terça-feira, 15 de abril de 2008

CARTA DE PRAIA GRANDE


Nota Política do Comitê Central do PCB, por ocasião da Conferência Nacional de Organização do PCB, realizada em Praia Grande, de 21 a 23 de março de 2008

Aos trabalhadores brasileiros

O capitalismo, a cada dia, mostra com mais clareza a sua real face: os capitais circulam livremente pelo mundo, apoiados por políticas neoliberais, gerando riquezas que se concentram cada vez mais em menos mãos e impondo, em toda parte, a precarização do trabalho, a redução do poder aquisitivo dos salários, e a perda de garantias sociais e de direitos trabalhistas.

O capitalismo vive mais uma crise, gerada, principalmente, pela queda da economia americana, que pode alastrar-se por todo o mundo. As respostas do capital à crise são conhecidas: mais exploração dos trabalhadores, mais desemprego, mais destruição do meio ambiente. Para os Estados Unidos e seus aliados, a guerra e as agressões armadas a países soberanos são também uma solução para as crises. Com a guerra, estes países podem vender armas e saquear as riquezas naturais dos povos.

Mas crescem, também, as respostas da classe trabalhadora a este quadro, em várias partes do mundo. A América Latina vive um momento histórico: nossos povos já não aceitam as políticas neoliberais. Estas políticas vêm sendo derrotadas por ações de mobilização de massas, por processos eleitorais e, em alguns casos, pela insurgência e pela violência revolucionária; Equador, Venezuela, Bolívia e Nicarágua têm governos que romperam com o neoliberalismo e com as pretensões hegemônicas dos Estados Unidos; na Venezuela e na Bolívia, em particular, os trabalhadores se organizam, participam das decisões políticas e constróem um caminho para o socialismo. É fato relevante que as recentes vitórias eleitorais de frentes antiliberais e de esquerda, na América Latina, que levaram a mudanças sociais efetivas, foram aquelas em que o processo eleitoral foi gerado e respaldado pelo movimento de massas.

A inadmissível invasão ao Equador pelo governo fascista da Colômbia, apoiado pelos EUA, foi um triste exemplo do desespero do governo norteamericano e das oligarquias locais frente aos avanços sociais que vêm se acumulando nestes países. Os EUA e as oligarquias colombianas precisam da guerra para manter seu domínio. No entanto, as pretensões hegemonistas estadunidenses encontram cada vez menos apoio em toda a região, como prova a derrota dos EUA e da Colômbia na recente reunião da Organização dos Estados Americanos - OEA -, que condenou a agressão ao Equador por 33 votos a 2.

O PCB dá sua solidariedade militante ao processo revolucionário e às lutas antiimperialistas na Venezuela, na Bolívia, no Equador e em outros países. Apoiamos os esforços do Presidente Chávez, no sentido de considerar as FARC como força beligerante e evitar uma guerra entre países irmãos. Repudiamos o governo fascista e narcotraficante da Colômbia, lacaio dos Estados Unidos, que apóia a intenção de Bush de transformar a Colômbia em uma grande base militar para desempenhar, na América Latina, o mesmo papel que Israel desempenha no Oriente Médio.

Prestamos nossa homenagem ao Comandante Fidel Castro e à revolução cubana, que segue firme na consolidação do socialismo. O PCB se empenha para que a luta dos povos contra o imperialismo leve à superação do capitalismo, na conquista de uma sociedade sem explorados nem exploradores: uma sociedade socialista, na perspectiva do comunismo.

No Brasil, o capitalismo se reorganizou e se integrou, de forma subalterna, à economia mundial. As empresas brasileiras se internacionalizaram, são controladas, em sua maioria, por capitais estrangeiros, e se expandem para o exterior, como transnacionais. No caso dos países da América Latina, as ações das empresas brasileiras revelam a intenção da burguesia brasileira de exercer hegemonia política na região, num papel sub-imperialista. Esta reorganização do capitalismo, apoiada pelas políticas neoliberais voltadas para a facilitação da circulação dos capitais, proporciona um certo grau de crescimento econômico gerado pela abertura dos mercados. Este crescimento, entretanto, é de natureza desigual, que concentra a renda e oferece empregos mais e mais precarizados.

O governo Lula é um governo voltado para os interesses do capital. Lula dá continuidade às reformas neoliberais, diminuindo direitos trabalhistas - com a reforma fatiada desta legislação - e previdenciários ao mesmo tempo em que favorece os banqueiros e o grande capital. Nunca houve tanto lucro para os bancos, para as empresas comerciais e industriais. Nos últimos anos, a reforma agrária recuou, tendo sido fortalecido o modelo agroindustrial exportador.

