quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Vladimir Herzog - 32 Anos de Sua Morte - Ainda Presente Entre Nós

Há exatos 32 anos, morria, sob a tortura do regime militar, um dos maiores jornalistas que esse país já viu: Vlado Herzog, mais conhecido por Vladimir.

Vladimir Herzog, um Iugoslavo de nascimento, de família judia que fugira do nazismo que varreu a Europa sob os avanços do III Reich de Hitler, naturalizara-se brasileiro em sua nova pátria.

Graduado em filosofia pela USP, Vlado Inicia no ofício de jornalista no Jornal “O Estado de São Paulo.

Em 1964, após o golpe militar, Vlado acaba, mais uma vez, fugindo do terror de uma ditadura sangrenta, exilando-se na Inglaterra, onde veio a trabalhar na BBC, obtendo enorme experiência e aprimorando o seu currículo, o que viria a ter grande importância em seu futuro.

Em 1968, Vlado retorna ao Brasil, com sua esposa Clarice, ela alguns meses antes. Em seu retorno, Vlado se depara com uma situação ainda mais difícil do que aquela em que ele deixara o país, pois a poucas semanas havia sido decretado o famigerado AI-5.

Herzog era um jornalista extremamente ligado aos meios culturais, sobretudo o cinema, sempre imprimindo nessa sua militância, inclusive profissional, uma forte e marcante preocupação social, o que já chamava a atenção de muitos.

Tal opção ideológica fizera com que Herzog acabasse por tomar o único caminho possível a um Homem de “alma” comunista em uma mente profundamente intelectualizada: em 1971 ingressa nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro – PCB.

Sua opção pelo comunismo fora uma opção feita com a alma de um sonhador, com a alma de um sentimento humano acima de tudo, que o levava, apesar de não muito ligado à atuação política, a lutar em defesa dos mais fracos, a lutar contra a ditadura.

E foi seu ingresso nas fileiras do PCB o marco de uma nova vida sob uma dura e cruel perseguição.

Em 1975, Herzog é convidado a dirigir o departamento de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, onde acaba imprimindo um padrão de jornalismo considerado indesejável pelos militares.

Sob a direção de Herzog, o jornalismo da TV Cultura passa a ter um padrão de independência e de insubordinação em relação às mentiras contadas pelo regime fardado. Jornalistas passam a ter liberdade para o exercício de sua atividade e inicia-se um processo novo, de autonomia e liberdade de expressão.

Não demorou, evidente, para a censura mostrar suas garras e partir para o ataque sobre esse homem que desafiava as baionetas com sua pena.

Além de sua postura frente ao jornalismo da TC Cultura, Vlado se encontrava em um dos momentos de maior repressão dos militares contra o PCB.

Foi o tempo de assassinatos de dirigentes e militantes em todo o país, o tempo dos desaparecidos, o tempo de operações coordenadas com apoio estadunidense e de outras ditaduras do continente, tudo com o objetivo de desmantelar a maior organização política de enfrentamento ao regime no país, logo após a grande vitória do MDB nas urnas, onde os comunistas tinham sua atuação eleitoral.

E foi no bojo dessa forte repressão aos comunistas, aliado a postura de repressão ao padrão de jornalismo com preocupação social que Vlado imprimia em seu trabalho a frente do jornalismo da Cultura, que se deu a ação dos homens do regime.

Naquele 24 de outubro de 1975, os dois agentes do DOI-CODI dirigiram-se à TV Cultura com a missão de levar Herzog para “prestar depoimento”. Herzog até dispunha-se a ir, pois não costumava demonstrar medo ou intimidação em qualquer situação que fosse. Mas foram seus colegas e amigos, que ao longo daqueles meses sob o seu comando, aprenderam a admirá-lo e a respeita-lo por sua personalidade e seu caráter extremamente humano e determinado, que opuseram-se, temendo pelo pior.

Durante todo aquele dia 24, eram muitas as informações e os boa
tos que circulavam pelos bastidores da Cultura a respeito de possível ação das forças de repressão contra Vlado. E muito era o temor de todos quanto a segurança do chefe e companheiro.

O jornalista Paulo Markun, que já naqueles tempos trabalhava na Cultura, junto com Vlado, foi um dos jornalistas ligados a Herzog preso antes de Vlado e veio a contar do clima reinante naquele dia, do qual soube logo após ser solto.


E assim, colegas e amigos conseguiram, após muita negociação, que os agentes não levassem Herzog já naquele momento ao DOI-CODI, com a garantia de que Vlado se apresentasse espontaneamente na manhã seguinte para prestar seu depoimento.

Não eram poucos os que queriam que Vlado fugisse, que procuravam meios e planos para garantir-lhe a fuga. Mas aquele homem habituado às atitudes de coragem e a atuação pública não tinha em sua personalidade, o perfil do fugitivo. E Herzog permanecera ali, em seu trabalho, até o fim do dia, mantendo o compromisso de honrar sua palavra e comparecer para seu depoimento na manhã seguinte. E assim foi.

Na manhã do dia 25, Vlado despede-se de sua esposa, Clarice e de seus dois filhos, encaminhando-se ao DOI-CODI.

Vlado, nos porões do regime, sob as mãos de seus carrascos, foi espancado, asfixiado, submetido a choques elétricos à exaustão, até vir a perecer, tendo sua morte por asfixia, não se sabe se em decorrência da falta de controle sobre seu organismo provocada pelos choques, ou se em razão das técnicas de asfixia empregadas por seus torturadores.

Morreu Herzog, sem delatar nenhum de seus camaradas do PCB, também sem delatar nenhum de seus companheiros de jornalismo. Aquele foi o único momento em que se viu calar a voz do jornalista e militante inconformado com a ditadura fascista instalada no país, justamente quando a ditadura queria vê-lo falar.

Foram dez horas de tortura, dor, humilhação e sofrimento, muito acima do que um ser humano comum é capaz de suportar. Mas Herzog não era um ser humano comum. Herzog era um daqueles que Brecht classificava como “imprescindíveis”. E levou sua luta até o fim de sua belíssima vida.

E naquele 25 de outubro de 1975, mataram o pai zeloso, mataram o marido apaixonado, mataram o jornalista cheio de princípios, mataram o sonhador, mataram o homem. Mas não foram capazes de matar os sonhos e a história. E foi assim que Herzog escreveu sua última e derradeira matéria, a maior de todas, em primeira mão.

A morte de Herzog não foi uma morte qualquer, mais uma, dentre as tantas ocorridas nos porões da ditadura. E nem com toda a encenação feita, em que tentaram, ridiculamente, alegar que Vlado havia suicidado-se enforcando-se com um cinto, com as pernas dobradas quase sentado, foi capaz de calar as vozes que se ergueram contra a sua morte.

O assassinato de Vlado pelo regime provocou a maior onda de protestos em todo o Brasil e em todo o mundo, exigindo o respeito aos direitos humanos, a liberdade de expressão aos jornalistas e ao povo, exigindo democracia.

