terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Os processos políticos contra os povos - A condenação de Ricardo Palmera Parte I

Com informações de ANNCOL - Brasil


Abrindo essa semana, a justiça estadunidense condenou o professor Ricardo Palmera, líder guerrilheiro das FARC conhecido por Simon Trinidad, a 60 anos de prisão em regime fechado. Apesar disso, a pena e a condenação não são os fatores centrais dessa história.

Simon Trinidad é um caso raro da justiça de países que se declaram democráticos no mundo contemporâneo. Trata-se de um caso em que as acusações aconteceram depois das condenações iniciais, que contaram com uma absurda persistência para se confirmar.

Ricardo Palmera foi preso no Equador sem qualquer acusação formal. Apenas foi preso, de forma ilegal, levado à Colômbia e depois extraditado para os EUA sem o devido processo legal para a extradição.

Se isso fosse pouco, cumpre ressaltar que contra Simon Trinidad, até sua prisão, não pesava qualquer acusação, sendo que seu nome sequer havia sido citado em qualquer parte dos processos em que, depois de sua prisão e extradição, passou a figurar como principal réu.

Trata-se, portanto, de uma aberração jurídica sem precedentes no direito contemporâneo em Estados formalmente democráticos.

A acusação real que pesou contra Trinidad após sua prisão e extradição foi a de envolvimento no seqüestro dos 3 oficiais estadunidenses pelas FARC na Colômbia. No entanto, para justificar sua extradição incluíram-se acusações de tráfico internacional de drogas, acusações que sequer tem indícios apontados nos autos de seu processo.

Basicamente podemos dizer que elementos básicos do processo penal, que nada mais são do que garantias mínimas de proteção contra arbitrariedades, foram solenemente ignorados no presente caso. Elementos como a materialidade do crime ou indício de autoria estão entre aqueles que sequer os acusadores colombianos ou os estadunidenses buscaram apontar no início ou no decorrer do processo.

Durante o julgamento, a acusação escancarou sua intenção de julgar não o Homem Ricardo Palmera, mas sim de julgar politicamente as FARC, aplicando a pena corporal de forma simbólica contra Trinidad.

Evidente que um processo montado sem a presença dos elementos mais básicos de uma acusação criminal impôs à justiça estadunidense imensas dificuldades para confirmar a condenação prévia contra Palmera.

Foram 4 julgamentos, tendo os três primeiros anulados em razão da não obtenção da condenação desejada. Três julgamentos políticos que foram incapazes de condenar Trinidad, que permanecia preso em condições proibidas por todos os tratados de direitos humanos, durante todo o processo.

A promotoria arrolou um sem número de testemunhas, todas pessoas que jamais tiveram qualquer contato com Trinidad.

Sobre envolvimento com tráfico de drogas nada se falou. Apenas se tentou vincular Trinidad aos prisioneiros em poder das FARC, no que Pinchao, o oficial que fugiu do cativeiro, seria a principal testemunha.

Mas Pinchao, apesar de todas as vantagens obtidas para testemunhar, apesar de todo o circo montado, não foi capaz de mentir o suficiente para justificar a condenação de Palmera.

Em seu depoimento Pichao acabou, mesmo a contragosto, esclarecendo que jamais tivera contato com Palmera, nem jamais ouvira sua voz. No entanto Pinchao insistiu em dizer que sabia que Simon Trinidad era um dos responsáveis pelo cárcere. Mas deu tal certeza ao mesmo tempo em que dava a certeza de que estivera preso com a ex-candidata presidencial, a franco-colombiana Ingrid Bettancourt, que teria dado aulas de francês ao oficial. No entanto, o marido de Bettancourt, Lecompte, esclareceu que Ingrid simplesmente não sabe falar francês, razão pela qual jamais poderia ter dado aulas do idioma.

E foi assim que se completou o fim da farsa montada, do teatro político que vitima Palmera, o que sequer seria realmente necessário caso houvesse alguma seriedade no processo. Note-se que ao afirmar que “sabia que Trinidad era responsável pelo seqüestro”, Pinchao não apontava nenhum elemento que justificasse tal convicção, pelo contrário, simplesmente apontava que nada sabia de Palmera, que jamais o ouvira ou vira.