Voltada para a manutenção das condições de exploração do trabalho pelo capital, a política econômica sequer consegue baixar as taxas de juros para acelerar o crescimento e expõe o Brasil à crise que se avizinha. A contrapartida oferecida aos trabalhadores resume-se a bolsas de subsistência e a alguns poucos programas sociais de pequeno alcance.

Mas os trabalhadores brasileiros também vêm se mobilizando, vêm resistindo e barrando tentativas do governo de retirar seus direitos. O PCB participa da organização da INTERSINDICAL como um instrumento de intervenção dos trabalhadores contra os desmandos do capital. Propomos a realização de um grande Encontro Nacional da Classe Trabalhadora - o ENCLAT - para unir todos os segmentos da classe trabalhadora e todas as organizações que os representam, no rumo da construção de uma central sindical unitária para elevar o patamar da luta de classes no Brasil.

O PCB faz oposição independente e de esquerda ao governo Lula. Propomos a Unidade dos Comunistas e uma frente política formada por organizações políticas e sociais populares que seja uma alternativa de esquerda ao governo e ao capital.

O PCB defende a unidade da classe operária, dos trabalhadores da cidade e do campo, da juventude e da intelectualidade, na construção de um bloco histórico que mude os rumos do Brasil, em direção ao socialismo. Para os comunistas, só uma sociedade socialista pode garantir uma vida digna para o nosso povo.

Toda a solidariedade aos governos progressistas da América Latina Nenhum direito a menos para os trabalhadores. Avançar nas conquistas Todo apoio à causa Palestina
Fora Estados Unidos do Iraque e do Afeganistão
Pela Unidade dos Comunistas
Viva o Socialismo
Viva o Comunismo
Nosso tributo ao Comandante Raúl Reyes

Viva o 25 de março, Viva os 86 anos do PCB
Viva O PCB

O caso Isabella e o jogo de cena das "novelas jornalísticas"

Dessa vez estou correndo sério perigo. Perigo duplo, diga-se de passagem.

Recebi a presente entrevista por e-mail, que supostamente seria do Terra Magazine.

Por seu conteúdo extremamente relevante, não resisti e sou obrigado a publicar. Aí residem os riscos a que estou sujeito.

Se realmente for uma entrevista do Terra Magazine, corro o risco de responder pela reprodução não autorizada do material. Se não for, corro o risco de responder por atribuir-lhes a autoria de algo com o que talvez não concordem.

De qualquer forma, publico. Se pode servir para algo, deixo registrado os meus parabéns à publicação, caso realmente seja sua entrevista, pela qualidade e significância do tema abordado. Caso não seja, fique feliz por alguém poder imaginar que são capazes de algo de tão elevada qualidade.

Segue o artigo:

Claudio Leal

A morte de Isabella Nardoni, 5 anos, deu início a uma novela midiática à procura de desfecho. Em 29 de março, a menina morreu após uma queda da janela do apartamento do pai, Alexandre, na Zona Norte de São Paulo. A polícia investiga a autoria do crime e tem como principais suspeitos o pai e a madrasta de Isabella, Anna Carolina.

Há indícios de que ela tenha sido assassinada. Esse é o enredo central. O resto, segundo o antropólogo Roberto Albergaria, é a construção de uma novela "trágica" e "doentia".
Doutor em Antropologia pela Universidade de Paris VII e professor da Universidade Federal da Bahia, Albergaria critica os exageros da cobertura midiática e aponta uma abordagem "classista" e "racialista" do crime. "Porque é uma menina de classe média, bonitinha, e aí vem a estética", afirma.

- Há um lado doentio, e quem alimenta essa doença, que se tornou uma epidemia como a dengue, é a própria mídia. Porque há um viés "comunicacionista" ao se alimentar de forma mórbida uma história trágica. E transformar essa história trágica numa novela, no mesmo estilo das novelas das grandes televisões: mexicana.

Reviravoltas, vídeos da menina, sangue nas camisas, testemunhas surpreendentes (o garçom do bar em que a tia de Isabella estava no dia da morte), os parentes, os vizinhos (personagens fatais na obra de Nelson Rodrigues), compõem o painel da novela. Para Albergaria, o crime virou "metade da pauta da mídia durante semanas e semanas".

- O caso da menina veio a calhar para a mídia porque junta todas essas determinações: o classismo, o racialismo, o infantilismo... E, sobretudo, o "comunicacionismo", uma das coisas mais doentias que existe hoje. É você explorar algumas misérias, seletivamente, como forma de emocionar as multidões.

O antropólogo enxerga outra distorção: ajudada pelo mistério, a novela em que se transformou o caso Isabella vale mais do que os fatos, e tira do debate público temas mais relevantes.

