segunda-feira, 24 de março de 2008

As FARC política e as políticas das FARC – parte II

Como movimento de resistência, as FARC já traziam em sua origem o acúmulo de experiência da antiga resistência popular com participação liberal, que alcançou não apenas seu objetivo inicial de garantir a vida, mas também algumas conquistas, ainda que pontuais e transitórias, inimagináveis antes de tal movimentação.

Diante desse quadro, as FARC-EP, em sua formação extremamente plural, pôde analisar aspectos mais amplos para traçar objetivos não apenas táticos, mas estratégicos para a guerrilha, que agora não se via isolada em apenas uma região do país, num movimento defensivo. Essa nova organização, agora presente em todo o território nacional, contando com todo um leque de experiências da antiga resistência armada, que se somava às experiências de lutas de diversos movimentos sociais cujos líderes acabaram por se integrar à guerrilha, mais a experiência de atuação e organização política dos comunistas, agora podia vislumbrar a possibilidade de uma tomada popular do poder.

Tal realidade provocou extrema preocupação à elite dirigente do país, que viu-se, pela primeira vez na história, acuada pelas possibilidades de um amplo movimento popular que rompia com o monopólio da violência. E a guerrilha também provocou extrema preocupação aos Estados Unidos, que acabara de ver um movimento popular em armas tomar o poder em Cuba, ao lado de seu território.

A plena vigência da guerra fria, o recente êxito da revolução cubana, aliado ao extremo desespero das classes populares colombianas que agora se transformava, com a mesma intensidade, em esperança, acabou por jogar uma responsabilidade de grande monta sobre as FARC e seus dirigentes políticos, que se viram na posição central do conflito de classes e de interesses na Colômbia. Tal responsabilidade acabou por obrigar as FARC a buscar um intenso processo de elaboração política e formação de quadros, além da formação cultural e política intensa de todos os seus integrantes.

No entanto, a forte reação de extrema violência do Estado colombiano, dos paramilitares, dos traficantes que começavam a ganhar cada vez mais poder, agora somados à ação direta de tropas estadunidenses, levou as FARC a enfrentar novos desafios.

No aspecto militar, o desafio das FARC era o enfrentamento de um inimigo que a cada dia ganhava em força e ampliava a brutalidade de suas ações, não apenas contra a guerrilha, mas também contra as populações civis pobres, tidas como inimigos centrais desde sempre pela oligarquia colombiana. Além desse aspecto, a questão de domínio territorial mínimo se tornava um desafio, vez que se tornava imperativo para o desenvolvimento da luta uma ação de fincasse raízes políticas junto às populações nas áreas mais abrangestes possíveis, o que de certa forma restringia a tradicional forma de atuação extremamente móvel dos movimentos guerrilheiros.

Ao mesmo tempo, com a intensificação da ação terrorista do Estado e das forças para-estatais, a guerrilha via-se obrigada a lidar com um problema inusitado, que era a crescente procura de populares por integrar-se à guerrilha, após verem seus familiares e amigos assassinados pelo Estado, pelos traficantes, por forças estrangeiras, ou simplesmente serem desterrados pela “reforma agrárias às avessas”.

Nesse caso, o desafio era tanto o de garantir treinamento militar adequado aos novos integrantes, para não tornarem-se alvos fáceis para o inimigo, como também o de garantir a firmeza ideológica e moral do movimento, para não permitir desvirtuamentos ou problemas que afetassem negativamente o convívio entre os militantes, ou com as populações civis com as quais conviviam.

Nesse sentido, a guerrilha acaba por organizar-se numa estrutura militar hierarquizada, que no tocante ao cotidiano da luta armada acaba por adotar uma linha de rígida disciplina. No entanto, como uma organização eminentemente política e popular, acaba por construir uma estrutura política altamente participativa e democrática, na qual o auge acabou por ser as Conferências, realizadas de forma periódica e alcançando a participação de cada um dos membros da organização.

Ainda restava a ação política da organização fora das fronteiras das regiões de embates militares, que não deveria acontecer apenas pela atuação política do Partido Comunista. E assim as FARC passam a diversificar suas formas de atuação, inclusive mantendo dirigentes populares que buscava a guerrilha em suas lutas populares originais, ou mesmo buscando o intercâmbio com organizações populares e até deslocando muitos de seus militantes.

Com o desenvolvimento da luta, tanto no campo político quanto militar, torna-se cada vez mais necessário o desenvolvimento político da guerrilha, que agora já contava com quadros preparados, nos mais diversos níveis e nas mais diversas regiões do país. E assim a elaboração de políticas públicas da organização, além do desenvolvimento teórico e prático, em termos políticos, organizacionais e culturais, ganha cada vez mais destaque.

Nesse momento, a atuação da guerrilha ganha destaque, passando, apesar da forte atuação militar do estado, dos paras e dos EUA, a controlar grandes regiões do país, tendo sob seu controle, ainda que precário, inteiras cidades, onde torna-se necessário o desenvolvimento de políticas públicas.

Ao lado disso, as proporções numéricas da organização, a presença de famílias inteiras sob a organização da guerrilha, também leva à necessidade de uma infinidade de serviços, organização, questões que vão desde a educação e garantia de saúde, até os elementos mais básicos de sobrevivência, no que as FARC vão se tornando uma organização cada vez mais complexa.

Com as crescentes necessidades ao longo do tempo, além do papel quase que substitutivo do Estado em inteiras regiões, as FARC acabam por ver-se obrigadas a partir para a execução de tarefas anteriormente não previstas para o decorrer da luta, incluindo elementos que vão desde a cobrança de tributos, até a prestação de serviços básicos às populações.

Nesse período, o amadurecimento político constante da guerrilha e dos demais movimentos populares, além do próprio Partido Comunista, levam a luta a uma intensificação cada vez maior de seu papel político, que vai das lutas pontuais e conjunturais dos trabalhadores, inclusive em questões meramente econômicas, até lutas institucionais e mesmo a amplificação das relações internacionais.

No que se refere às relações internacionais, no entanto, a guerrilha passa a enfrentar seu maior desafio, visto a criminalização da organização pelos veículos de comunicação, através de um discurso unilateral do governo colombiano e dos EUA, que as vinculava aos cartéis de tráfico de drogas, que na verdade sempre combateram as FARC ao lado de soldados estadunidenses e colombianos. Entretanto, em diversos momentos, tal discurso perdeu força, com a vinda à tona de diversas vinculações dos chefes do tráfico de drogas com os governantes e com o Estado colombiano, o mesmo que combatia as FARC. Destaca-se, nesse aspecto, a forte ascendência e a alternância no poder dos dois maiores cartéis de drogas do país, o Cartel de Calli e o Cartel de Medellín.

Com o crescimento constante da guerrilha, as perspectivas de sucesso da luta tornam-se cada vez mais claras. No entanto, torna-se também clara a necessidade da vitória no campo político, visto não ser possível estabelecer uma vitória real, naquela conjuntura, apenas através das armas, ainda que sustentados por um amplo movimento popular com a participação direta e massiva das FARC. Ao mesmo tempo, a elite colombiana faz leituras diversas acerca da crescente disposição e pressão das FARC para garantir-se da transposição da luta armada para uma luta eminentemente política. Tais leituras vão desde uma análise de enfraquecimento da guerrilha, que já não ofereceria riscos reais no campo político, razão pela qual se deveria permitir sua institucionalização, até a análise de que seria mais fácil combatê-los, inclusive no campo militar, se eles estivessem atuando de forma aberta e institucionalizada.
(continua ...)