Nos últimos tempos, sobretudo em razão de trágicos acontecimentos, muito se tem falado a respeito do conflito colombiano e das FARC. Entretanto, interessante aspecto dessa abordagem é a mais completa ausência de uma análise histórica, ou mesmo de assimilação dos conceitos e percepções de origem popular sobre o tema. De tal forma, cumpre dar alguma contribuição, ainda que bastante rasa, tendo em vista a profundidade que o tema exige.
É comum, aos detratores da guerrilha colombiana, apontá-las como um grupo terrorista, criminoso, essencialmente militarista e completamente desvinculado do povo ou das lutas populares. E isso é um erro que só se sustenta em razão dessa completa falta de abordagem histórica da guerrilha.
Outra acusação comum é oriunda de setores ditos democráticos, de que as FARC, ou seriam criminosas e terroristas, ou de que se perderam em razão de sua limitação ao militarismo em essência, tendo que seu objetivo teria se transformado em apenas manter sua própria estrutura.
Poderíamos questionar tais teses a partir da análise das fontes de dados e informações que as sustentam. Podemos apontar que tais elementos são assim postos fora da Colômbia, ou nos grandes centros urbanos de predominância de uma classe média típica, que representa menos de 20% da população do país. E poderíamos apontar que as fontes de tais versões são plenamente identificáveis, basicamente em dois grandes veículos de informação, a Revista Semana, crítica aberta de todos os movimentos populares colombianos e do jornal El Tiempo, sob controle econômico de Francisco Santos, vice-presidente colombiano. Entretanto, deixaremos isso para um segundo plano, pois que a simples verificação da realidade histórica já nos basta à análise.
Sobre a essencialidade puramente militar da guerrilha, cabe lembrar sua origem, seu nascimento, na região de Marquetélia, há 44 anos atrás.
Desde 1946, sob o governo de Mariano Ospina Pérez, a Colômbia viveu sob um regime de puro terror, com os massacres cotidianos de trabalhadores e camponeses, de todos os militantes liberais e comunistas. Foi um tempo em que qualquer voz que denunciasse os crimes era calada definitivamente, como foi o caso de Jorge Eliecer Gaitán, o mais célebre combatente contra a política terrorista de então, brutalmente assassinado pelo regime.
Nesse período, dominado fundamentalmente pela ingerência de grupos econômicos privados estrangeiros nas áreas urbanas, enquanto dominavam os grupos de grandes latifundiários conservadores na área rural, foi marcante para toda a história posterior da Colômbia.
O domínio pleno, sem lei, de grandes latifundiários conservadores na zona rural, levou não apenas à violência habitual em situações de mesmo tipo, mas também à trágica experiência da “reforma agrária às avessas”, em que os pequenos proprietários e camponeses eram expulsos de suas terras à força, ou em caso de resistência eram assassinados com toda a família, tendo suas terras anexadas às grandes propriedades de então.
Foi nesse cenário que se formou uma aliança inusitada, fruto da necessidade urgente, do desespero popular, entre os comunistas e os liberais, para organizar a resistência popular, em defesa da vida desses camponeses e de suas pequenas propriedades de que necessitavam para a sobrevivência.
Tal aliança, evidentemente, teve grande força, conquistando inúmeras vitórias populares para a época, que hoje, no mundo dito democrático se diriam fundamentais. Mas as possibilidades de tal movimento estavam muito além dessas pequenas conquistas. Porém conquistas maiores não eram interessantes nem mesmo aos liberais.
Em 1953, com um golpe de Estado que levou Gustavo Rojas Pinilla ao poder, surge a promessa de pacificação do país, com a garantia de anistia, oportunamente aproveitada pelos líderes liberais de então. No entanto, grande parte dos liberais não aceitaram participar desse movimento, mesmo sem vislumbrar a manutenção da luta por meio das armas. Esse grupo se organiza na região de Marquetália e inicia um processo de desenvolvimento econômico agrário extremamente bem sucedido, com a participação, ainda que minoritária, também dos comunistas.
Em meados da década de 1960, essa experiência da região de Marquetália, que atingia um grau extremamente elevado de desenvolvimento agrário e econômico, em um modelo completamente diverso da tradicional propriedade, torna-se uma ameaça aos interesses dos conservadores e dos líderes liberais, que respondiam diretamente a grandes grupos financeiros, além dos interesses privados estadunidenses na região, garantidos por seu governo.