O seu próprio enterro já fora um verdadeiro ato de protesto. Judeu, Vlado deveria ser enterrado de forma própria, como suicida, em se acreditando na ridícula versão oficial sobre sua morte. Mas com todas as evidências e provas de que fora assassinado, Vlado foi enterrado dentro dos mais rigorosos preceitos judaicos, como uma vítima que morrera pelas mãos de seus carrascos.

E o culto ecumênico de 30 de outubro, na Catedral da Sé, em homenagem a Vlado, foi o verdadeiro início da forçada abertura política no Brasil.

Aproximadamente 8 mil pessoas, entre camaradas, familiares, amigos, colegas e companheiros, além de populares indignados com a brutalidade do regime, estavam presentes, dentro e fora da Catedral. Em volta, quase 500 policiais fortemente armados, tinham ordens de disparar para matar, diante da menor manifestação contra o regime. E aquele foi um grande protesto silencioso, com um golpe contra o regime ainda maior do que poderiam ser os gritos de um milhão de pessoas.

A partir desse ato silencioso, Herzog, apesar de morto, continuava escrevendo a matéria da história da derrota da ditadura em nosso país. E a pressão, interna e externa, contra a ditadura, crescia dia após dia, com a exigência de todos por uma apuração real da morte do jornalista e pelo respeito aos direitos humanos em nosso país.

E foi em 1976 que Herzog, com a ajuda de sua esposa, Clarice, escreve um dos mais fortes parágrafos de sua derradeira matéria. Nesse ano, Clarice ingressa com uma ação pedindo a responsabilização da União pela prisão, tortura e morte de Herzog. E em 1978, o juiz Marcio José de Moraes, nome que deve ser destacado por sua coragem, sentenciou, atribuindo a responsabilidade pela prisão, pela tortura e pelo assassinato à União.

Tal corajosa sentença estarreceu o regime e devolveu esperança ao povo, permitindo que toda aquela movimentação e indignação cuja manifestação começara com a morte de Vlado, viesse a reorganizar-se de forma decisiva em todo o país e mundo afora.

Não são poucos os “reescritores” da história que buscam atribuir a tantas outras manifestações em nosso país, a responsabilidade pela pressão irresistível ao regime, que ocasionara a abertura política. Mas ninguém, diante da realidade colocada sobre a mesa, nega que fora Herzog, sua luta, seus camaradas e seus companheiros, que escreveram, e continuam escrevendo, essa matéria em primeira mão, da nova história do Brasil.

Foi a partir dessa tragédia, pela própria tragédia, que o país entra em ebulição, apesar da apatia sistemática de muitos movimentos populares que haviam passado a focar sua atuação em questões meramente intestinas.

Audálio Dantas cita, em seu depoimento ao Museu da Pessoa, que “só sindicatos de jornalistas se solidarizaram com o dos jornalistas de São Paulo. Lula era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e manteve-se à margem dos protestos realizados em outubro de 1975.”, demonstrando de forma cabal que fora aquela movimentação a decisiva para a derradeira pressão contra a ditadura, não outras vindouras. E como cita artigo do Observatório da Imprensa, “Isso não é dito para fazer uma cobrança sem sentido, apenas para mostrar como o movimento operário e sindical estava recuado e como aqueles protestos, que não brotaram por geração espontânea, abriram caminho para grandes lutas que viriam depois. Inclusive as importantíssimas greves do ABC paulista dirigidas por Lula.”.

E assim Herzog continuou atuando, mesmo após sua morte, como jornalista, escrevendo a matéria da história do Brasil, em primeira mão, como um bom jornalista; como militante comunista, sendo a face da luta que tornou inevitável a abertura política; como sonhador, que deu contribuição inquestionável, para que hoje pudéssemos gozar da liberdade com que ele tanto sonhara.

E o último parágrafo de sua derradeira matéria, ainda resta por ser escrita, com a abertura dos arquivos da ditadura, com a revelação do paradeiro de inúmeros camaradas de Herzog, até hoje desaparecidos, com a revelação das atrocidades inúmeras, cometidas contra a espécie humana.

E hoje, Herzog, 37 anos de saudades, continua mais vivo do que nunca, escrevendo nossa história, revelando nosso passado, construindo nosso futuro.

Matam os homens, mas os sonhos e as lutas jamais poderão ser atingidos. E Herzog, com sua vida, sua luta, seus sonhos, sua morte, nos mostra o caminho.

Em nossos corações e mentes, eternamente como inspiração e exemplo. Em nosso futuro, sua pena estará a escrever suas novas velhas letras.

Sua luta continua viva, seus camaradas continuam em pé, seus sonhos permanecem entre nós.

Camarada Vlado, ontem, hoje e eternamente, presente!

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Meu Aniversário

O tempo passa. E parece levar consigo as alegrias e as esperanças.

Neste exato momento eu queria coisas simples, como ter meu pai ao meu lado, ter meu filho vivendo comigo.

Meu presente ideal seria a imagem de meu pai segurando meu filho no colo, em meio às árvores plantadas por aquele que sempre foi meu grande ídolo, no quintal dessa casa que guarda um pouco de cada traço dele.

Ah, que presente lindo seria meu pai e meu filho, juntos, brincando.

O tempo passa e nos leva as alegrais e a vida.

Eu queria encontrar uma razão para isso tudo. Talvez meu pai pudesse me ajudar. Mas o tempo o levou.

Talvez meu filho pudesse me explicar, através da convivência diária. Mas ele não mora comigo.

O amor ainda pode ser o significado dessa vida. Mas eu descubro, dia após dia, que amar dói. Sobretudo pela ausência dos beijos e abraços do amor que tanto amo.

Eu quero um presente, por favor: meu pai, meu filho, meu amor e o presente melhor. É simples. Mas não terei, eu sei.

Quero comemorar, quero ser feliz. Até poderia pensar que sou feliz, pois minha vida aproxima-se, dia a dia, de seu fim, como todas as vidas. E isso, ao menos, aproxima-me de meu pai. Mas afasta-me de meu filho e meu amor.

Parece que a felicidade, realmente é utopia.

E assim me vou, seguindo em sonhos, sem esperança, querendo comemorar, mas sem ter o quê.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Filme “Tropa de Elite” Faz Sua Primeira Vítima Fatal

A febre do momento, aplaudida por muitos, criticada por outros, começa a confirmar a sua pecha de psicótico e apologista da tortura.

Defendido por muitos como a expressão da realidade, causando paixão em outros que começam a ver torturadores e assassinos do tipo “Capitão Nascimento” como heróis do combate à violência, a máscara de justiça que o filme tenta vestir com a aparência de merecimento das agressões por todas as vítimas começa a cair.

Evidente que um grupo que se arroga no direito de decidir de forma sumária sobre a vida ou morte de outros, utilizando como método principal de ação a tortura e a agressão gratuita, nada possui de heróico, pelo contrário, estão entre os mais frios e perversos bandidos.

