilidade do acusado, temos a manutenção de princípio jurídico já excluído pelo princípio da presunção de inocência, mas mantido de forma clara e objetiva pelo nosso sistema processual penal, o in dubio pro societate.

Assim, o princípio da presunção de culpabilidade em todo o rito processual, é elemento de extrema agressão ao nosso sistema democrático, atacando previamente o indivíduo sem que ele possa estabelecer de forma ampla o contraditório.

Lembremos do aspecto da prisão em decorrência da pronúncia, similar à prisão cautelar, mas quase que obrigatória pela lei processual, funcionando, em verdade, “como fator de antecipação da pena, violando o princípio declarado de presunção de inocência, bem como aplicando um método de seleção do socialmente punível, não declarado formalmente.” (ANDRADE, MONGELÓS e VERSETTI, 2006).

E nesse ponto, temos elemento constitucional a mais sendo ferido, em razão de disparidade de capacidade de reação contra a manifesta ilegalidade, em razão da capacidade econômica do atingido[16], o que nos leva a colocar os aspectos sociais em pauta na questão.

Observamos que a aplicação máxima de tal princípio de presunção de culpabilidade se dá no que se refere às exigências acerca do convencimento do juízo de admissibilidade que, por presumivelmente o réu culpado, na dúvida, opta-se pela pronúncia.

Ainda que mero juízo de admissibilidade, a pronúncia infere duro golpe ao acusado, pois será exposto publicamente, tendo desnudado diversos fatores de sua intimidade, além de estar sujeito ao julgamento por seu estereótipo ou comportamento, não pelos atos, de forma mais profunda, visto que o julgamento social não se encerra com a sentença transitada em julgado.

A incerteza, é necessário frisar, é “incompatível com decisão dessa magnitude, que lança o acusado” (...) “para ser julgado diante das sete feras – os jurados -, os quais julgam por convicção íntima, não precisando, como os juízes togados, motivar suas decisões.” (SCHIMITT, 2007, p. 459).

Outro elemento que merece destaque, por seu caráter de ilegalidade manifesta, ainda utilizado, como sempre, em desfavor do réu, é o reexame necessário, figura típica de um sistema inquisitorial, onde o juiz assume não só o papel de julgador, mas também o de acusador, sendo capaz, no reexame necessário, de recorrer da própria decisão, quando em favor do réu.

Tal elemento que vem a usurpar do Ministério Público aquela função que a Constituição Federal reserva-lhe de forma privativa, por obvio, não poderia perdurar no atual regime constitucional. Mas perdura, por insistência de operadores, agindo de forma autômata na aplicação de códigos, pouco dando atenção aos princípios sociais trazidos pela norma constitucional.


2.6 OS CRIMES DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI E UMA ANÁLISE CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal define a vida, em seu art. 5º, caput, como direito inviolável, inalienável, indisponível, “O direito à vida é inato; quem nasce com vida, tem direito a ela” (ROBERTO, apud, MIRANDA), acima de quaisquer outros direitos de personalidade, inclusive “o direito de personalidade à integridade física cede ao direito de personalidade à vida e à integridade psíquica” (ROBERTO, apud, MIRANDA).

É o direito à vida um direito público e indisponível, como se à sociedade pertencesse, não ao indivíduo. Daí, que podemos compreender a instituição do Júri, na forma que lhe é dada pelo texto constitucional em seu art. 5º, XXXVIII, que cabe ao Júri o julgamento dos crimes contra o bem jurídico mais importante da sociedade, não do indivíduo. Podemos compreender, então, que além de ser o Júri uma garantia ao acusado, de poder ter sua conduta julgada por seus “iguais”, é o Júri a representação da sociedade julgando um crime contra si mesma.

Entretanto, tal opção não se estabelece por absoluto, visto que observamos que as opções do constituinte, conflitantes com alguns elementos definidos pelas estruturas reais de poder vigentes na sociedade[17], não possuem aplicação real na vida prática.

Não à toa, “as palavras do Dr. Plínio de Arruda Sampaio na 6ª Reunião Ordinária da Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público, Comissão de organização dos Poderes e Sistema de Governo da Assembléia Nacional Constituinte, em 27.4.1987: “Uma pessoa chegou a me sugerir que houvesse uma lei assim: Artigo tal: “Todos os artigos desta Constituição têm que ser cumpridos”” (VIEIRA, 1998, citando Dissertação de Mestrado – Itiberê de Oliveira Rodrigues. CPG-Mestrado em Direito-UFRGS).

Assim, devemos analisar a real aplicação das atribuições constitucionais e infraconstitucionais dadas ao Tribunal do Júri.

O art. 74, §1º, do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941), estabelece como competências do Tribunal do Júri os art´s. 121, §§1º e 2º, homicídio simples; 122, parágrafo único, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; 123, infanticídio; 124, aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento; 125, aborto provocado por terceiro sem consentimento; 126, aborto provocado por terceiro com consentimento; 127, formas qualificadas de aborto.

Nesse ponto, podemos observar a ocorrência de flagrante inconstitucionalidade, portanto, podendo-se dizer que parte não foi recepcionada pela Constituição de 1988, bem como, elementos cuja constitucionalidade é flagrantemente duvidosa.

2.6.1 O CRIME DE INFANTICÍDIO E O TRIBUNAL DO JÚRI SOB ÓTICA CONSTITUCIONAL

Caso em que observamos tal incoerência da interpretação doutrinária e jurisprudencial acerca da recepção de atribuições de competências ao Tribunal do Júri pela Constituição de 1998, é o crime de infanticídio, descrito no art. 123, do Código Penal.

É importante frisar que o próprio tipo já causa estranheza na ordem jurídica, visto que se trata de crime que, para sua caracterização, exige a influência do estado puerperal, estado de consciência alterada sobre o qual:

“Os especialistas em mulheres acreditam que em decorrência das dores físicas do nascimento da criança e, em alguns casos, devido ao abandono do namorado ou marido, a mulher, logo depois do parto, entrava em um estado de loucura chegando mesmo a uma psicose que poderia desencadear no abandono ou na morte da criança, caracterizando assim a prática do infanticídio.”. Assim, “a infanticida, segundo o discurso médico, elimina a vida do filho depois do parto influenciada por um estado de psicose ou loucura momentânea que poderia ser resultado das dores físicas do parto, aliado à perturbação moral e ao desamparo emocional. Assim, a infanticida não planeja a morte da criança, mas acaba agindo desta maneira por estar doente e perturbada mentalmente” (VÁZQUEZ, 2005).