- A mídia é o grande filtro. O espaço ocupado por essa menina é o espaço retirado de coisas muito mais importantes para a vida coletiva. Mas isso é um fato emocionante. A emoção vale mais do que a razão. A novela, o enredo, vale mais do que o fato - analisa Albergaria.

A seguir, a íntegra da entrevista.

Terra Magazine - Como o senhor analisa a cobertura do caso Isabella na mídia? Os vizinhos, a tia, a roupa, o sangue, os vídeos... Há um lado doentio nesse interesse minimalista?
Roberto Albergaria - Há, sim. Há um lado doentio, e quem alimenta essa doença, que se tornou uma epidemia como a dengue, é a própria mídia. Porque há um viés "comunicacionista" ao se alimentar de forma mórbida uma história trágica. E transformar essa história trágica numa novela, no mesmo estilo das novelas das grandes televisões: mexicana. É você transformar um fato, evidentemente grave, em metade da pauta da mídia durante semanas e semanas. Até que apareça outro. Não é uma questão puramente brasileira. É como aconteceu na Europa com o caso Madeleine. Por que essa menina foi escolhida como a bola da vez, a coitadinha da vez? Primeiro, porque já havia o modelo europeu. O caso Madeleine é alimentado por jornais sensacionalistas ingleses. Houve até recompensas. Segundo, ela é, digamos assim, "a vítima ideal". Porque há um viés classista.

Por que classista?
Porque é uma menina de classe média, bonitinha, e aí vem a estética. Se ela fosse muito feia, se ela fosse um pequeno "canhão", não daria. As revistas semanais escolheram as fotos mais fotogênicas pra ressaltar isso.

E não é um caso, aparentemente, para um Sherlock Holmes...
É isso. Não existe mais muita diferença entre o jornalismo e a ficção, entre a novela e o jornal das 20h. O tratamento dado a um fato verdadeiro é o mesmo dado a um fato novelesco. Vão fazer render esta novela com todos os ingredientes possíveis. Aí entra o que eu chamei de viés classista. Ela é uma menina de classe média, branquinha. Na maioria dos Estados brasileiros, sobretudo aqui na Bahia, onde você tem uma maioria negro-mestiça, uma menina branca vale mais do que uma menina negra. Do ponto de vista dos Estados nordestinos, há esse lado racialista. A mídia dá um centímetro para as meninas negras que morrem.

Há muitas mortes de crianças na epidemia de dengue no Rio.
São geralmente crianças pobres. A mídia pega um caso de pobre e dois de ricos. Mas, no Rio de Janeiro, não há o elemento do mistério. Há a política. O que as pessoas querem é o filtro do mistério, da novela, da descoberta... Pra você entender esse caso, há um concurso de causas e circunstâncias. É um infanticídio. Na sociedade ocidental, o infanticídio é um pecado, uma falta muito forte. A possibilidade de ela ter sido morta por um dos pais é também um elemento de grande emoção para o público telespectador caseiro. Hoje se dá muito valor às crianças. Antigamente elas não eram importantes.

Quando é que nasce a valorização da infância?
Nasce no século XVIII, com o mundo burguês. A criança se tornou o menino-rei, o núcleo simbólico da família nuclear burguesa. Antes, nas famílias aristocráticas, nas famílias pobres, você tinha unidades familiares com vários filhos. A perda de um filho era a perda de um único filho, não fazia tanta falta quanto iria fazer no mundo burguês, que tem no filho o futuro daquela unidade familiar. Além disso, eram poucos os filhos. Agora, há o filho único. Então, há esse viés infantilista, ou juvenicista, que tem a ver com a própria cultura contemporânea. O caso da menina veio a calhar para a mídia porque junta todas essas determinações: o classismo, o racialismo, o infantilismo - e o medo, o assombro, a tragédia do infanticídio. E, sobretudo, o "comunicacionismo", uma das coisas mais doentias que existe hoje. É você explorar algumas misérias, seletivamente, como forma de emocionar as multidões.

Qual é o grau de envolvimento dos jornalistas com essas tragédias?
O jornalismo passa a se envolver, no Brasil ainda pouco. Os jornais sensacionalistas ingleses chegaram a oferecer recompensas milionárias no caso Madeleine. É como se o jornalismo fosse parte dessa novela, parte integrante das investigações, das denúncias. Sobretudo na definição do que é importante para o telespectador, o ouvinte ou o leitor, ter como elemento de reflexão. A mídia é o grande filtro. O espaço ocupado por essa menina é o espaço retirado de coisas muito mais importantes para a vida coletiva. Mas isso é um fato emocionante. A emoção vale mais do que a razão. A novela, o enredo, vale mais do que o fato.