Entretanto, o discurso terrorista e preconceituoso, beirando o fascismo mais descarado, aliado a uma “glamourização” de práticas psicóticas e cruéis, leva ao convencimento dos menos preparados em compreensão da realidade ou em sentimentos humanos, à defesa apaixonada da barbárie.

Mas agora o diretor do filme, José Padilha, que fez a opção por essa visão apologista do comportamento fascista e psicótico do filme, em conjunto com todos aqueles que fizeram a defesa de tal prática, começam a ver, de forma incontestável, de forma clara, direta e evidente, suas mãos manchadas pelo sangue das vítimas de tais atrocidades.

Já havia falado antes, nesse mesmo espaço, do poder de sedução psicótica do fascismo. E agora isso fica evidenciado e comprovado pela vida real.

Notícia estampada no dia de hoje nos jornais me deixou estarrecido, mas ao mesmo tempo com a sensação de normalidade, pois que notícia já esperada. Sob o título “Tropa de Covardes”, um dos jornais de maior circulação do estado do Paraná, a “Tribuna do Paraná”, estampava a notícia acerca da morte do jovem Bruno, filho do renomado colunista esportivo paranaense, Vinícius Coelho.

Abaixo, alguns dos envolvidos no crime:
Infelizmente, sou obrigado a dizer que “menos mau” que a vítima de tal atrocidade tenha sido um rapaz de classe média, de família conhecida e pai de prestígio na imprensa. Lamento profundamente a morte desse jovem, que comigo dividia a paixão eterna pelo maior clube de futebol do estado, o Coritiba, bem como pelo sofrimento de sua família e de seu pai, que tão bem tem contado de forma belíssima a história dessa nossa paixão. Mas sou obrigado a dizer que o fato de ser uma vítima com tal perfil pode ajudar no despertar da população quanto ao crime que está cometendo em ato de cumplicidade com o psicopata maior, senhor José Padilha. Pode ajudar, porque a repercussão que um caso desse tipo gera, é de reprovação absoluta da conduta adotada pelos bandidos, ao passo que se fosse mais um, dentre os muitos jovens pobres de periferia, ainda que absolutamente inocente fosse a vítima, seria automaticamente transformado em bandido para justificar a truculência e a barbárie tão aplaudida nos dias atuais.

Vigilantes, apenas para reprimir uma “pichação” em um muro de uma clínica, carregaram o jovem à força para a sede da empresa de vigilância, reproduziram as cenas de tortura do filme e depois o levaram para local ermo para a execução final, tudo seguindo o mais fiel roteiro de Padilha e a visão psicótica que tomou conta dos discursos da maioria da população por ele influenciada.

Que o caso sirva de lição a todos os que hoje aplaudem os “Capitão Nascimento” espalhados por todo o Brasil, que atuam nas favelas e morros, nas comunidades carentes e contra a população mais necessitada.

Tenho certeza de que muitos outros ainda serão vítimas desse tipo de prática tão incentivada pelos setores mais reacionários e psicóticos de nossa sociedade. Mas também tenho certeza de que, em havendo o devido repúdio da população a tais práticas, muitas vidas podem ser poupadas, muitas famílias podem ser livradas do sofrimento e nossas consciências poderão ter um pouco menos de culpa a carregar.

Seria necessário, para se fazer real justiça, que o senhor José Padilha, o mais descarado apologista da tortura, do extermínio e da barbárie que esse país já viu desde os anos de chumbo, respondesse conjuntamente pelo crime praticado contra esse jovem com toda a vida pela frente, que teve sua história abreviada pela mais reprovável crueldade humana. Portanto, sei que justiça não se fará.

Encerro aqui com dóis pedidos, o primeiro à parcela da sociedade que tem aplaudido e até desejado a ampliação das práticas fascistas e psicóticas, para que parem, olhem para o sangue desse jovem em suas mãos, reflitam e revejam suas posições, pois que a responsabilidade por todo esse estado de coisas, mais cedo ou mais tarde, lhes será cobrada, de uma forma ou de outra, talvez até, passando pela mesma situação que a família dessa vítima passa atualmente.

Meu segundo pedido é à essa figura por quem nutro profunda admiração, muito em razão da paixão que dividimos pelo nosso Clube do Alto de Tantas Glórias, o colunista Vinícus Coelho: por favor, não caia na tentação de cair no discurso vingativo e passional, psicótico em essência, da inflamada violência que exige a mais severa punição aos algozes de seu filho e a todos que são apontados como “responsáveis” pela violência e pela criminalidade. Por mais difícil que seja nesse momento, faça aquele esforço sobre humano que só os grandes de espírito são capazes, buscando a racionalidade mesmo no momento de desespero. Faça esse esforço e lembre-se que seu filho querido e amado, mais do que vítima dos que executaram de forma direta o crime que lhe ceifou a vida, foi vítima de toda uma parcela da sociedade, dos sentimentos psicóticos e dos discursos violentos que usam a suposta violência como desculpa para sua crueldade. Foi vítima da inspiração fascista e psicótica desse famigerado filme. Foi vítima da inflamada aprovação da sociedade por tais práticas da mais absoluta crueldade.

Sendo assim, caro Vinícius Coelho, lembre-se que o discurso, os desejos e a crueldade que foram os responsáveis maiores pelo antecipado fim da vida de seu filho, não podem ocupar sua boca e suas palavras. Se não foi possível salvar a vida de seu querido e amado filho, ajude a salvar a vida de tantos outros filhos que por aí estão, à mercê dos próximos agentes construídos por esse discurso fascista e psicótico, do ódio e da alienação gerada pelos “Padilhas” da vida.

Meus pêsames.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

A Sedução Psicótica do Fascismo

Muito se tem falado e discutido sobre o filme Tropa de Elite. Argumentos condenando-o e defendendo-o, dos mais variados tipos e naturezas. Alguns dizem se tratar de um retrato fiel da dura realidade do combate ao crime, desempenhado por bravos heróis. Outros dizem se tratar da mais descarada e absurda apologia da tortura, das chacinas, do comportamento psicótico e da mesma postura fascista responsável pela morte de tantos comunistas, judeus e ciganos nos campos de concentração da II Guerra.

Defende-se o diretor, das inúmeras críticas recebidas, alegando tratar-se apenas de uma visão de alguém que está envolvido no confronto, ou seja, do Capitão Nascimento, mas que o filme não justifica nem incentiva aquela prática.

Dessa defesa do diretor do filme temos três conclusões possíveis: 1 – ele está errado, visto que todos que são expostos ao filme saem com inúmeros argumentos sem base, defendendo a tortura e o assassinato, mesmo de inocentes, como única forma de combate ao crime, exceto os que estudam o fenômeno da violência, convivem de perto com a violência policial, ou possuem um sentimento humano mais apurado; 2 – toda a humanidade está errada, apenas o diretor do filme está certo; 3 – o diretor do filme está mentindo descaradamente, em razão de não suportar defender sua postura nitidamente fascista e psicótica de forma aberta, sobretudo depois das intenções do filme restarem tão claras e evidentes.