Então temos um tipo penal que se caracteriza exatamente pela presença obrigatória de elemento excludente de culpabilidade, pela presença de inimputabilidade, ainda que parcial, nos termos do artigo 26 e parágrafo, do mesmo Código Penal.

Porém, aqui não é nosso objetivo analisar a culpabilidade ou punibilidade do delito, apenas analisar a constitucionalidade da atribuição de competência do julgamento do mesmo pelo Tribunal do Júri.

Assim, temos que a medicina aponta a inexistência de discernimento da infanticida, excluindo, em aspectos médicos, a possibilidade de existência do dolo, o que, juridicamente, é confirmado pelo supracitado artigo 26 de tal código.

Tentemos esclarecer tal fator de forma mais objetiva: o infanticídio exige a presença desse estado psicológico alterado, dito estado puerperal no Código Penal, também chamado de loucura puerperal em meios médicos. O estado puerperal ou loucura puerperal não pode ser confundido com o puerpério, condição normal da mulher no período pouco anterior até cerca de 10 meses após o parto. O estado puerperal é um transtorno psíquico e “Este estado melancólico poderia levar a perda total ou parcial dos sentidos e desencadear a loucura puerperal. Esta seria a condição para ser caracterizado juridicamente o infanticídio. Somente a loucura explicaria o crime e a pena menor, se comparado com o homicídio.“ (VÁZQUEZ, 2005).

Trata-se, portanto, de uma enfermidade mental temporária que retira da mulher, total ou parcialmente, a sua capacidade de discernimento. E isso é tratado pelo próprio Código Penal, como já vimos, estabelecendo o conceito de inimputabilidade, em seu artigo 26 e, por conseqüência, o conceito de imputabilidade que

“’(...) é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível. Constitui, como sabemos, um dos elementos da culpabilidade’ (Aníbal Bruno, Direito Penal – Parte Geral, t. II, p. 39). Ou, como ensina Odin Americano: ‘É a roda mestra do mecanismo da culpabilidade, pois toda a força animada ou inanimada, alheia ao bem ou ao mal, não poderá responder pelo evento que causou por não ser causa consciente e livre’ (Da culpabilidade normativa, p. 330).” (NUCCI, 2007, p. 259).

É necessário, ainda, entender que a imputabilidade penal, que é a condição pessoal de o agente compreender o que fez, sendo que

“(...) para ter condições pessoais de compreender o que fez, o agente necessita de dois elementos: I) higidez biopsiquica (saúde mental + capacidade de apreciar a criminalidade do fato); II) maturidade (desenvolvimento físico-mental que permite ao ser humano estabelecer relações sociais bem adaptadas, ter capacidade para realizar-se distante da figura dos pais, conseguir estruturar as próprias idéias e possuir segurança emotiva, além do equilíbrio no campo sexual)”. (NUCCI, 2007, p. 260)

Portanto, temos que o próprio tipo é contraditório em si, visto que ele traz à conduta adequada a ele, a própria excludente de culpabilidade, sendo estranha sua presença. Observe-se que, em sendo fiel à busca da verdade real, a simples verificação da adequação da conduta ao tipo, depende da existência de laudo pericial.

Dessa forma, temos por estranho que se dê como atribuição ao Júri Popular, num contexto constitucional que exige a livre consciência da ilicitude da conduta e a vontade de praticá-la, um crime cuja existência depende da ausência da livre consciência e da vontade de praticá-la.

Ainda que se pense no critério de mero juízo de admissibilidade na primeira parte do processo crime dos tipos de competência do Tribunal do Júri, deve-se pensar se é a intenção da sociedade, o objetivo da instituição do Júri e intenção do constituinte e do legislador, que se ponha a cargo do Júri, de leigos, a apreciação de questões meramente técnicas e de alta complexidade, definidas, em verdade, por questões meramente periciais.

Vejamos a contradição inerente a tal situação: se é o infanticídio crime de competência do Tribunal do Júri, depende, para a pronúncia por tal, o laudo pericial indicando a incidência do estado ou loucura puerperal. Portanto, existindo a verificação da existência de tal, exclui-se o dolo, impedindo, portanto, a apreciação do delito pelo Tribunal do Júri, em razão de suas atribuições constitucionais.

Por outro lado, tendo-se em conta o critério de mero juízo de admissibilidade, em seu conceito mais superficial, não se preocupando em verificar a existência do estado puerperal, incorre-se em duas possibilidades de erro: 1) verifica-se, durante o julgamento no Tribunal do Júri a presença do estado ou loucura puerperal. Mesmo que o Júri dê o veredicto pela condenação, a mesma não poderá ser tida por válida, visto a presença de excludente de culpabilidade. Portanto, está o Júri amarrado, sem possibilidade de liberdade de julgamento, ou com a soberania do veredicto condenada. 2) verifica-se a inexistência do estado puerperal, inexistindo, portanto, a excludente de culpabilidade. Dessa forma, em verdade, inexiste o crime de infanticídio, sendo que o crime praticado é de maior gravidade, pois se trata do tipo descrito no art. 121, do Código Penal. Dessa forma, deveria a acusada responder pelo crime efetivamente praticado, de maior gravidade, maior reprovabilidade, maior pena.

Dessa forma, não entendemos como recepcionada tal competência de julgamento ao Tribunal do Júri pela Constituição de 1988.


2.6.2 O ABORTO E O TRIBUNAL DO JÚRI SOB ENFOQUE CONSTITUCIONAL E CIENTÍFICO

O artigo 74, §1º, do Código de Processo Penal, traz como competência do Tribunal do Júri o julgamento dos crimes de aborto e relacionados.

Entretanto, é necessário analisar-se tal competência sob aspectos constitucionais e científicos, tendo-se o estabelecimento do Estado laico, instituído de forma clara e objetiva pela Constituição de 1988.

O Código Penal não nos traz nenhum critério acerca do início da vida, não estabelecendo critério algum acerca do tema. Portanto, para analisar a correção sobre a atribuição do julgamento do crime de aborto ao Tribunal do Júri, como um crime contra a vida, deve ser analisado a partir de outros elementos jurídicos e científicos.

O Código Civil, em seu artigo 2º traz como critério de início da personalidade o nascimento com vida, o que é tratado pelos civilistas como a ocorrência da primeira respiração, portanto, tendo-se o início da vida com a primeira respiração extra-uterina, ainda que se protejam os direitos do nascituro, sob uma ótica de expectativa de direito, a confirmar-se com o nascimento com vida. Fosse outro o entendimento, alterar-se-ia todo o foco do direito civil, sobretudo, as questões relativas à herança.

Trazendo para o Direito Penal tal enfoque civilista de forma simples, temos que o aborto, de forma alguma, pode ser tido como um crime contra a vida, pois o feto ainda não adquiriu tal status jurídico em aspectos civis.

