quinta-feira, 14 de junho de 2007

A Realidade e minhas lembranças

Caminhava por uma das estreitas ruas do centro de Curitiba. Duas da manhã de uma madrugada cinzenta e um tanto fria.
Os vapores etílicos já dominavam meus pensamentos e minha visão. Pensava em ir para casa, ao menos essa foi a desculpa pela qual deixei todos naquela mesa repleta de garrafas cheias e vazias, de todas as coisas, de todos os loucos.
Agora, o ar da madrugada vem a restabelecer o meu instinto sedento por álcool, pela boemia, pela noite em todas as suas cores e tons.
De um lado, mais uma daquelas turmas reunidas para a alienação ao som batido e repetido dos computadores que substituem artistas e poetas, em locais obscuros que abrigam os que buscam esconder sua sexualidade não aceita pela hipocrisia de toda a sociedade, mas sem abrir mão de exercê-la.
Odeio tais lugares. Não pela presença dos que possuem tal orientação sexual, mas principalmente pela música. E também por ter que explicar a todo instante que não estou procurando algum parceiro do mesmo sexo.
De outro lado, um grupo formado por prostitutas, traficantes e viciados. Esse povo é legal, mas não aceitam muito bem quem chega sem gastar e sem ser apresentado. E hoje não quero drogas, nem sexo pago. Só quero beber e falar. Só quero beber. Mas não com aqueles que se dizem meus amigos. Estou cansado da mesmice e da mediocridade.
Olho em frente. A ladeira que subo não apresenta nada do que já foi essa cidade. Cadê o bar? Cadê o clássico e humilde bar de minha cidade? O bar da meia pinga, do guaco, da losna, do roll-mops? Parece que a cidade de Leminski está sendo enterrada por essa juventude do consumo enlatado, da moda televisiva, da “long neck” com limão.
Mais alguns passos entre figuras de preto, homens de maquiagem pesada, moleques contando vantagem de coisas que nem sonharam em fazer. Uma imagem familiar. Umas prateleiras de bar repletas de garrafas de cachaça e coisas do gênero. No balcão, alguns potes de conserva. Mas parecem estar lá apenas como enfeite, já que não há nada dentro deles. Dentro, em frente, em volta, figuras que falam em inconformismo e rebeldia. Mas acham que rebeldia é usar roupa preta e ficar sem tomar banho. Ao menos o cheiro me lembra as conservas que faltam no bar. A menina no canto do balcão tem cheiro de roll-mops, acho que vou cantá-la. O cara contando uma nova versão da vida do Raul Seixas, ao meu lado, tem cheiro de vina em conserva com pepino azedo. Tem alguém com cheiro de ovo colorido, acho que é o dono do bar.
Peço uma cachaça de guaco. Não tem. Então olho, procuro alguma outra erva conhecida. Mas de erva conhecida, só os baseados que rolam de mão em mão, ainda apagados. Então peço um daqueles conhaques de “borracha”, presidente, dreher, qualquer coisa. E uma cerveja, claro. O copo veio engordurado. Ao menos uma boa coisa.
Vou bebendo quieto, como só em Curitiba é possível. Como isso é bom. Mas sempre prestando atenção em tudo o que acontece ao meu redor. Tem uma moça que está revoltada porque o pai cortou-lhe a mesada depois que ela deixou de tomar banho. Que pai cruel. Outro rapaz está programando espancar o patrão se ele não lhe pagar o salário de quatro meses atrás, porque os bares não querem mais vender fiado pra ele.
Uma figura estranha aproxima-se de mim. Pergunta-me se tenho fogo. Lhe olho de cima a baixo, ou de baixo a cima, não me lembro ao certo. Notei que a figura estranha parecia tomar banho diariamente, não estava de preto, não tinha adereços pendurados no corpo além dos brincos, possuía um corpo muito bonito, o rosto idem. Não pensei em outra reação:
- Ô!
Ela sorriu-me.
Devolvi o sorriso.
Ela baixou a cabeça.
Perguntei seu nome.
Ela respondeu-me.
Eu me esqueci no ato.
Ela levou o cigarro à boca novamente.
Eu o acendi.
Ela disse “tchau”.
Eu respondi.
Ela virou-se e voltou para uma mesa cheia de figuras típicas do local.
Virei novamente em direção ao balcão e continuei com meu conhaque vagabundo, a cerveja em copo engordurado e a nova versão sobre a vida do Raul.
Cadê minha Curitiba perdida?

As "Emoções"

Emoções. Que entidade mística é essa?
Não conheço emoções, conheço o amor, o ódio e os derivados de ambos, não essa abstração de “emoções”.
Procuro pelo primeiro, me esquivo do segundo.
Mas na proteção que busco, acabo por desviar de ambos.
Nem amado, nem odiado. Não me entrego, nem me revelo.
E na razão me refugio, imaginando que um dia, talvez por mágica, quebre-se o casco.
E até lá, permaneço sem o sono, na insônia, carregando meus sonhos.

A Arte Revolucionária de Amar

Falar de amor todos falam, mas saber amar, saber encontrar e entender o amor, parece algo cada vez mais distante de nosso mundo.

“Eu te amo”, logo após o primeiro beijo naquela pessoa a quem no máximo se dedicava um ou outro olhar, puro instinto da atração física. Esse é o amor de hoje, o fast love.

A sedução, não vejo mais. O carinho, o olhar terno, o beijo apaixonado e sincero, a carícia involuntária, o olhar distante, levando a mente ao olhar iluminado dela... ... isso não mais nos pertence, não mais nos é próprio, não mais nos causa orgulho.

E a vergonha de falar de amor, a necessidade do consumo rápido e volumoso, em quantidades crescentes e infinitas, num verdadeiro jogo, numa disputa, por demonstrar a superior capacidade de consumo, também nesse mercado, nos retira o que de mais caro existe na condição humana.

Estamos perdendo a capacidade poética de amar.

E o mercado do amor rápido e descartável é exigente. No jogo da oferta e demanda, a solidão derruba seu valor de mercado, pela valorização do produto, vale até o amor promocional, dado em quantia inferior, por curtíssimo período, apenas para garantir preço futuro.

Amar tornou-se um ato dos revolucionários, dos que não se conformam com a crueldade da realidade, que buscam nos sonhos a inspiração para a transformação daquilo que os cerca. Amar, o amor verdadeiro, tornou-se um grito de protesto e inconformismo, contra a realidade da superficialidade de uma falsa representação da alma humana.

Um ato não, uma arte, em toda a sua sutileza singela, em toda a sua magnífica beleza. A arte revolucionária de amar!