Até o momento, parece que as duas primeiras opções são impossíveis, restando a mentira descarada como única possibilidade das palavras de defesa desse senhor Padilha. Sobretudo agora, com a “vinda à tona” de mais um elemento demonstrando de forma inequívoca o conteúdo do discurso proferido por tal filme.

Notícia do Jornal O Globo, veículo de informação que até o momento tem feito a defesa do filme, até por razões de posicionamento político de ambos, mostra o efeito que tal versão distorcida e “glamurizada” sobre a violência policial tem ocasionado em jovens e adolescentes submetidos a tal discurso.

Segundo matéria publicada no jornal O Globo, em sua versão “on-line”, no dia 10 de outubro, jovens e adolescentes estariam reproduzindo cenas de tortura e agressões, tão banais e comuns no filme, com seus colegas, não se sabe se de forma encenada, ou de forma mais real, com outros jovens e adolescentes sendo submetidos realmente à tortura, visto o nível de realismo das cenas. Os vídeos com tais seções de tortura são encontrados com facilidade no canal de vídeos do Grupo Google, o Youtube, que por uma questão de bom senso, está optando por tirar do ar tais vídeos.

Entretanto, tirar do ar tais vídeos não resolve o problema que nos é tão real, apenas o recoloca de forma oculta, mantendo o efeito nocivo de tal apologia à criminalidade institucionalizada, na consciência e nas práticas adotadas pela população com menor nível de formação humana, sociológica e filosófica.

Talvez seja necessário reconhecer que o filme cumpre, em grande medida, uma função social da maior importância, que é a revelação desse pensamento de origem fascista e psicótico impregnado na população que hoje faz a defesa de tais práticas para o combate da violência, supostamente crescente, a que somos submetidos.

Mas o comportamento psicótico gerado por tal obra não permite mais a defesa e o discurso que busca desvirtuar o real conteúdo do filme.

Evidente que muitos podem alegar que os filmes de conteúdo violento sempre seduziram o público, como os tão repetitivos “enlatados” hollywoodianos do padrão “Rambo”. Porém é inegável que nenhum dos tais filmes jamais provocou ta comportamento psicótico tão descarado em jovens tidos como normais. Também, nenhum outro filme provocara discurso tão raivoso e tamanha justificação da violência generalizada contra o “estereótipo” do criminoso, curiosamente o mesmo estereótipo do pobre urbano.

Resta, assim, evidenciado mais uma vez, o conteúdo altamente psicótico e fascista do filme, em sua pregação por uma “limpeza social” e de criminalização do combate à violência institucionalizada. E cegos, muitos dos que deveriam gritar mais alto contra a “glamourização” das atrocidades cometidas diariamente contra as populações carentes, ainda se calam ou defendem, no mínimo, uma suposta “inocência” do comportamento de qualificação como inimigo daqueles cuja classe social não domina o aparelho repressivo.

Realmente, os psicopatas, ainda mais quando a serviço de um discurso fascista, seduzem multidões. E talvez isso nos sirva para inocentar os alemães e italianos que deixaram-se seduzir por Hitler e Mussolini, provocando uma das maiores tragédias do século XX, visto que os brasileiros, em sua maioria, parecem estar a reproduzir a mesma lógica social que levou tais assassinos ao poder na Europa.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Ernesto - Che: Do Homem ao Mito

" Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis" (Bertold Brecht)

Um jovem argentino, nascido em uma família de classe média alta, decide cursar medicina. Algo normal, sobretudo na primeira metade do século XX, em que você só era alguém se fosse engenheiro, advogado ou médico, em termos de formação e profissão.

Entretanto, assim como a poesia é capaz de expressar sentimentos que não possuem um tom meramente utilitarista das coisas, o ser humano é capaz de sentimentos sinceros que não possuem vínculo exclusivo com aquilo que eles podem obter de forma egoísta e direta de cada um de seus atos.

E um estudante, de vida confortável, resolve escolher tal vida não como um elemento de “status”, ou como garantia de uma vida confortável como a que possuía até então, mas como forma de dar a sua contribuição para a redução do sofrimento de outros.

Uma visão sonhadora e utópica é verdade. Mas o que seria da vida sem os sonhos e utopias?

Assim, tal estudante, em sua ingenuidade de um jovem bastante alienado acerca da realidade dura da maioria dos homens e mulheres, membro de uma classe média elitista de uma América Latina que busca comparar-se à Europa, não conhecia realmente o sofrimento alheio, mas apenas em livros imaginava algo que não parecia crível àqueles olhos habituados ao conforto.

O contato com a dura realidade, às vezes, pode ser altamente chocante para aqueles que sequer a imaginam.

E assim foi com o jovem Ernesto, o jovem que estava a estudar medicina com um objetivo primordialmente humanitário. A realidade realmente muda mentes e corações, quando o contato é tão real, tão próximo.

Assim, uma aventura de um jovem rebelde e sonhador, altera toda uma história de vida que se torna um exemplo de humanidade e luta por um mundo melhor.

Uma simples viagem de motocicleta, uma aventura, uma farra. Um contato com a miséria e o sofrimento dos povos dos rincões da América Latina. A realidade exposta em suas mais reais e duras cores. Fome, opressão, humilhação. O contato direto com tal realidade altera a visão de mundo de qualquer que tenha um mínimo senso de humanidade, que não tenha aversão à raça humana. E o jovem Ernesto não a tinha.

Da dura realidade nasce um novo Homem, despido, de forma drástica e radical, de sua pureza e ingenuidade, atirado à dura realidade com a força que impulsiona a revolta com que o coração reage à agressão ao mais íntimo do ser humano.

"Se você treme de indignação perante a uma injustiça cometida a qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, então somos companheiros.", diria Ernesto, anos mais tarde, já como Che Guevara, o mito vivo. Sem dúvida, esse sentimento nascera naqueles tempos de descoberta da crueldade e do sofrimento humano.

Esse período não é o mais decantado da vida de Che, mas é de extrema significação para a transformação do jovem asmático de classe média alta, Ernesto, no líder revolucionário Che.

Evidente, a construção de um novo Homem tem nos sentimentos mais puros e sinceros o pressuposto básico, mas que não se tem por suficiente em si, requerendo para tanto, a formação necessária, que só é obtida pelo estudo, ou pela vivência prática de uma nova realidade. Ernesto optou por ambas.

Seu contato com os revolucionários se dá na Venezuela, em meio aos preparativos para a transformação da realidade de todo um povo, para a recuperação da dignidade de um país todo.

Médico de formação, aplicado na tarefa de cuidar do ser humano, Che, já o novo Homem, não Ernesto, o antigo jovem de vida confortável, embarca em sua nova vida, em importante missão libertadora de todo um povo.

Os grandes nomes da história não se constroem apenas do esforço e dedicação, senão teríamos tantos grandes nomes da história, que nem mais se destacariam, pois que seriam a maioria dos homens e mulheres que já viveram e ainda vivem sobre a terra. Os grandes nomes da história se constituem de todo o conteúdo que trazem em si, dos momentos históricos em que atuam e da forma como reagem e atuam em tais momentos. E a história acabou por impor ao jovem Che um momento e uma tarefa única, na qual ele poderia triunfar, ou ser apenas mais um que tomba em defesa dos sonhos impossíveis.