Entretanto, a doutrina penal, majoritariamente tem trazido outra concepção, corroborada por parte da interpretação constitucional sobre o início da vida, baseada, em grande parte, numa concepção moral de origem religiosa cristã, ainda que em Estado laico, com forte influência religiosa sobre toda a sociedade.

É entendimento de constitucionalistas, sobretudo aqueles vinculados às Universidades Católicas, que “A vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto” (BULOS, 2003, p. 111). Porém, tal entendimento merece uma análise mais apurada, enfocada em aspectos bioéticos e jurídicos, sob toda a ordem jurídica conglobada.

Observemos que esse entendimento sobre o início da vida não é unânime, existindo o entendimento de que “O direito à vida é inato; quem nasce com vida, tem direito a ela” (ROBERTO, apud, MIRANDA), acima de quaisquer outros direitos de personalidade, inclusive “o direito de personalidade à integridade física cede ao direito de personalidade à vida e à integridade psíquica” (ROBERTO, apud, MIRANDA).

Portanto, temos que a vida iniciar-se-ia com o nascimento com vida, sendo direito indisponível daquele que nasce com vida, um direito da personalidade que, como traz o Código Civil, inicia-se com o nascimento com vida.

Tal divergência interpretativa decorre do fato de o constituinte não deixar clara a sua opção de concepção acerca do tema, muito provavelmente, para escapar às pressões sociais de ordem moral e religiosa que poderiam influenciar nas discussões e decisões, num momento político em que o que menos se pretendia eram cisões sociais, num processo de retorno, ainda frágil, à democracia.

Entretanto, a opção por um Estado laico nos traz uma opção bastante clara de que os critérios a serem adotados para a interpretação constitucional são aqueles científicos, racionais, advindos das realidades socialmente postas.

Assim, sob critérios puramente jurídicos e científicos, não vemos possibilidade de aceitação da tese de início da vida, sob ótica legal, no ato da fecundação, sob pena de declaração de inconstitucionalidade de toda a legislação, portarias, decretos e demais, que tratam da contracepção, contracepção de emergência e demais questões relacionadas.

Observemos o que nos traz a lei 9.623/1996, que vem regulamentar o artigo 126, §7º, da Constituição Federal, em seu artigo 9º:

“Art 9º - Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção. Parágrafo único - A prescrição a que se refere o caput só poderá ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre os seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia.”

Portanto, mais do que a interpretação constitucional que cria conceitos aos quais não se referiu o constituinte, a legislação referente autoriza todos, sem exceção, métodos de contracepção cientificamente aceitos.

A partir desse elemento jurídico positivado, devemos observar o funcionamento dos métodos contraceptivos utilizados e aceitos por nossa legislação, contra os quais não se argüi inconstitucionalidade ou qualquer vedação legal.

O mais evidente de todos, é a chamada “pílula do dia seguinte”, cuja ação ocorre após a fecundação do óvulo, portanto, sobre o ovo ou zigoto, impedindo sua fixação na parede uterina, forçando sua eliminação.

Igualmente, o Dispositivo Intra Uterino (DIU) constitui um método contraceptivo amplamente difundido entre as mulheres, devendo-se considerar que seu modo de ação assemelha-se, em parte, com a “pílula do dia seguinte”, atuando também de forma a impedir a nidação do óvulo fecundado no útero da mulher.

Desta forma, constata-se que estes mecanismos de contracepção, a adotar-se a mesmo parâmetro de início da vida que leva juristas a considerarem o aborto como crime contra a vida, constituem formas de crime contra a vida, devendo, pelo mesmo raciocínio, ser levado à Júri Popular, todas as mulheres que usam ou já usaram tais métodos contraceptivos, todos os médicos que os receitaram, todos os diretores e responsáveis técnicos das indústrias que os produzem, todos aqueles que participam da cadeia de comercialização dos mesmos.

Ainda, temos que a se considerar como o início da vida o momento da fecundação, apenas para aspectos jurídicos, temos que já ocorreu a descriminalização do aborto, em grande parte dos casos, pois que existem dispositivos legais que incentivam ou fomentam estas práticas contraceptivas já demonstradas como abortivas pelo mesmo conceito de início da vida, visto a ausência de tipicidade penal da conduta.

Como já foi dito, um desses dispositivos seria a própria Constituição Federal no seu artigo 126, §7, regulamentado pela Lei n°9.623/1996, art. 9°; também, a Lei n°11.340, de 7 de agosto de 2.006, que incentiva, no seu art. 9°, a utilização dos serviços de contracepção de emergência, em caso de assistência `mulher em situação de violência doméstica e familiar.


2.7 A FLEXIBILIDADE INTERPRETATIVA DAS COMPETENCIAS CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DO JÚRI

Conforme já demonstramos em tópicos anteriores, nosso sistema jurídico atribui ao Tribunal do Júri a competência para julgamento de crimes que não cumprer a exigência de o serem dolosos contra a vida, ao mesmo tempo em que exclui de sua competência a apreciação de crimes que atentam dolosamente contra a vida, por questões diversas.

Tal realidade tem como suporte uma flexibilidade interpretativa doutrinária que se contradiz, em grande parte dos casos, bem como, sobreposição interpretativa de matéria ordinária à constitucional.

Vejamos o que diz Bulos, em sua Constituição Federal Anotada:

“Óbvio que os crimes dolosos contra a vida são de alçada mínima do júri, mas a competência para o julgamento desses delitos não se resume a esse enunciado constitucional, porque a previsão aí é exemplificativa, jamais taxativa. Assim, outras infrações, com características diferentes dos crimes dolosos contra a vida, devem ser submetidas à instituição, nos termos da lei ordinária.” (BULOS, 2003, p. 246)

Ainda, dando continuidade à interpretação justificante da prática verificada em nosso sistema judiciário, afirma que:

“Conforme preceitua o art. 74, §1º, do Código de Processo Penal, compete ao tribunal do júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados. ‘Não se incluem, portanto, os crimes em que haja morte da vítima, ainda que causada dolosamente, se não são classificados na lei como crimes dolosos contra a vida, como é a hipótese, por exemplo, do latrocínio. Nesse sentido: RT 585/409’ (Julio Fabbrini Mirabete, Processo penal, 2 ed., São Paulo, Atlas, 1993, p. 462).” (BULOS, 2003, p. 246)

Pois bem, necessária uma análise do dispositivo constitucional que atribui as competências do Tribunal do Júri. As alíneas de tal inciso asseguram à plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Numa análise interpretativa, não verificamos elemento indicativo de um critério exemplificativo de nenhuma das alíneas do referido dispositivo, pelo contrário, verificamos um caráter taxativo, determinante de tais disposições.