E é de se ressaltar que essa trapalhada foi proveniente de um alto-oficial, tido como a principal testemunha contra Trinidad, dentre as inúmeras testemunhas arroladas pela acusação, que têm custado um salário mensal de 15 mil dólares por sua “colaboração”.

Tantas trapalhadas, tantos tropeços, tantas armações desmascaradas, acabaram frustrando a pretensão do governo colombiano e do governo estadunidense de julgar as FARC nas pessoas de Trinidad, nesse julgamento e de Sonia. E isso significa uma grande vitória da defesa de Palmera.

Não é segredo a grande campanha de mídia que tenta promover as FARC, nos Estados Unidos, como um grupo terrorista envolvido com o tráfico de drogas. E também não é novidade o forte apelo de acusações de terrorismo naquele país após os atentados do 11 de setembro. Ainda assim, com tamanha obviedade da falsidade das acusações contra Palmera, três vezes o julgamento terminou sem a condenação do guerrilheiro.

Esse tipo de processo, no entanto, parece não abalar tão profundamente um guerrilheiro que passou a integrar as FARC depois de ver seus maiores amigos assassinados pelo governo, sendo obrigado a enviar sua família para o exílio em razão de inúmeras ameaças de morte, quando ainda estava apenas na luta política.

Trinidad ainda resistiu às piores condições a que um prisioneiro pode ser submetido, como ele mesmo descreveu:

“Desde 8 de fevereiro do ano passado, há pouco mais de um mês de minha extradição, o Departamento de Estado determinou que mantivessem-me sob o sistema de “medidas administrativas especiais” (SAM), em inglês, e por isso é que me mantêm em uma área de segurança máxima desta prisão, encerrado na cela 24 horas por dia, sem direito a ligação, de enviar ou receber correspondência, sem visitas e só posso me reunir com os advogados norte-americanos. E nos últimos 6 meses estas condições têm endurecido ao ponto de no começo do ano me passarem à cela mais isolada, onde não vejo nada diferente dos policiais que me vigiam dia e noite; de dois meses para cá, quando vêm meus advogados, os policiais já não liberam minha mão direita das algemas e cadeias, pelo que me impedem de tomar notas ou para manipular os documentos que analisamos, ou que entrego, ou que recebo de meus advogados.(...)”

Além de tais condições, outros pontos que Trinidad não pôde contar em razão da censura, foram denunciados por seus advogados, que apontam que Trinidad está em uma cela iluminada, 24 horas por dia, por potentes luzes, numa conhecida técnica de tortura e desestabilização psicológica. Simplesmente sob métodos conhecidíssimos e condenados por todos os acordos de direitos humanos no mundo.

E assim, apesar de toda a pressão, de tantas ofertas para que Trinidad “colaborasse” com a “justiça”, delatando os “crimes” da guerrilha, Ricardo Palmera manteve a verdade em sua defesa, mesmo sabendo que a verdade o levaria à condenação farsesca, mas que lhe tiraria a liberdade, por 40 ou 60 anos. E assim se fez.

Trinidad foi condenado, mesmo sem qualquer fundamento na acusação, a 60 anos de prisão em regime fechado, com direito a 5 anos em regime aberto após esses 60 anos, totalizando uma pena de 65 anos, a um homem já com 57 anos de idade, o que torna a pena em prisão perpétua.

Mas as declarações do agora oficialmente preso político, Ricardo Palmera, dadas ao final de seu julgamento, não deixam dúvida quanto as sua convicções inabaladas, apesar da perseguição e de todo o sofrimento:

"Aquí se ha hecho un juicio político de cabo a rabo, aunque el gobierno haya tratado de evitarlo" (…)"Ese carácter político del juicio me complace porque confirma el carácter político de las Farc".

"No olvido que el terrorismo de estado que en Colombia es común motivó mi ingreso a las Farc", dijo. "Por principio, el terrorismo no tiene cabida en mi mente y mi corazón".

Enfim, Ricardo Palmera foi condenado no circo de um julgamento político, mas é absolvido pela história e pela consciência dos povos em luta pelo mundo e pelo seu povo na Colômbia. Palmera perde sua liberdade, mas mantêm intacta sua coerência, sua decência, seus ideais, sua certeza de que a luta de seu povo deve continuar até a vitória, ainda que sua liberdade e sua vida sejam o preço a pagar pela justiça.