Naquela heróica e ousada missão, restam vivos pouco mais de uma dúzia dos lutadores que viajaram no emblemático Granma, rumo à libertação do povo cubano. E Che, ainda jovem e inexperiente, era um deles. E a realidade impõe, dessa forma, os maiores desafios e tarefas ao inexperiente jovem que acabara de ingressar na luta real e concreta.

As rápidas transformações pelas quais um Homem pode passar, de forma imposta pela realidade que se apresenta, são capazes de fazê-lo endurecer ao extremo. O contato com o sofrimento humano é algo que transforma os sentimentos em razão e a razão em sentimentos, fazendo o mais cruel os seres, compreender os mais ocultos sentimentos de humanidade. E assim se constrói Che, aquele por todos conhecidos, cujas transformações que se lhe impuseram, podem ser resumidas em frase sua “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamas.”.

Controverso enquanto comandante militar, reconhecido até pelos inimigos pela obstinação e disciplina. Esse é o novo Homem surgido da luta, do bruto amadurecimento forçado.

A história lhe reservou melhor lugar do que a vida.

A dureza de uma vida de lutas não se interrompe para esse novo Homem, surgido da dura realidade da opressão humana, com a vitória revolucionária de libertação de um povo. Para ele, era necessária a libertação de todos os povos. E seus sentimentos de humanidade, mais uma vez, triunfaram sobre a mesquinhez da alma humana, tão apegada ao conforto e ao poder.

E Che, agora já não tão novo e inexperiente, mas o Homem calejado e formado pela luta concreta, forjado na busca por um mundo melhor, parte para sua jornada de transformação dos sonhos de igualdade, fraternidade e justiça, em realidade, para tantos povos do mundo quanto ele fosse capaz.

Essa história de lutas despertou esperanças em todo o mundo, admiração em tantos homens e mulheres quantos souberam de tal história. Mas também despertou a ira de todos aqueles que sempre se mantiveram por meio da opressão e exploração dos povos do mundo.

Che levou os sonhos e a esperança ao continente africano, trouxe sua luta novamente para o continente latino americano, tendo vitórias e derrotas, carregando consigo a certeza inabalável de que, cedo ou tarde, a justiça prevaleceria para todos aqueles povos massacrados.

Suas vitórias vieram do exemplo em que sua jornada se constituía para tantos que antes apenas sonhavam, hoje tinham a certeza, conheciam um novo rumo a seguir.

Suas derrotas, da brutal reação dos “donos do mundo” que empunhavam todas as armas possíveis contra os povos em luta.

Obstáculos, aos que sonham, não são barreiras intransponíveis, mas somente dificuldades a serem vencidas com a luta dos que possuem a certeza da vitória final. E Che, esse Homem de “novo tipo”, sabia sonhar como poucos. E sabia traduzir os sonhos em algo lógico e racional, tão palpável quanto a fome e a miséria contra as quais ele lutava.

E foi na Bolívia, num mês de outubro como agora, que aquele palco de luta teve sua última cena para o tão aclamado comandante, “El Che”.

Capturado, sem mais poder reagir, veio a ordem para que matassem os sonhos. E fuzilaram Ernesto Guevara de la Sierna. Anunciavam, os assassinos do Homem que se transformara em exemplo de luta e esperança, a morte de Che Guevara, distribuindo aos quatro cantos da Terra as mórbidas imagens do Homem destruído por disparos de armas de fogo. Falavam de sua vitória sobre o mito. Mas fracassaram de forma brutal.

Eliminaram o homem, Ernesto, o argentino que cursara medicina, que gostava de viver a vida e possuía uma rebeldia inata. Mas fracassaram diante de Che, pois não sabiam aqueles cruéis assassinos que os sonhos não morrem, que o exemplo não se elimina, que a esperança resiste.

E até hoje tentam mata-lo. Não mais com tiros ou bombas, mas com palavras e mentiras. E os raivosos ataques que seu nome recebe, as tenebrosas mentiras e lendas que se criam contra sua história, são o testemunho de sua vitória inconteste.

E até hoje, Che permanece vivo, na luta dos pobres, dos operários, dos camponeses, dos oprimidos, dos explorados, dos humilhados. Permanece vivo na memória e no exemplo que segue seu rumo em qualquer lugar em que alguém, ainda que perdido, recusa-se a render-se. Nos corações dos que, mesmo diante da dura realidade de egoísmo e mesquinhez, ousam sonhar com um mundo melhor. Na certeza dos que constroem, a cada dia, mesmo sem a certeza de ver o resultado final de sua obra, esse mundo melhor, com que sonhava Che, sempre com a certeza da vitória que está porvir.

Che vive, agora em lugar onde ninguém mais é capaz de atingi-lo ou vence-lo: nos corações e mentes, na disputa em que a ele só cabe a vitória.

Ainda e eternamente, imprescindível. Che Vive!


Convido todos a visitarem as justas homenagens a Che, nesses 40 anos de sua morte, que serão reunidas ao longo da semana em Che Vive!

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Tropa de Elite - Fascismo e Terrorismo de Estado

O filme “Tropa de Elite” merece os meus parabéns.

Não se trata da fotografia, da produção, da qualidade do roteiro ou da direção do filme, que estão magníficos. Trata-se tão somente do conteúdo do filme, com suas cenas e sua história da guerra do BOPE, representando todos os grupamentos de mesmo estilo no Brasil, contra os “donos da favela”.

Com certeza muitos estarão aplaudindo o parágrafo anterior, mas pelos motivos errados.

Não estou parabenizando o tipo de ação dos policiais do BOPE, do Capitão Nascimento e sua turma. Estou parabenizando a coragem do filme em expor a tese e o posicionamento fascista impregnado em boa parte do povo brasileiro, a partir da classe média alta, sobretudo, contaminados por um discurso terrorista de parte da mídia em sua desenfreada defesa do “olho por olho, dente por dente”, mas de forma bastante assimétrica.

Ao terminar de assistir o filme, mais uma vez, dessa vez em família, eu tive enjôo, enquanto a apoteose da tortura e do terrorismo de Estado seduzia os que estavam a minha volta, que agora estavam convencidos dos dois argumentos centrais do filme: todos que são vítimas da polícia são bandidos e bandido bom, é bandido morto.

Ora, fiquei pensando eu, pra que lei então? Basta algumas centenas de “Capitães Nascimento” entre nós, com total autonomia e liberdade para matar e todos os nossos problemas estarão resolvidos.

Mas me veio à mente que os grupos de extermínio, como o BOPE, existem no Brasil desde a década de 1920, institucionalizados ou não, e no mundo, desde sempre. Por que o problema da criminalidade não está resolvido então?

