segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Ernesto - Che: Do Homem ao Mito

" Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis" (Bertold Brecht)

Um jovem argentino, nascido em uma família de classe média alta, decide cursar medicina. Algo normal, sobretudo na primeira metade do século XX, em que você só era alguém se fosse engenheiro, advogado ou médico, em termos de formação e profissão.

Entretanto, assim como a poesia é capaz de expressar sentimentos que não possuem um tom meramente utilitarista das coisas, o ser humano é capaz de sentimentos sinceros que não possuem vínculo exclusivo com aquilo que eles podem obter de forma egoísta e direta de cada um de seus atos.

E um estudante, de vida confortável, resolve escolher tal vida não como um elemento de “status”, ou como garantia de uma vida confortável como a que possuía até então, mas como forma de dar a sua contribuição para a redução do sofrimento de outros.

Uma visão sonhadora e utópica é verdade. Mas o que seria da vida sem os sonhos e utopias?

Assim, tal estudante, em sua ingenuidade de um jovem bastante alienado acerca da realidade dura da maioria dos homens e mulheres, membro de uma classe média elitista de uma América Latina que busca comparar-se à Europa, não conhecia realmente o sofrimento alheio, mas apenas em livros imaginava algo que não parecia crível àqueles olhos habituados ao conforto.

O contato com a dura realidade, às vezes, pode ser altamente chocante para aqueles que sequer a imaginam.

E assim foi com o jovem Ernesto, o jovem que estava a estudar medicina com um objetivo primordialmente humanitário. A realidade realmente muda mentes e corações, quando o contato é tão real, tão próximo.

Assim, uma aventura de um jovem rebelde e sonhador, altera toda uma história de vida que se torna um exemplo de humanidade e luta por um mundo melhor.

Uma simples viagem de motocicleta, uma aventura, uma farra. Um contato com a miséria e o sofrimento dos povos dos rincões da América Latina. A realidade exposta em suas mais reais e duras cores. Fome, opressão, humilhação. O contato direto com tal realidade altera a visão de mundo de qualquer que tenha um mínimo senso de humanidade, que não tenha aversão à raça humana. E o jovem Ernesto não a tinha.

Da dura realidade nasce um novo Homem, despido, de forma drástica e radical, de sua pureza e ingenuidade, atirado à dura realidade com a força que impulsiona a revolta com que o coração reage à agressão ao mais íntimo do ser humano.

"Se você treme de indignação perante a uma injustiça cometida a qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, então somos companheiros.", diria Ernesto, anos mais tarde, já como Che Guevara, o mito vivo. Sem dúvida, esse sentimento nascera naqueles tempos de descoberta da crueldade e do sofrimento humano.

Esse período não é o mais decantado da vida de Che, mas é de extrema significação para a transformação do jovem asmático de classe média alta, Ernesto, no líder revolucionário Che.

Evidente, a construção de um novo Homem tem nos sentimentos mais puros e sinceros o pressuposto básico, mas que não se tem por suficiente em si, requerendo para tanto, a formação necessária, que só é obtida pelo estudo, ou pela vivência prática de uma nova realidade. Ernesto optou por ambas.

Seu contato com os revolucionários se dá na Venezuela, em meio aos preparativos para a transformação da realidade de todo um povo, para a recuperação da dignidade de um país todo.

Médico de formação, aplicado na tarefa de cuidar do ser humano, Che, já o novo Homem, não Ernesto, o antigo jovem de vida confortável, embarca em sua nova vida, em importante missão libertadora de todo um povo.

Os grandes nomes da história não se constroem apenas do esforço e dedicação, senão teríamos tantos grandes nomes da história, que nem mais se destacariam, pois que seriam a maioria dos homens e mulheres que já viveram e ainda vivem sobre a terra. Os grandes nomes da história se constituem de todo o conteúdo que trazem em si, dos momentos históricos em que atuam e da forma como reagem e atuam em tais momentos. E a história acabou por impor ao jovem Che um momento e uma tarefa única, na qual ele poderia triunfar, ou ser apenas mais um que tomba em defesa dos sonhos impossíveis.

Naquela heróica e ousada missão, restam vivos pouco mais de uma dúzia dos lutadores que viajaram no emblemático Granma, rumo à libertação do povo cubano. E Che, ainda jovem e inexperiente, era um deles. E a realidade impõe, dessa forma, os maiores desafios e tarefas ao inexperiente jovem que acabara de ingressar na luta real e concreta.

