quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Fim da CPMF Não Afetará Especuladores, Superávit e Pagamento de Juros



Com a derrota na tentativa de prorrogação da CPMF, o governo perdeu 40 bilhões de reais de arrecadação ao ano. É um impacto significativo no orçamento da União, que obrigará a realização de ajustes para o orçamento de 2008.

Alguém, em algum dos fóruns de discussão da internet, levantou a questão do superávit primário, como ponto que poderia ser rediscutido na questão do orçamento, ponto em que nenhum dos governistas havia tocado até então, que apenas foi citado na passant em alguns órgãos de imprensa.

Mas a questão do superávit primário, da política monetária e questões conexas, foi levantada de forma mais incisiva pelo próprio mercado financeiro, agências de classificação de risco e investidores, todos apontando o “temor” acerca de possíveis mudanças que “prejudicassem” o superávit.

O orçamento da saúde, as transações correntes, os investimentos em infra-estrutura, só foram lembrados por alguns membros do governo nos discursos políticos que buscam imputar a responsabilidade por possíveis problemas futuros à oposição. Mas todas as dúvidas já deveriam começar a se desfazer pelas declarações da ex-líder do PT no senado, ao afirmar, logo após a votação, que “Mas pelo menos garantimos a rolagem da dívida”, deixando claro qual é a prioridade do governo.

E hoje, a voz do governo na área econômica, o ministro da fazenda, Guido Mantega, esclareceu o assunto, ao dizer que “As contas públicas continuarão em equilíbrio. A trajetória entre dívida e PIB continuará em queda.”, afirmando de forma categórica que o superávit primário será mantido em 3,8% do PIB.

Cabe ressaltar que, ao manter o superávit primário em 3,8% do PIB, não só estarão mantendo essa destinação de recursos para o pagamento de juros e remuneração do capital especulativo, como haverá um crescimento do superávit em relação à arrecadação, visto que a arrecadação diminuiu o superávit não.

Assim o governo define, de forma inquestionável, as suas prioridades, o foco de toda a sua ação. E mais uma vez, Mantega escancara, afirmando que a maior prejudicada será a saúde, já descartando a regulamentação da emenda 29 da Constituição, que destinaria maiores recursos para a saúde, em razão da perda de arrecadação. Mantega afirmou que toda a atividade orçamentária está suspensa, que haverá uma readequação.

Com isso, já temos definido qual é o programa de readequação que o governo fará. Haverá um aumento das alíquotas da Cofins e outros tributos que incidem sobre as folhas de pagamento ou o consumo. Haverá a manutenção do superávit primário em relação ao PIB, com um aumento em relação ao orçamento, por meio de cortes profundos nos investimentos e no custeio da máquina pública. A saúde será a principal prejudicada, com profundos cortes em investimentos e no próprio custeio, sendo previsível seu sucateamento progressivo, aprofundando o caos no setor.

Essas conclusões não são exercícios de “futurologia”, mas a simples declaração do próprio ministro, que afirmou textualmente que “O maior prejuízo ficou para uma área muito sensível para a população brasileira, que é a saúde. Esse segmento iria receber recursos adicionais. Em um primeiro momento essa área ficou prejudicada. Então não vou garantir aqueles programas que haviam sido estabelecidos”.

A conclusão final dessa história é que os únicos que poderão permanecer tranqüilos, após essa derrota do governo, são os mesmos que jogaram contra a prorrogação do tributo, justamente os maiores grupos econômicos, mais os especuladores. E o terror da população parece estar só começando.

Por fim, o governo afirma que o crescimento econômico não será prejudicado. Mas a certeza que temos é que todo o crescimento ficará nas mãos de quem menos precisa dele, justamente os especuladores, os sonegadores e o grupo dos donos da Fiesp.

Melhor o povo parar de ficar doente ou reclamar do desemprego, para não atrapalhar a festa do mercado.

A CPMF e a Vitória da Hipocrisia

Não pretendia discutir aqui a questão da CPMF, por várias razões, dentre as quais vou apontar algumas.

A CPMF foi criada durante o governo FHC, com o argumento de que seria destinado para a saúde. Realmente, no início foi em maior parte para a saúde, não como um complemento, mas como uma substituição simples das verbas anteriormente destinadas para o setor.

É interessante ressaltar que o argumento de destinação da CPMF para a saúde acabou conquistando apoios mesmo na oposição à época. Setores do PT, o PC do B e diversos outros parlamentares oposicionistas votaram a favor do novo tributo. Mas a realidade que se viu foi que a contribuição, à época, apenas serviu para engordar os recursos destinados à remuneração do capital especulativo, com o pagamento de juros exorbitantes da dívida pública sendo eleitos como prioridade absoluta.

Com o tempo, a CPMF foi sendo cada vez mais desvinculada da saúde, inclusive com a DRU (Desvinculação de Receitas da União), que permite ao Governo Federal destinar livremente 20% das verbas do orçamento, também criação do governo FHC.