Lembrei-me também das cenas narradas no livro de Foucalt*, em que cavalos puxavam os membros do condenado amarados por correntes, até que tais membros fossem arrancados, com a ajuda de alguns cortes de lâmina e algumas torcidas nos membros feitas pelos carrascos, para ajudar no trabalho que os cavalos não mais suportavam.

O filme demonstra claramente que o clima de guerra é essencial à manutenção da política de extermínio, bem como, que o sistema é o responsável maior pela manutenção daquela tragédia social.

A divisão maniqueísta entre “morro” e “cidadãos de bem” fica nítida até ao espectador mais desatento. E não se trata de criminalização apenas dos que têm envolvimento com o crime, mas de criminalização de todos do morro, da favela, inclusive dos reféns da violência, encurralados entre terrorismo das quadrilhas e o terrorismo de Estado, com a diferença de que o primeiro só reage contra o cidadão comum quando desafiado.

Não, não se trata de fazer uma defesa da criminalidade, mas tão somente uma constatação de quem observa o fenômeno de desumanização dos membros daquele grupamento terrorista de Estado, em contraposição ao terrorismo seletivo daqueles que conseguem enxergar em suas vítimas mais imediatas um semelhante, um igual.

As cenas do treinamento daquela tropa são emblemáticos do processo de desumanização, pois que trabalha com a “psique” de forma bastante descarada, construindo um clima de uma consciência de revolta permanente no novo terrorista de Estado, através dos mesmos métodos pelos quais se construíam os carrascos do exército nazista, responsáveis pelas execuções de comunistas, judeus e ciganos nos campos de concentração da Alemanha do III Reich.

Humilhação, privação, dor, desgraça e sofrimento são as ferramentas centrais na construção desse novo soldado do crime institucionalizado, que é levado à compreensão de que é necessário tudo aquilo, porque o inimigo é responsável por toda aquela humilhação e degradação pela qual ele passa e por coisas ainda piores, que se ele não evitar por meio do extermínio do estereótipo do inimigo, ele estará alimentando-o, contra si mesmo.

O tratamento exclusivamente por números, ignorando nomes e despersonalizando o tratamento, faz parte do método, que retira qualquer característica de humanidade da função transformando em máquinas, autômatos do terrorismo, desprovidos de sentimentos, aqueles que serão responsáveis pelo extermínio dos “inimigos”.

É fácil perceber que essa construção de um terror psicológico artificial e permanente na mente de cada novo soldado leva-o à desconsideração absoluta de qualquer valor positivo à vida humana, que passa a ser descartável, sem qualquer significado maior.

Observamos isso em dois momentos marcantes do filme: no momento em que o terrorista central do filme deixa um garoto que ele fizera apontar o bandido em frente ao mesmo, correr para a morte, intencionalmente; quando a morte de um companheiro de farda vira simples ferramenta na construção da mentalidade de inimigo em outro aspirante, bem como de desculpa para mais uma sessão de tortura e chacinas.

A violação de todos os direitos fundamentais do indivíduo, como o domicílio, a vida, a integridade física, a dignidade da pessoa humana, são o elemento central da apologia ao terrorismo feita pelo filme.

Nas cenas, nos parece que a tortura é o melhor remédio para o combate à criminalidade. Mulheres espancadas e submetidas à asfixia é um excelente mecanismo de busca pela verdade. E os tiros pelas costas são a apoteose da vingança da classe média contra os seus inimigos da favela.

E o pior da história: O filme é capaz de esconder, ao menos ao espectador médio, que a prática adotada é a equiparação completa e absoluta do Estado e da sociedade que ampara e aplaude tais ações, às práticas e aos agentes que pretendiam combater.

E mais uma vez os mais pobres, já submetidos a condições indignas de moradia e de vida, são colocados como o inimigo dos “cidadãos de bem”, que merecem a tortura e a morte. E os de origem em classes remediadas que se aproximam, não passam de traidores que merecem o mesmo caminho para o além, mas com um outro tratamento das forças de Estado, pois que não pertencem diretamente às classes a serem combatidas e exterminadas.

E como dito no início, o filme mostra bem a lógica de combate e extermínio aos “donos da favela”, com o detalhe de que os “donos da favela” são todos os seus moradores.
* Vigiar e Punir.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Pesadelo e Desgraça

Sonho e realidade, pesadelos e angustias, confundem-se em meus dias sombrios com toques momentâneos de felicidades.

Nada mais pode piorar na rotina, ao menos é o que eu penso, apesar de ter pensado o mesmo antes das três últimas pioras na minha vida. E elas vieram, uma sobre a outra, em questão de dias.

Esperança é palavra bela, de rima fácil e alegre. Rima com dança, rima com aliança. Mas não rima com superação de tragédias, nem com solução de problemas.

Penso sempre no pior, pois assim, por pior que seja a realidade que me aguarda, poderei comemorar por ter evitado aquilo que eu esperava. No entanto, tenho aprendido, dia a dia, que preciso melhorar minha criatividade, pois as desgraças que me aguardam são sempre maiores do que minha imaginação pôde criar.

Nem o suicídio me é mais possível, pois que deixaria um rastro de problemas sem solução a quem eu menos quero deixar a minha carga de problemas insolúveis. Preciso avançar muito para tornar ao menos o suicídio uma saída viável.

- Ei, acorda! Tá na hora!
- Heim? Na hora de que?
- Não vai trabalhar hoje?
- Ah, estou indo.

Droga! Era apenas um sonho!

E como é bom sonhar...

Em nossos sonhos as coisas são sempre melhores do que a realidade.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Manifesto das FARC-EP

1. A dignidade convoca-nos à resistência em unidade, frente ao governo foragido, ilegítimo e ilegal que se apossou do Palácio de Nariño; convoca-nos à convergência e ao Acordo Nacional para superar a profunda crise institucional e de governabilidade que abate o país, e para concertar caminhos certos rumo à paz duradoura.

A Colômbia merece respeito. Não podemos tolerar mais essa máfia narco-paramilitar de latifundiários e pecuaristas, narcotraficantes e empresários que, com o apoio militar do governo dos Estados Unidos e a fanfarra dos meios de informação, converteram a Colômbia num inferno de guerra, massacres, detenções maciças de cidadãos, desaparecimentos, miséria e saqueio, e de todos os desaforos do terrorismo de Estado.

2. O governo de Uribe marcha ao compasso das directrizes de Washington e das exigências de poderosos capos narco-paramilitares como Salvatore Mancuso, Jorge 40, Castaño, Cuco Vanoy, Isaza, Báez, Macaco, Don Berna, El Alemán, Giraldo, El Tuso, Gordo Lindo e outros sinistros personagens da moto-serra e da cocaína, sócios do presidente. Essa máfia financiou com maletas repletas de dólares as duas campanhas presidenciais de Uribe.

Sim, eles o elegeram, e são eles os que estão a mandar.