Observemos que não há a uma elasticidade interpretativa de nenhuma das demais disposições, pelo contrário, todas possuem um caráter determinante, inclusive, aquela que determina a soberania dos veredictos, que só sofre alguma flexibilização pela aplicação dos princípios do devido processo legal, vez que mesmo quanto ao princípio do duplo grau de jurisdição, o mesmo só implica em influência real sobre o veredicto quando este implica em julgamento manifestamente contrário às provas dos autos.

Dessa forma, não havendo qualquer referência a caráter exemplificativo da alínea “d” de tal dispositivo, não existe explicação lógica para a interpretação do mesmo como exemplificativo, exceto, é claro, o desejo do intérprete que assim o pretende.

Observe-se, ainda, que o constituinte, quanto a suas intenções meramente exemplificativas, estabeleceu uma forma bastante clara, conforme podemos observar nos artigos 7º, caput, I; 105, parágrafo único, I; 5º, XXIX; 14, §9º; dentre outros.

Assim, tal interpretação elástica nada mais nos parece, do que uma forma de manter atribuições, pretéritas ao advento da Constituição de 1988, ao Tribunal do Júri.

Note-se que o sentido interpretativo adotado, mormente, quando se diz, como já citado, referindo-se às atribuições do Tribunal do Júri dadas pelo Código de Processo Penal em seu artigo 74, §1º, que “”Não se incluem, portanto, os crimes em que haja morte da vítima, ainda que causada dolosamente, se não são classificados como crimes dolosos contra a vida, como é a hipótese, por exemplo, do latrocínio.”” (BULOS, apud, MIRABETE), parece querer submeter a Constituição Federal à um Decreto-Lei, de origem ditatorial, pretérito.

Nós, ao contrário dessa interpretação em que o Código de Processo Penal, de 1941, confere validade ou parâmetros interpretativos à Constituição, preferimos defender e acreditar que é a Constituição Federal que confere legitimidade e validade às demais normas que, quando pretéritas, por ela são recepcionadas, integralmente ou parcialmente, ou não, dependendo disso a sua validade.

É necessário estabelecer claros critérios para a atribuição de competências do Tribunal do Júri, conforme a Constituição, sobretudo, buscando a correta aplicação da intenção do constituinte que inseriu tal dispositivo dentre aqueles das Garantias Fundamentais, mais precisamente, dos direitos e deveres individuais e coletivos.

Parece-nos evidente que a instituição do júri é uma garantia ao cidadão, ao acusado. O direito de ser julgado por seus iguais, tendo sua conduta analisada a partir dos valores socialmente aceitos.
No entanto, é oposta a sensação que se tem ao verificar que o rumo adotado pela prática jurisdicional é diverso desse objetivo, tacitamente encontrado no dispositivo constitucional, tanto por sua localização no texto constitucional, quanto por suas razões de existir.

Observe-se que ao atribuir ao júri a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, parece-nos que o constituinte fez a opção por delegar à instituição mais democrática de nossa sociedade a competência para julgamento dos atentados contra o bem jurídico mais valioso da sociedade. Referimo-nos a bem mais valioso da sociedade, pois que, ao verificar a disposição do legislador infraconstitucional, percebemos como eleição deste, como mais valioso bem jurídico do indivíduo, o patrimônio, tanto pela quantidade de tipos penais à ele relativo, quanto pela característica de graduação da pena, inclusive, tendo que o latrocínio, onde ataca-se o patrimônio e a vida, o legislador elegeu o patrimônio como bem jurídico central do tipo.

Em nossa compreensão acerca do dispositivo, entendemos que o objeto eleito pelo constituinte como atribuição do Júri Popular, é a vida, em seu sentido específico, explicitado pela mesma tendência pelo Código Civil, ou seja, abandonando as considerações morais de origem religiosa acerca do tema.

Assim, todo e qualquer atentado, dolosamente praticado, contra a vida, tem que ser objeto do julgamento popular, estabelecendo um mecanismo de julgamento e exculpação operado pela própria sociedade.

Porém, não é nesse sentido a interpretação dominante que, ao mesmo tempo, busca incluir no rol de atribuições do Tribunal do Júri, crimes que só são justificáveis como sendo contra a vida por viés religioso e excluem de suas atribuições outros que tem como principal bem jurídico lesionado a vida.

Podemos, no entanto, estabelecer um critério bastante lógico pelo qual essa dupla interpretação ocorre.

Note-se que os crimes artificialmente incluídos por tal elástica interpretação, são exatamente aqueles cuja natureza sofre maior reprovação social e necessitam de uma análise técnica mais apurada, impossível ao Júri Popular.

Ao mesmo tempo, temos que crimes cujo bem jurídico mais valioso atingido é a vida, em que a análise da conduta é meramente social, cujo centro de análise é socialmente estabelecido, é retirado da competência do Júri.

Verificamos tal processo, sobretudo, ao fazermos a confrontação entre o infanticídio e o latrocínio. Observe-se que o infanticídio é crime cujo próprio tipo exclui, e, regra, a existência do dolo, ou seja, mesmo que exista consciência parcial, o dolo não pode ser verificado em sua plenitude. Porém, verificamos que tal crime recebe um grau de reprovação social extremamente marcante, sobremaneira, por critérios de origem moral e religiosa.

Ao mesmo tempo, temos que o latrocínio, cujo principal bem jurídico atingido é a vida, onde os valores sociais são suficientes para o correto julgamento, tem sua competência excetuada do Tribunal do Júri. É importante frisar que determinadas condutas que culminam em latrocínio, por questões de uma certa “moral social”, como se tal existisse, é de menor reprovabilidade, pois que, em determinadas condições é socialmente menos combatida a agressão ao patrimônio, caso indispensável ou necessário.

Por exemplo, num caso em que um sujeito comete o delito objetivando a satisfação de necessidades alimentares de sua prole, ocorrendo situação de reação em que a vítima põe em risco os seus, caso o autor do delito intente contra a vida da vítima, tal fator de necessidade, via de regra, por razões da própria moral religiosa e conceitos cristãos de proteção à família, é mais facilmente aceito por um organismo cujo julgamento é emocional e social, do que por um julgamento técnico, levado a cabo por um juiz singular.

Assim, temos que um tema cujo julgamento popular, em muitos casos, pode beneficiar o réu, crime típico do pobre, é retirado da competência do Júri Popular, sem qualquer fundamentação concreta, ficando a cargo do juiz singular que, como já exaustivamente tratado pela criminologia crítica, já citado em nossa introdução, vem a punir, prioritariamente, o pobre.