Junto à DRU, veio o FSE (Fundo Social de Emergência), também de FHC, que abocanhava outra grande parte das verbas para tratar de questões sociais, tomando grande parte da CPMF. MAS o FSE, com a DRU, veio a ser usado para pagamento de juros, compra de goiabada para o Palácio do Planalto, dentre tantas outras coisas importantes para o futuro do país.

Como o governo Lula não apresenta grandes diferenças em relação ao seu antecessor, tais práticas não sofreram mudanças significativas.

Por outro lado, as receitas do Estado Brasileiro, inclusive por conta da política econômica baseada na priorização do pagamento de juros exorbitantes e remuneração do capital especulativo, levam à necessidade extrema de cada centavo da arrecadação com destinação para os investimentos sociais.

A CPMF, de certa forma, entra nesse bolo, tendo alguma importância para a manutenção de inúmeros programas sociais, ao menos enquanto durar essa atual política econômica. Com isso tudo, fica difícil apontar, de forma precisa, se a CPMF tem maiores pontos positivos ou negativos.

Outros pontos a serem considerados, são os aspectos de tributo auto-fiscalizável da CPMF, em contrapartida à sua incidência cumulativa.

A CPMF, sendo cobrada diretamente na movimentação financeira, é o tributo mais seguro existente, sendo elemento que impede a sonegação. Da mesma forma, o cruzamento de informações da cobrança da CPMF com as declarações de receitas, leva a uma fácil detecção de fraudes e sonegações. Talvez seja esse o ponto que explica a razão de parcela significativa da classe empresarial, liderados pela FIESP, apontar a CPMF como o grande vilão da carga tributária, sendo que PIS e Cofins representam, formalmente, um custo 3 vezes maior às empresas.

A explicação é óbvia: Pis e Cofins são sonegáveis, a CPMF não.

Por outro lado, é correto o argumento de que a CPMF é um tributo cumulativo, vez que não taxa o faturamento, o lucro ou a renda, mas sim a mera movimentação financeira. Tal fato leva à situação de que operações complexas, multilaterais, ou movimentações do gênero, levam à cobrança do tributo várias vezes sobre os mesmos valores, sobre a mesma aquisição de bens e mercadorias, ou sobre a mesma operação que necessita de vários agentes entre os quais o dinheiro terá movimentação.

Todos esses fatores, mais inúmeros outros que podem ser citados, já são mais que suficientes para uma discussão quase eterna sobre esse tributo, com argumentos favoráveis ou contrários. Mas não foram esses os pontos centrais do debate, nem da derrota da prorrogação do tributo. Nem mesmo a discussão sobre as teorias de Estado mínimo entrou de verdade na pauta o que nos levaria a apontar nossas críticas mais pesadas a tal posicionamento.

Após a derrota da prorrogação da CPMF no Senado, foi interessante observar as declarações dos Senadores.

Para a governista radical, Ideli Salvati (PT-SC) “Os recursos iriam implementar um ritmo maior da distribuição de renda. Foi o quanto pior, melhor. Mas pelo menos garantimos a rolagem da dívida”, o que nos leva a pensar sobre as razões de o tributo não ter servido até agora para a implementação desse maior ritmo do qual ela fala. Mas o final da declaração, apontando a prioridade econômica do governo já responde essa dúvida, pois aponta que a real destinação da contribuição é permitir o ritmo de remuneração do capital especulativo que investe na dívida pública brasileira, o que faz com que a CPMF jamais fosse realmente uma impulsionadora de tais políticas de distribuição de renda.

Mas foram as declarações dos governistas as mais esclarecedoras.

Para o mestre da ironia demagógica no Senado, José Agripino Maia (DEMO-RN), “O governo vai ter que entender que a relação com a oposição tem que ser de respeito, e não com menosprezo ou impulso, como eles fizeram com o DEM”, comprovando que a postura de ser favorável à CPMF para FHC e contrário à CPMF para Lula, nada tem de convicção política, econômica ou ideológica. Nada mais foi do que um ato de agressão ao governo e de melindre por não estar no governo, não recebendo as benesses e a atenção desejadas.

No mesmo rumo foi o Senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), representante do coronelismo na casa, ao afirmar que a prorrogação da CPMF foi derrotada porque “O governo e o presidente Lula estão numa soberba muito grande.", demonstrando que a atitude de parte dos Senadores que votaram contra o tributo foi apenas reflexo de alguns melindres por favores e coisas inconfessáveis não atendidas.

Se em parte da sociedade continua o debate acerca dos benefícios e malefícios dessa decisão do Senado, sobre o caráter positivo ou negativo do tributo, ao menos uma certeza nós já temos como absoluta: a forma e as razões da derrota da CPMF no Senado, pela maioria dos votos que definiram a questão, foi uma derrota do Brasil.

Não se trata de dizer que o tributo era favorável ao Brasil, pelo contrário, mas que a postura fisiológica ou aparelhista dos senadores é um franco ataque contra o país. E mais uma vez constatamos que todos os discursos de suposta defesa do país, não passavam de pura demagogia e hipocrisia.
Mais uma vez, parece que a hipocrisia venceu.