Impuseram a ponta de fuzil, de terror e de fraudes eleitorais dezenas de congressistas, governadores e alcaides que actuam como testas de ferro do paramilitarismo na política e no governo. Como se acreditavam donos do país não tiveram objecções em proclamar com clarins de vitória que haviam conseguido eleger 35% do actual congresso, o que equivale a uns 80 representantes e senadores. Esses mesmo votos contaminados levaram Uribe à Presidência da República e, por isso e muito mais, seu mandato é ilegítimo e ilegal.

Este governo está erguido sobre milhares de fossas comuns e massacres, sobre terras despojadas e milhões de deslocados, sobre lágrimas e luto... Nada se fez sem o visto favorável ou sem a participação das forças armadas oficiais.

Toda a cúpula do Estado, a começar pelo próprio Uribe, cabecilha principal dos "paracos", está invadida pelo monstro da narco-para-política que se tornou a Colômbia. O vice-presidente foi o inspirador do bloco paramilitar que actuou sobre a capital.. A comandância do exército e da polícia não pode negar que sempre actuou em conluio para delinquir com eles. O ministro da Defesa conspirou com Carlos Castaño. A ex-ministra dos Negócios Estrangeiros Araújo era paga por Jorge 40. O ex-chefe do DAS Jorge Noguera, além de montar com eles a conhecida fraude eleitoral a favor de Uribe, fornecia-lhes a lista dos dirigentes sindicais e populares que deviam assassinar.

Os país estava a ser roubado pelos chefões paramiliatres e Uribe não dizia nada. Roubaram os recursos da saúde. Morderam quanto contrato aparecia. Saquearam os orçamentos departamentais e municipais. Foi-lhes permitido cobrar impostos...

O Acordo de Ralito, pacto das trevas entre o governo e seus paramilitares, foi o pacto da impunidade, no qual o governo comprometeu-se a garantir-lhes penas irrisórias e simbólicas, participação na política, a não extradição, o respeito às suas riquezas mal conseguidas amassadas com o roubo, o narcotráfico e a lavagem de activos.

Essa é a razão que compeliu o presidente Uribe ao desacato e ao desafio insólito frente à providência da Corte Suprema de justiça que sentenciou que paramilitarismo e conluio para delinquir não é sedição. Ele entende que sem o rótulo artificial de delito político que pretendia pendurar no paramilitarismo a fim de santificá-lo é-lhe encerrada a mais importante opção de impunidade com que contava, não só para favorecer os paramilitares como para livrar de culpas os Estado, pai dessa desumana estratégia contra-insurgente na qual também estão envolvidas a CIA e a DEA.

Uribe mereceu o repúdio dos povos que, nas suas viagens internacionais, recebem-no com gritos de assassino, assassino. Que renuncie pois, por ser paramilitar, ilegítimo e ilegal.

Qualquer governo do mundo em tais circunstâncias já teria caído irremediavelmente. E os colombianos não somos menos para tolerar semelhantes governantes, ainda que contem com o apoio do governo dos Estados Unidos.

3. A Colômbia está a ser violentada também pela política de Seguridad Democrática concebida por Washington como desenvolvimento da velha Doutrina de Segurança Nacional e como estratégia de predomínio do império sobre os povos da Nossa América. No essencial esta política – explicada pelo general Craddock do Comando Sul – busca no âmbito da recolonização neoliberal, assegurar o investimento e a pilhagem das transnacionais mediante a aplicação de leis severas e da força, para reprimir e aniquilar a resistência dos povos e o inconformismo social.

Não podemos permanecer impassíveis frente a esta política que já começa a ser executada também por outros governos do hemisfério.

No caso da Colômbia, a Seguridad Democrática tem como componente militar o Plano Patriota, cujo objectivo principal é a derrota militar da guerrilha das FARC, ou na sua falha a redução da sua vontade de luta para levá-la prostrada à mesa das negociações. Naturalmente não se sentem tranquilos com esta alternativa de poder construída pelo povo como resistência a décadas de violência estatal e de opressão.

Com esse objectivo de derrotar a guerrilha mobilizaram dezenas de batalhões e brigadas móveis rumo ao sul e lançaram grandes e sustentadas operações em outras áreas do país. Instalaram postos de comando com oficiais gringos em Larandia e Três Esquinas, Caquetá, nos umbrais da Amazónia que cobiçam. Activaram satélites espiões e aparelhos com tecnologia militar de ponta. Desenvolveram cercos estratégicos, bloquearam zonas camponesas, deslocaram a população, assassinaram e desapareceram civis, incendiaram parcelas, roubaram gados, bombardearam dia e noite, trilharam selva e cordilheiras, e não puderam em cinco mostrar um resultado contundente. Só o desgaste inútil e a quebra da vontade de luta das tropas oficiais que morrem na selva ou dela saem lesionadas, porque assim o quer um guerreirista louco que vocifera em Bogotá e despede generais por ausência de resultados ou comunicados de vitória.

Da pólvora e do fragor dos combates está a surgir uma força guerrilheira de novo tipo, forjada nas manobras inimigas e no choque com as novas tecnologias da operatividade contra-insurgente, guerrilha que é verdadeiro poder de fogo político e militar ao serviço da causa popular.

Mas paralelamente ao desenvolvimento do Plano Patriota nos diferentes teatros de operações, o governo vai entronizando o delito de opinião, a repressão da consciência, até chegar a encarcerar mais de 150 mil cidadãos acusando-os de simpatizar com a guerrilha. Com o objectivo de dissuadir o apoio ao projecto político e social da insurgência está a cercear-se na Colômbia o direito universal à opção política. Não lhe bastou eliminar fisicamente toda uma geração de revolucionários que se incorporaram à União Patriótica como alternativa legal de mudança; agora querem impor um pensamento, o da nova inquisição, da direita e do fascismo. Um pensamento que criminaliza o protestos social com o conto de que por trás de toda mobilização popular contra as políticas do governo está a guerrilha. Um autoritarismo que desejaria varrer com a autonomia e a independência dos outros ramos do poder público para estabelecer sem sobressaltos constitucionais o reino da tirania, que só tolera as oposições que não proponham a mudança do statu quo, das estruturas da opressão.

4. Esta direita fascista activou o orçamento da nação em função da guerra e o resultado é o desastre social. Crianças que morrem de fome, crescimento da pobreza e da marginalidade, abandono total dos projectos de construção de habitação popular, a maioria da população sem serviços de água, luz e esgotos. Indiferença do governo frente à carência de escolas, colégios e professores porque optou pela privatização deste serviço, tal como o da saúde. Corte das transferência que paralisa o desenvolvimento das regiões. Venda de empresas rentáveis do Estado para conseguir mais recursos para a guerra. Privatização paulatina de empresas estratégicas como ECOPETROL. Incremento dos índices de desemprego e subemprego sob o impulso da flexibilização laboral que pisoteia os direitos dos trabalhadores e dispara os lucros dos empresários. Fome e alto custo de vida é o que geram as políticas do Estado contra a massa popular. Perspectivas de agudização da crise social com a aprovação do TLC (Tratado de Livre Comércio) que atenta contra a pátria, a soberania e a qualidade de vida dos colombianos.