Em contrapartida, o crime de infanticídio, de alto nível de reprovabilidade social, sobretudo, num país majoritariamente cristão em sua formação cultural e moral, tem competência atribuída ao júri, mesmo com o próprio tipo excluindo uma das premissas de atribuição de competência ao Júri, qual seja, o dolo.

Tal atribuição nos leva a uma situação de condenação prévia, independente das provas e elementos trazidos ao processo, onde o julgamento torna-se meramente moral, sem ter-se em conta os aspectos técnicos, psicológicos e biológicos, que são a essência do tipo.

Por obvio, tal situação torna a sentença proferida pelo Júri nula, ao menos quando operada a defesa por competente e interessado defensor, vez que a sentença torna-se manifestamente contrária à prova dos autos. Porém, a defesa realmente atuante, como se sabe, é privativa daqueles com capacidade econômica para arcar com o seu elevado custo, inviável às camadas economicamente menos favorecidas.

Não é necessário um grande esforço mental para se perceber que, em defesas patrocinadas por defensor público, até por uma questão da sobre carga de trabalho em nossas defensorias ainda precariamente estabelecidas, uma maior intensidade na atuação do defensor na defesa dos interesses do acusado, torna-se inviável, quase impossível, ao menos no curto prazo.

Portanto, temos que a situação é de um verdadeiro padrão de divisão de tratamentos por classe social, visível apenas por meio de uma análise do conjunto, sob critérios sociológicos da observação das questões sócio-jurídicas, inclusive, por liberar a valoração a partir dos preconceitos sociais, visto a inexistência de debates, ou mesmo da desnecessidade de fundamentação das decisões proferidas, todas resguardadas pelo absoluto sigilo das votações.

Nos parece nítido, nesse aspecto, a aplicação dos conceitos de superestrutura e infraestrutura desenvolvidos por Marx, bem como, seu conceito de Estado, como um mero comitê de defesa de interesses economicamente dominantes.

E sobre isso, parece imperioso o resgate dos conceitos jurídicos e sociais, oficialmente estabelecidos, para a aplicação prática do Direito, em bases puramente científicas, trazidas pela bioética, psicologia, psiquiatria, medicina e sociologia.


2.8 A ORGANIZAÇÃO DO PLENÁRIO DO TRIBUNAL DO JÚRI E SEUS ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

Ao estabelecer, a Constituição de 1988, o direito à ampla defesa como princípio, ainda mais o ressaltando como resguardado nos casos de competência do Tribunal do Júri, parece-nos que foi intenção do constituinte estabelecer uma condição de igualdade formal e material, ou talvez até, uma condição de superioridade formal e material, ao réu.

Entretanto, os resquícios autoritários e totalitários de nosso Código de Processo Penal, inspirado no fascista Código Rocco, da Itália de Mussolini, ainda persistem, mesmo sob a nova ordem constitucional, sobrepondo-se à mesma, como espécie de dogma de fé dos operadores desse ramo do Direito.

Inúmeras são as questões que apontam nesse sentido, inclusive, questões como o reexame necessário, resquício de um sistema inquisitório, sobrepondo-se ao sistema acusatório instituído por nossa Constituição Federal, levando, inclusive, a interpretação estranha de grande parte dos doutrinadores a tratar o nosso sistema como se fosse misto, contrariamente às disposições constitucionais que dividiram claramente as atribuições jurisdicionais.

Mas aspecto que chama a atenção são os resquícios inquisitórios da organização do plenário do Tribunal do Júri, de forma a causar impressão de unidade e entre acusador e presidente do Júri, superioridade da acusação sobre a defesa e prévia condenação do réu.

A posição do Ministério Público em plenário, por si só, já é elemento a estabelecer a disparidade de equilíbrio de posições entre a acusação e a defesa. E tal disparidade de tratamento é, sem dúvida, elemento de desequilíbrio de forças em desfavor do réu.

Assim, por mais que pareça insignificante a disposição espacial da acusação e defesa dentro do plenário de julgamento, é preciso levar em conta os aspectos psicológicos causados por tal, vez que a mesma

“fere o princípio constitucional da isonomia na sua dimensão da paridade de armas porquanto a posição do órgão acusador no plano superior direito do plenário ao lado do juiz-pesidente em contraste com a posição do defensor do acusado que fica no plano inferior do plenário, o coloca numa situação de manifesta superioridade em relação à defesa”. (SCHIMITT, 2007, p. 464)

Assim, apesar de tal disparidade de tratamento não ser uma expressa manifestação de relação de superioridade e inferioridade, é evidente que, ao olhar do juiz leigo, o jurado, tal disparidade de posições denota tal relação de superioridade da acusação em relação da defesa, por padrões subjetivos da observação de tal condição.

Da mesma forma, a posição do órgão acusador em plano elevado, exatamente ao lado do juiz-presidente, que possui o status de autoridade máxima naquele plenário “pode subjetivamente aos olhos de juizes leigos conduzir ao entendimento de que ambos – Ministério Público e Juiz – compartilham dos mesmos objetivos” (SCHIMITT, 2007, p. 464), o que, igualmente, influencia os jurados a posturas claramente em desfavor do réu, mesmo porque suas decisões não dependem de qualquer motivação.

É usual, no entanto, o discurso acerca da imparcialidade do Ministério Público, a exemplo do Juiz, não sendo esse órgão acusador um mero instrumento de acusação, mas de promoção da justiça e defesa da sociedade.

Porém, não é esse discurso o fiel retrato da realidade pois que, fosse tal visão a mais pura expressão da realidade e no processo do Tribunal do Júri, ou mesmo em qualquer outro, não falaríamos no papel da acusação, sobretudo nas leis processuais, mas no papel do representante da sociedade. Igualmente, não se citaria no início das peças de instrução do processo, assinadas pelo Ministério Público, a expressão “na ação que move contra”, pois que não seria contra ninguém que se movimentaria tal órgão, mas em favor da sociedade.

Mas como não é essa a realidade encontrada em nossos tribunais, com raras exceções, trata-se de um processo com duas partes distintas e contrárias: acusação e defesa, devendo, em razão do princípio da ampla defesa, possuir paridade de armas.

Igualmente, o tratamento dispensado ao réu no plenário do Tribunal do Júri é altamente desfavorável ao mesmo, visto que sua colocação em “esdrúxula e discriminatória cadeira do réu” que “simboliza o princípio da culpabilidade, um dos pilares do Código de Processo Penal de 1941, de feição manifestamente autoritária, já que inspirado no fascista Código de Rocco” (SCHIMITT, 2007, p. 465), é condição de exposição do réu à prévia condenação, pois que, já entregue em posição de vulnerabilidade extrema e inferioridade a todos os demais.