As rápidas transformações pelas quais um Homem pode passar, de forma imposta pela realidade que se apresenta, são capazes de fazê-lo endurecer ao extremo. O contato com o sofrimento humano é algo que transforma os sentimentos em razão e a razão em sentimentos, fazendo o mais cruel os seres, compreender os mais ocultos sentimentos de humanidade. E assim se constrói Che, aquele por todos conhecidos, cujas transformações que se lhe impuseram, podem ser resumidas em frase sua “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamas.”.

Controverso enquanto comandante militar, reconhecido até pelos inimigos pela obstinação e disciplina. Esse é o novo Homem surgido da luta, do bruto amadurecimento forçado.

A história lhe reservou melhor lugar do que a vida.

A dureza de uma vida de lutas não se interrompe para esse novo Homem, surgido da dura realidade da opressão humana, com a vitória revolucionária de libertação de um povo. Para ele, era necessária a libertação de todos os povos. E seus sentimentos de humanidade, mais uma vez, triunfaram sobre a mesquinhez da alma humana, tão apegada ao conforto e ao poder.

E Che, agora já não tão novo e inexperiente, mas o Homem calejado e formado pela luta concreta, forjado na busca por um mundo melhor, parte para sua jornada de transformação dos sonhos de igualdade, fraternidade e justiça, em realidade, para tantos povos do mundo quanto ele fosse capaz.

Essa história de lutas despertou esperanças em todo o mundo, admiração em tantos homens e mulheres quantos souberam de tal história. Mas também despertou a ira de todos aqueles que sempre se mantiveram por meio da opressão e exploração dos povos do mundo.

Che levou os sonhos e a esperança ao continente africano, trouxe sua luta novamente para o continente latino americano, tendo vitórias e derrotas, carregando consigo a certeza inabalável de que, cedo ou tarde, a justiça prevaleceria para todos aqueles povos massacrados.

Suas vitórias vieram do exemplo em que sua jornada se constituía para tantos que antes apenas sonhavam, hoje tinham a certeza, conheciam um novo rumo a seguir.

Suas derrotas, da brutal reação dos “donos do mundo” que empunhavam todas as armas possíveis contra os povos em luta.

Obstáculos, aos que sonham, não são barreiras intransponíveis, mas somente dificuldades a serem vencidas com a luta dos que possuem a certeza da vitória final. E Che, esse Homem de “novo tipo”, sabia sonhar como poucos. E sabia traduzir os sonhos em algo lógico e racional, tão palpável quanto a fome e a miséria contra as quais ele lutava.

E foi na Bolívia, num mês de outubro como agora, que aquele palco de luta teve sua última cena para o tão aclamado comandante, “El Che”.

Capturado, sem mais poder reagir, veio a ordem para que matassem os sonhos. E fuzilaram Ernesto Guevara de la Sierna. Anunciavam, os assassinos do Homem que se transformara em exemplo de luta e esperança, a morte de Che Guevara, distribuindo aos quatro cantos da Terra as mórbidas imagens do Homem destruído por disparos de armas de fogo. Falavam de sua vitória sobre o mito. Mas fracassaram de forma brutal.

Eliminaram o homem, Ernesto, o argentino que cursara medicina, que gostava de viver a vida e possuía uma rebeldia inata. Mas fracassaram diante de Che, pois não sabiam aqueles cruéis assassinos que os sonhos não morrem, que o exemplo não se elimina, que a esperança resiste.

E até hoje tentam mata-lo. Não mais com tiros ou bombas, mas com palavras e mentiras. E os raivosos ataques que seu nome recebe, as tenebrosas mentiras e lendas que se criam contra sua história, são o testemunho de sua vitória inconteste.

E até hoje, Che permanece vivo, na luta dos pobres, dos operários, dos camponeses, dos oprimidos, dos explorados, dos humilhados. Permanece vivo na memória e no exemplo que segue seu rumo em qualquer lugar em que alguém, ainda que perdido, recusa-se a render-se. Nos corações dos que, mesmo diante da dura realidade de egoísmo e mesquinhez, ousam sonhar com um mundo melhor. Na certeza dos que constroem, a cada dia, mesmo sem a certeza de ver o resultado final de sua obra, esse mundo melhor, com que sonhava Che, sempre com a certeza da vitória que está porvir.

Che vive, agora em lugar onde ninguém mais é capaz de atingi-lo ou vence-lo: nos corações e mentes, na disputa em que a ele só cabe a vitória.

Ainda e eternamente, imprescindível. Che Vive!


Convido todos a visitarem as justas homenagens a Che, nesses 40 anos de sua morte, que serão reunidas ao longo da semana em Che Vive!