A perfídia com que actua o Estado deve ser respondida com a mobilização de povo em acções de rua e bloqueio de estradas que paralisem o país na exigência dos direitos pisoteados a fim de constatar na luta de massas a força dos de baixo e buscar a convergência de todos os sectores democráticos sob uma só bandeira política e social tendo em vista formar um novo governo que trabalhe pela paz, pela justiça social e pelo resgate da dignidade e da soberania do povo da Colômbia.

5. Para a construção desta alternativa pomos à consideração do país, das suas organizações política e sociais, de todo o povo, a Plataforma Bolivariana pela Nova Colômbia para abrir a discussão e o intercâmbio em torno das bandeiras e do programa de um novo governo que sugerimos patriótico, democrático, bolivariano, rumo a uma nova ordem social, comprometido na solução política do grave conflito que vive o país.

Uma governo cuja divisa em política internacional seja a Pátria Grande e o Socialismo e que priorize a integração dos povos da Nossa América. Por isso a política de fronteiras das FARC opta pela irmanação e não pela confrontação com os exércitos dos países vizinhos. Nossa luta é de resistência e libertação frente ao regime opressor colombiano.

Um novo governo que materialize o projecto político e social do Libertador, que conforme um novo Exército Bolivariano para a defesa da pátria e das garantias sociais. Uma nova ordem edificada sobre a democracia e a soberania do povo, que agregue aos ramos do poder público os poderes moral e eleitoral, que institua o congresso unicameral e a revogatória do mandato. Um novo sistema de governo que castigue com severidade a corrupção e a impunidade, que ponha fim à política neoliberal, que estimule a produção nas suas diversas modalidades, que assuma o controle dos sectores estratégicos, que faça respeitar nossa soberania sobre os recursos naturais e que implemente políticas eficazes de preservação do meio ambiente. Um governo que trabalhe pela gratuidade da educação a todos os níveis, que instrumente a redenção social, a justiça agrária, que renegocie os contratos com as transnacionais que sejam lesivos para a nação, que deixe sem vigência os pactos militares, tratados e convénios que manchem a soberania da pátria, que não extradite nacionais, que objecte ao pagamento da dívida externa naqueles empréstimos viciados de dolo em qualquer das suas fases. Um governo cuja divisa em política internacional seja a Pátria Grande e o Socialismo e que priorize as tarefas da integração dos povos na Nossa América.

É hora de analisar e seleccionar a rota que nos conduza à paz, à independência, à justiça social, à democracia e à unidade como caminho para sobreviver e enfrentar com êxito as políticas dos impérios.

6. A paz é um processo, um bem comum que requer de todos a preparação do terreno para que germine. Não se consegue da noite para o dia. Necessita novas estruturas económicas, políticas e sociais que a sustentem, mudanças como as que sugere a Plataforma Bolivariana pela Nova Colômbia.

Não haverá paz dos sepulcros. Todos os planos militares da oligarquias e do império para exterminar a insurgência, desde o LASO (Latin American Security Operation) executado em Marquetália, até o Patriota, fracassaram porque o levantamento armado por causa sociais, económicas e políticas não se derrota nem com bombas, nem com chumbo, nem com tecnologias recém-criadas.

Por insânia ou demagogia eleitoreira, Uribe anunciou estar disposto a oficializar uma zona de encontro para firmar a paz em três meses. Os 43 anos de confrontação não se superam em tão curto tempo. A problemática política, económica, social, cultural, ambiental e de soberania do país não se pode resolver em três meses, a não ser que alguma das partes haja derrotado o contendor, e este não é o caso. Uribe não é o homem para a paz na Colômbia. Não está programado pelos gringos para isso. Um tipo que nem sequer reconhece a existência do conflito armado não conseguirá a paz por nenhuma via. Só um novo governo patriótico e democrático, soberano, poderá conseguir a paz negociada, não um governo títere da Casa Branca. Seria preciso um governo compenetrado da necessidade da paz que, apoiado no povo e no interesse nacional, tomasse a decisão de fazer regressar as tropas aos seus quartéis, reduzisse drasticamente o orçamento da guerra em favor do investimento social e exigisse a saída do país das tropas e assessores estado-unidenses intrometidos no conflito interno e factor atiçador da guerra, para dar o passo resoluto aos diálogos de paz.

7. A paz merece todos os esforços e sacrifícios do país e começa com o consenso das suas forças fundamentais, das suas organizações políticas e sociais, de criar entre todos uma nova alternativa política de poder que se converta em governo soberano e digno, altivo frente a Washington, empenhado na maior soma de felicidade possível para o povo segundo o mandato do Libertador.

É necessário começar o quanto antes o intercâmbio e o reencontro de todos os actores da transformação social e da paz, incluída a guerrilha, em torno desta perspectiva. Aqueles que a partir da servidão do estabelecimento pregam a exclusão da insurgência com argumentos rebuscados, fazem-no para induzir a formação de uma alternativa enfermiça que seja presa fácil dos poderosos exploradores de sempre.

Propomos arrancar o mais depressa possível com os primeiros contactos clandestinos, sem dar importância ao governo, a fim de acordar um roteiro e ir esboçando colectivamente alguns traços programáticos para a redenção da Colômbia.

Convidamos a este diálogo os dirigentes revolucionários, os sectores democráticos dos partidos, a gente avançada do clero, os militares patriotas e bolivarianos, os líderes operários e camponeses, estudantis e comunais, indígenas, as negritudes, os educadores, as mulheres... a todas as lideranças populares, para juntar anseios e empreender juntos o caminho rumo à Nova Colômbia.

O objectivo é a criação de uma alternativa para a mudança, surgida de um Grande Acordo Nacional pela paz, justiça, soberania e decoro da nação, que se proponha um novo governo para salvar a Colômbia do abismo, para recuperar a dignidade manchada pelo governo foragido de fascistas narco-paramilitares abençoados por Washington, uma nova condução dos destinos da pátria que proscreva a repressiva e espoliadora Seguridad Democrática do império e da política neoliberal, que resgate a soberania do povo, reestruture o Estado a fim de garantir o bem comum e forme um Exército Bolivariano guiado pelo amor ao povo, à justiça social e à defesa da Pátria. Enfim, um governo que convoque uma Assembleia Nacional Constituinte para nos dar uma nova Constituição que referende as mudanças em favor do povo, rumo à paz e à convivência, a verdadeira democracia, a soberania e a integração solidária dos povos, como mandatos emanados desse grande Pacto Social.

Não nos resta outra alternativa senão buscarmos unidos o caminho para sair desta noite escura, orientados pelo vislumbre da justiça e pela nova alvorada da Grande Colômbia.

Rumo à Nova Colômbia, Acordo Nacional pela Paz

Secretariado do Estado Maior Central das FARC

Montanhas da Colômbia, Setembro de 2007

O original encontra-se em http://www.farcep.org/?node=2,3444,1

Este manifesto encontra-se em http://resistir.info/ .

Descentralização do Poder na Venezuela