Observamos que a condição imposta ao acusado, sobretudo quando apresentado algemado, é de caracterização de uma elevada periculosidade presumida, sendo um verdadeiro “crime” que algum dos jurados pense em inocentar o mesmo que, mesmo em local ladeado de segurança, expõe a sociedade a risco, a ponto de ser necessário mantê-lo algemado.

Mas, ainda que não algemado, a posição destinada ao réu no plenário de julgamento é, por si só, altamente humilhante, pois que “A figura do réu cabisbaixo, sentado numa cadeira no meio do plenário e ladeado por dois policiais, diante das sete feras, sem dúvidas, fere de morte os princípios constitucionais da plenitude da defesa e o da presunção da inocência” (SCHMITT, 2007, p. 465).

Não apenas pela condição de humilhação, a disposição espacial do plenário de julgamento, com o distanciamento físico entre o acusado e sua defesa, é elemento dificultante do trabalho do advogado, pois impedido da troca de informações com seu cliente, vital, como se sabe, em diversos momentos de qualquer tipo de instrução processual.

Assim, onde ainda utiliza-se de tal instrumento de estigmatização, está-se, em verdade, a proceder um mero processo de confirmação da condenação, evitado às vezes, por mero acaso ou esforço sobre humano da defesa, o que, sob o nosso sistema jurídico, é algo completamente condenável, sob qualquer ângulo de análise.


2.9 A VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI

É certo que o julgamento popular é uma garantia ao acusado, bem como, a possibilidade de a sociedade apontar o grau de reprovabilidade que imputa à conduta do mesmo.

Todavia, em razão de questões relativas à tortuosas interpretações de dispositivos legais e práticas organizacionais, em diversos momentos, o julgamento popular torna-se um verdadeiro mecanismo de agressão à Dignidade do acusado.

Tanto por aspectos de organização espacial do plenário de julgamento, como já demonstramos, como por atribuições competências indevidas de julgamento de crimes pelo Tribunal do Júri, vê-se, o acusado, despido de toda a sua Dignidade e intimidade.

Além desse fator, o princípio de publicidade dos atos judiciais, em certos momentos do julgamento popular, recebe contornos bastante diversos daquele intentado pelo constituinte que pretendeu a garantia, sob fiscalização da sociedade, de um julgamento justo.

Talvez por responsabilidade da falta de preparo do aparato estatal ao convívio com a sociedade da informação instantânea, talvez pela postura espetacular que os sistemas de informação adotaram em nossos tempos, com a mais absoluta inércia de nosso sistema judiciário que não se ocupa em acompanhar as transformações sociais de forma a garantir os direitos daqueles que se sentam no banco dos réus.

O fato é que o que se imaginou como uma garantia ao réu, estabelecendo o princípio da publicidade, transformou-se no espetáculo midiático, em que o réu é o alvo a ser perseguido, presumivelmente culpado, quase que na totalidade dos casos.

Desnecessário analisar as condições do julgamento procedido em ambiente extra-jurisdicional, por exemplo, num daqueles casos equivocadamente mantidos sob competência do Júri Popular, como o infanticídio, em que uma absolvição tardia, por questões técnicas, como a ausência de controle psíquico da ré, jamais a isentaria de culpa frente à sociedade.

Mas toda essa análise, feita a partir de hipóteses ou constatações de senso comum, sem o devido rigor científico que se adotou até aqui, é apenas exercício introdutório à análise acerca do impacto sobre a Dignidade do acusado.

É certo que a liberdade de imprensa e o direito à informação são dos mais importantes pilares do Estado Democrático de Direito.

Entretanto, não menos certo, é que a Dignidade da Pessoa Humana é o principal dos princípios constitucionais eleitos pela sociedade brasileira com a Constituição de 1988.

Todavia, nos parece que tal princípio cedeu lugar, ao invés de ser ponderado, àqueles outros dois, ligados à informação. Ou pior, cedeu lugar a uma deturpação daqueles. Isso, pois, os processos criminais, mormente, aqueles de competência, real ou não, do Tribunal do Júri foram transformados, tanto pelo órgão acusador, quanto pelos meios de comunicação, num verdadeiro espetáculo.

É necessário observar que

“acerca do paradigma de tratamento do acusado durante o transcorre do processo, merece uma reflexão a forma como são veiculadas pela imprensa as supostas práticas criminosas, não raramente de maneira leviana e sensacionalista, em franca testilha com a questão da privacidade daqueles que são submetidos à persecução penal, pois a Constituição, além de considerar o acusado inocente até o trânsito em julgado da decisão condenatória, também declara "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (FONSECA, 1999)

Dessa forma, os abusos cometidos, nos dias atuais, com grande colaboração do órgão ministerial e do aparato de segurança pública, numa visão distorcida de suas competências, em que se imaginam na missão de condenar a qualquer custo, é grave ataque à honra e à dignidade do acusado, inclusive, ferindo de morte as suas condições de saúde que, nos dizeres da Organização Mundial da Saúde, no preâmbulo de sua Constituição estabelece que “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.

Ocorre que com a atual interpretação acerca das competências do Tribunal do Júri, aliado à tendência verificada em todo o judiciário de considerar a pronúncia como algo menor, quase irrelevante, expõe, cada vez mais, o acusado ao julgamento público, não o popular, mas o midiático, onde não há direito à ampla defesa nem ao contraditório, nem mesmo existe compromisso real com a verdade, mas com a audiência ou vendagem.

Assim, exclui-se do rol de garantias do réu o direito à dignidade, permitindo-se o abalo à sua imagem e saúde, expondo-o a

“conseqüências sérias e indeléveis que podem ser causadas à honra e a imagem das pessoas através da veiculação de noticias, por empresas que muitas vezes agem motivadas pelos altos lucros propiciados, estigmatizando, freqüentemente a vida e a reputação das pessoas envolvidas.” em que “Na maioria das vezes, a reparação dos danos causados às pessoas envolvidas é praticamente impossível.” (FONSECA, 1999)

Portanto, é preciso repensar os aspectos relativos à dignidade do acusado, relativamente a todo o procedimento criminal, principalmente, aqueles de competência do Tribunal do Júri.

3 CONCLUSÃO

Observamos no presente estudo graves problemas de adaptação da lei processual ao ordenamento constitucional vigente, talvez pelo caráter autoritário e totalitário do Código de Processo Penal, manifestamente de inspiração fascista, contraposto ao caráter democrático da nossa chamada Constituição Cidadã.

