domingo, 19 de agosto de 2007

Porque me Revolto

Noutro dia, em meio a uma conversa sobre política, numa mesa de bar à beira da calçada, eu apresentava um pouco de minha indignação a alguns amigos e conhecidos dos mais despolitizados que tenho.

Claro, não demorou a surgir aquele a dizer “taí o radical. Não liguem, ele é assim mesmo.”.

“Sim”, eu respondi, sou assim porque vejo as coisas a minha volta.

Também não demorou a surgir aquele a perguntar “nossa, mas por que você é revoltado desse jeito?.

Olhei para os lados e logo avistei na calçada aquele senhor, uns 50 anos ou mais, o corpo bastante minguado, rosto sofrido, pouca saúde, com sua senhora ao lado lhe ajudando com o peso do carrinho de papel. Dentro do carrinho, aquela criança de não mais do que uns 4 anos ,roupas sujas, comendo uma banana que nitidamente havia sido jogada no lixo por algum morador daqueles prédios da região central, apenas por estar madura demais. Evidente, não resisti:

- Aquilo. É aquilo que me causa revolta.

- O que? Aquele vagabundo?

- Vagabundo é você! Quero ver você por mais de doze horas puxando aquele carrinho com dezenas de quilos de papel, procurando seu sustento no lixo, seu safado!

- Calma, foi força de expressão! Mas ele está conseguindo o seu. Você queria o que?

- E aquela criança ali dentro do carrinho?

Antes de fazer essa pergunta, eu pensei nas possibilidades lógicas: “ah, essa criança devia estar em casa. E a essa hora, devia estar brincando e preparando-se para dormir.”. Mas se ela estivesse em casa, sendo que os pais precisavam estar na rua, garantindo o sustento da casa, não tardariam a falar que aqueles pais eram irresponsáveis, que estavam a abandonar a pobre criança, produzindo o típico marginal no futuro. E não tardariam a chamar por um conselho tutelar, a buscar por tirar daqueles pais a guarda de seu filho tão amado.

Outra possibilidade: ah, ele devia pensar mais em sua família, em seu filho. Devia arrumar um emprego, colocar a criança numa creche e a essa hora estar em casa cuidando de sua família”. Mas vaga em creche é fácil assim? E emprego, é fácil? Esse homem, procurando emprego, sem qualificação, que emprego poderia arrumar? Imaginem ele buscando emprego, sem qualificação, com essa expressão desgastada pelo tempo e pelo sofrimento. E com que roupas ele haveria de buscar emprego? Daí, enquanto ele procura em vão pela vaga de emprego tão sonhada, o que sua família haveria de comer? Onde eles poderiam morar?

Mas não, a resposta que ouvi eu não poderia imaginar. Foi mais escrota que minhas idéias mais loucas sobre a mesquinhez humana:

- Ah, ele devia ter pensado melhor antes de sair fazendo filho por aí.

- Seu puto! Então pra você um pobre miserável sequer tem direito a sexo ou a ter filhos! É com isso que eu me revolto! Desgraçado!

Levantei-me, paguei minha conta e fui embora.

Preciso me lembrar que não é apenas pela condição dessa gente que eu me revolto, mas pela estupidez daqueles que fazem com que essa gente continue na mesma condição, com sua burrice e ignorância a perpetuar a miséria e a opressão.