Da mesma forma, observamos uma incapacidade, ou falta de vontade crônica daqueles autômatos do Direito que pouco ou nada preocupam-se com a compreensão e entendimento da realidade jurídica e social em que vivem e atuam, apenas reproduzindo de forma fácil e irracional aquilo que lhes é dado como certo.

Ocorre que o Direito, assim como a sociedade a que ele serve, para o bem ou para o mal (acreditamos na primeira hipótese), é algo dinâmico, em constante e permanente transformação, a atender as nascentes e crescentes necessidades e realidades socialmente postas.

Mas nos parece que a necessidade de interpretação do ordenamento jurídico como um todo, sob um olhar restrito à visão científica, mas ampliando-se ao amplo conceito de ciência, é algo ainda não usual, não praticado.

Não foi difícil observar que princípios básicos trazidos pela ordem constitucional democrática são diuturnamente atacados, contrariados e feridos de morte por uma prática de devoção aos códigos e inobservância da realidade social.

Inclusive não foi difícil observar um novo critério de hierarquia da ordem jurídica, estabelecendo a supremacia do código sobre a Constituição, colocando-o primeiro com o parâmetro interpretativo da segunda.

Ocorreu-nos que talvez seja necessário um novo padrão de linguagem jurídica no texto constitucional, ou um complemento didático e explicativo, deixando claro ao intérprete que os princípios elencados e as normas ditadas devem, sem sombra de dúvida, ser aplicadas e servir de base para a interpretação do demais, não o oposto.

Não à toa “as palavras do Dr. Plínio de Arruda Sampaio na 6ª Reunião Ordinária da Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público, Comissão de organização dos Poderes e Sistema de Governo da Assembléia Nacional Constituinte, em 27.4.1987: “Uma pessoa chegou a me sugerir que houvesse uma lei assim: Artigo tal: “Todos os artigos desta Constituição têm que ser cumpridos”” (VIEIRA, 1998, citando Dissertação de Mestrado – Itiberê de Oliveira Rodrigues. CPG-Mestrado em Direito-UFRGS), pois que parece haver um esforço extremo de alguns para que se aplique os dispositivos constitucionais apenas em desfavor do marginalizado, ao mesmo tempo em que os demais não envolvidos em tal esforço optam pela inércia absoluta, com exceções.

Diante desse quadro, trágico é verdade, entendemos por necessárias duas completas revisões, a primeira das mentes que interpretam o Direito, o que observamos acontecer em alguns momentos, a outra, da codificação processual criminal, mais alguns dispositivos penais.

Não nos parece crível, por exemplo, a existência de um tipo penal que traz em si critério de adequação que ao mesmo tempo é elemento redutor ou excludente de culpabilidade como é aquele descrito no artigo123 do Código Penal.

Ora, talvez na década de 1940 tal se justificasse, daí inclusive, atribuir-lhe pena mais branda que a do homicídio. Entretanto, nos dias atuais, com os modernos avanços da Psiquiatria e da Psicanálise, ainda persiste tal tipo que, na realidade atual, só se justificaria para aplicar a pena mesmo com a presença de excludente de culpabilidade, ou para reduzir ao máximo a pena mesmo com a mínima presença de elemento de redução de culpabilidade.

Igualmente, na ordem processual, nos parece necessária uma adequação perfeita da norma ao espírito democrático e constitucional, dando ao júri popular um caráter de garantia ao indivíduo, ao acusado, o direito de ser julgado por seus iguais quando tal conduta é de uma análise social e fática, muito mais do que técnica. Nesse sentido, é necessário restringir-se à atribuição do júri aquilo constitucionalmente definido, ou seja, os crimes dolosos contra a vida, excluindo-se de sua competência os resquícios do caráter autoritário da cópia latino-americana, do fascista Código de Rocco, de Mussolini.

Nesse sentido, é necessário excluir-se o aborto e correlatos, pois lá só permanecem ainda por interpretações tortuosas, oriundas do pensamento religioso e intolerante, trazidas pela Encíclica Humanae Vitae, que veio a ser um grande retrocesso aqueles avanços que foram das poucas coisas boas trazidas pela religião ao mundo jurídico, influenciadas pelo Concílio Vaticano II. Ora, se entendermos como correta a ruptura do Estado laico e adoção de concepções meramente religiosas para fundamentar as normas jurídicas, que trate-se por homicídio o atentado contra o cadáver, pois nele, em termos religiosos, ainda há vida.

Temos também por absurda a exclusão de apreciação pelo Tribunal Popular de outros crimes em que o bem jurídico, em nossa opinião, mais valioso, atacado é a vida, como ocorre, por exemplo, no latrocínio, estupro seguido de morte e lesões corporais seguido de morte.
Certo que talvez esteja correto a interpretação e análise que o bem jurídico mais valioso em nossa sociedade capitalista não é a vida, posto que não é a base da nossa organização sócio-econômica, mas o patrimônio, esse sim é a base. Daí que o latrocínio, excluído do conceito de crime contra a vida, tem como bem jurídico lesionado o patrimônio e a ele é imputada a maior pena de nosso Código Penal. Talvez daí que se queira excluí-lo da apreciação popular, posto que socialmente, em alguns casos, a conduta pode ser compreendida, o que, tratando-se de crime típico do pobre, ao juiz singular devidamente doutrinado, dificilmente escapará.

Mas defendemos a adoção daquilo que nos parece ser a intenção do constituinte, inclusive por todo o espírito humano encontrado no texto constitucional, só não transformado em realidade em razão das tortas interpretações de sua validade, talvez para dar razão à Lassale sobre a validade de uma Constituição. Nesse sentido acreditamos ser necessário a inclusão dentre as competências de apreciação pelo Tribunal do Júri de todas as modalidades de crimes que atentem dolosamente sobre a vida, inclusive tentados, excluindo-se tudo que não encaixar-se nesse critério objetivamente, textualmente, excluindo-se infanticídio, aborto e correlatos, ao menos em primeiro momento, a fim de se evitar as elásticas interpretações que só têm servido de fundamento às práticas contra o acusado.

Por fim, é necessário que se faça claro em todo o ambiente jurisdicional que a clara opção feita pelo constituinte foi pelo sistema processual acusatório, renegando-se o antigo inquisitorial e tendo o acusado como um sujeito de direitos e não como objeto do processo, atribuindo-lhe todas as garantias de direitos fundamentais, reconhecendo-lhe a cidadania.

Entretanto, não há solução completa e absoluta para os problemas encontrados dentro do sistema vigente, pois que fruto das relações sociais e econômicas postas, visto que o Direito, as relações jurídicas, não são determinantes, mas determinadas, não são infra-estrutura, mas super-estrutura, determinados pelas relações de produção, simplesmente atendendo aos interesses e objetivos daqueles que dominam o Estado.

Assim, como única alternativa real para a construção de uma nova realidade que atenda aos reais interesses e anseios da maior parcela da sociedade passa, necessariamente, pela completa substituição de nosso sistema, tanto nas relações sociais vigentes como nas questões políticas, jurídicas e, sobretudo, na base das relações econômicas.


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[1] Marx, em sua obra, analisa o Estado como em defesa dos interesses da classe que o controla. Notadamente, ao analisar a Revolução Francesa, em “O 18 Brumário de Louis Bonaparte”, em que declara, sobre o resultado de tal revolução que “é o Estado que parece voltar a sua forma mais antiga, ao domínio desavergonhadamente simples do sabre e da sotaina.”. Pode-se entender, claramente, o caráter de controle social estabelecido pela classe dominante, por intermédio de seus instrumentos estatais, sobretudo o Direito.

[2] Reconhece a Constituição Federal, ao Tribunal do Júri, apenas a competência para o julgamento para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, em seu artigo 5º, XXXVIII, “d”.

[3] Rogério Lauria Tucci na op. cit. pp15/16 discorda ao sustentar que “outra, entretanto, em nosso entender, e com o máximo respeito, deve ser a conclusão da pesquisa às fontes disponíveis, determinantes da convicção de que o verdadeiro, por assim dizer autêntico, embrião do tribunal popular, que recebeu a denominação hoje corrente (tribunal do júri) se encontra em Roma, no segundo período evolutivo do processo penal, qual seja o do sistema acusatório, consubstanciado nas quaestiones perpetuae”.
[4] Conforme relata Lênio Streck citando a obra de Edmundo Oliveira, o qual transcreve texto de James, A Inciardi, in: Criminal Justice, “Os antigos gregos tiveram a sabedoria de criar o Princípio da Justiça Popular que floresceu e se consolidou nos sistemas legais através das gerações. A título de ilustração, é oportuno lembrar que a Heliéia, de 2501 0 201, foi o tribunal popular da Grécia Antiga que inspirou a fórmula inglesa do Tribunal do Júri, introduzido na Common Law a partir de 1066 pelo Rei Guilherme, o conquistador normando. Durante a Heliéia, Demóstenes se consagrou como tribuno, merecendo destaque também a Apologia de Sócrates feita por Platão, que se revoltou contra a condenação do seu mestre Sócrates pela Heliéia”.
[5] João Mendes Junior citado por Nucci assinala que”o pretor, ou antes, o questor, examinava as acusações, verificava se entravam no círculo de sua competência e negava ou concedia a acusação segundo os casos; depois (ao menos nos primeiros tempos) escolhia os juízes, formava o tribunal, presidia os debates, apurava os votos dos judices juratio e pronunciava o julgamento”.
[6] BARATTA, Criminologia crítica e crítica do Direito Penal, 1999, 2º edição, p 165-166.

[7] Encontram-se conclusões sobre a natureza injusta do Direito Penal contra o réu (Cirino dos Santos), contra a sociedade (Mirabete), contra a vítima (teorias da generalização e avanço da criminalidade).

[8] Em “Teoria Pura do Direito”, Kelsen busca o isolamento do Direito de todas as demais influências políticas e quaisquer outras, conferindo ao Direito uma “pureza científica”, como nas ciências exatas. Assim, não pode Direito questionar as normas nem interpretá-las com caráter filosófico ou sociológico, apenas seguí-la literalmente, pois é esse o papel do Direito como conjunto fechado de normas.
[9] “A história de toda sociedade existente até hoje tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, o opressor e o oprimido permaneceram em constante oposição um ao outro, levada a efeito numa guerra ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou, cada vez, ou pela reconstituição revolucionária de toda a sociedade ou pela destruição das classes em conflito. Desde as épocas mais remotas da história, encontramos, em praticamente toda parte, uma complexa divisão da sociedade em classes diferentes, uma gradação múltipla das condições sociais. Na Roma Antiga, temos os patrícios, os guerreiros, os plebeus, os escravos; na Idade Média, os senhores, os vassalos, os mestres, os companheiros, os aprendizes, os servos; e, em quase todas essas classes, outras camadas subordinadas. A sociedade moderna burguesa, surgida das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Apenas estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das velhas. (MARX e ENGELS, 2003)

[10] Evita-se, aqui, a utilização da lógica formal.
[11] Retirado, com algumas edições, do Código de Processo Penal Comentado, Nucci e Código de Processo Penal Interpretado de Mirabete.
[12] Aqui, prefere-se a utilização do termo processo crime, visto que o termo ação penal nos parece equivocado, pois que ação “é o direito de pedir ao Estado a prestação de sua atividade jurisdicional num caso concreto” (COSTA, apud, AMARAL SANTOS, 2006) e “trata-se de um direito público subjetivo, consistindo na faculdade de quem sentir-se lesado ou ameaçado levar ao conhecimento do Poder Judiciário sua pretensão” (COSTA, 2006). Entendendo que nos crimes de “ação” incondicionada, como aqueles contra a vida, não se trata de um direito subjetivo, mas de obrigação do aparato estatal.
[13] Não fala-se aqui da pessoa do assistente de acusação, por tratar-se de equívoco da lei processual, visto que “não tem sentido determinar a intimação do assistente de acusação, que somente pode habilitar-se depois de recebida a peça acusatória” (NUCCI, 2006, p. 666)
[14] Pronúncia é decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o caso À apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação da culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento do mérito.
[15] Libelo é uma peça acusatória, assinado pelo promotor, cujo conteúdo é fixado pela decisão de pronúncia, expondo, na forma de artigos, a matéria que será submetida a julgamento para o Tribunal do Júri. É fundamental que o libelo seja o espelho real da pronúncia.
[16] Já tratamos, em conjunto com outra autora, dos aspectos e objetivos de identificação do sujeito socialmente punível, por questões sócio-econômicas, utilizando-se da prisão cautelar, em outro artigo, publicado em http://200.142.144.130/revistas/direito/atual_estudantes.htm.

[17] Para Lassale, a Constituição escrita, para ser boa e duradoura, deve refletir, necessariamente, os fatores reais de poder existentes na sociedade, pois, um eventual conflito entre o texto escrito e a Constituição real, ou seja, a soma dos fatores reais de poder que regem uma nação, fará com que, mais cedo ou mais tarde, a Constituição folha de papel seja rasgada e arrastada pelas verdadeiras forças vigentes no país, num determinado momento de sua história. Noutras palavras, a Constituição formal seria revogada pela Constituição real. (MOREIRA, 1997)