Nessa situação, volta a intensificar-se a violência paramilitar e militar contra os camponeses da região, só que agora já completamente abandonados pelos liberais, que deixaram os camponeses a eles ligados completamente abandonados.
Na rabeira da intensificação da violência, viu-se também a volta da política sistemática de “reforma agrária às avessas”, com o êxodo forçado de milhares de camponeses da região. Só que agora, como resultado da experiência de resistência anterior, os ataques aos camponeses deixam de ser tão fáceis.
Diante do completo abandono dos liberais à causa, são os comunistas que tomam a frente da resistência, tendo Marulanda, antigo líder camponês liberal, agora já nas fileiras do Partido Comunista, organizando, junto com outros 47 líderes camponeses, a resistência à violência estatal e paraestatal.
Tendo a resistência organizada, torna-se imperativo para os interesses dos conservadores, dos liberais e dos estadunidenses, o completo extermínio da mesma, no que em 1964 organizam uma missão de 16 mil soldados, bombardeios e todo tipo de forças paramilitares, com o único objetivo de exterminar os 48 líderes camponeses da região.
Nesse episódio de 1964, a resistência, ainda que sem uma vitória territorial clara, obtém uma significativa vitória ao frustrar, por absoluto, o objetivo do ataque, que era o extermínio da resistência. E o fizeram, dentre outras coisas, pelo levante em armas, na forma de guerrilha rural, que acabou por iniciar a vida e a história das FARC-EP, movimento que acabou por se espalhar por todo o território colombiano, sob sustentação dos comunistas, com a adesão de camponeses e trabalhadores de todo o país, vítimas do terrorismo de Estado e dos paramilitares, tendo adotado sua forma de organização e seu nome após a reunião de todas as frentes guerrilheiras, também na região de Marquetália.
Tal origem das FARC, sua forma de organização, de nascimento, aliada à sua composição popular, de pronto impedem qualquer possibilidade de entendê-la como organização essencialmente militar, pois é popular em sua raiz, em seu nascedouro, em sua formação real.
(continua...)
É comum, aos detratores da guerrilha colombiana, apontá-las como um grupo terrorista, criminoso, essencialmente militarista e completamente desvinculado do povo ou das lutas populares. E isso é um erro que só se sustenta em razão dessa completa falta de abordagem histórica da guerrilha.
Outra acusação comum é oriunda de setores ditos democráticos, de que as FARC, ou seriam criminosas e terroristas, ou de que se perderam em razão de sua limitação ao militarismo em essência, tendo que seu objetivo teria se transformado em apenas manter sua própria estrutura.
Poderíamos questionar tais teses a partir da análise das fontes de dados e informações que as sustentam. Podemos apontar que tais elementos são assim postos fora da Colômbia, ou nos grandes centros urbanos de predominância de uma classe média típica, que representa menos de 20% da população do país. E poderíamos apontar que as fontes de tais versões são plenamente identificáveis, basicamente em dois grandes veículos de informação, a Revista Semana, crítica aberta de todos os movimentos populares colombianos e do jornal El Tiempo, sob controle econômico de Francisco Santos, vice-presidente colombiano. Entretanto, deixaremos isso para um segundo plano, pois que a simples verificação da realidade histórica já nos basta à análise.
Sobre a essencialidade puramente militar da guerrilha, cabe lembrar sua origem, seu nascimento, na região de Marquetélia, há 44 anos atrás.
Desde 1946, sob o governo de Mariano Ospina Pérez, a Colômbia viveu sob um regime de puro terror, com os massacres cotidianos de trabalhadores e camponeses, de todos os militantes liberais e comunistas. Foi um tempo em que qualquer voz que denunciasse os crimes era calada definitivamente, como foi o caso de Jorge Eliecer Gaitán, o mais célebre combatente contra a política terrorista de então, brutalmente assassinado pelo regime.
Nesse período, dominado fundamentalmente pela ingerência de grupos econômicos privados estrangeiros nas áreas urbanas, enquanto dominavam os grupos de grandes latifundiários conservadores na área rural, foi marcante para toda a história posterior da Colômbia.
O domínio pleno, sem lei, de grandes latifundiários conservadores na zona rural, levou não apenas à violência habitual em situações de mesmo tipo, mas também à trágica experiência da “reforma agrária às avessas”, em que os pequenos proprietários e camponeses eram expulsos de suas terras à força, ou em caso de resistência eram assassinados com toda a família, tendo suas terras anexadas às grandes propriedades de então.
Foi nesse cenário que se formou uma aliança inusitada, fruto da necessidade urgente, do desespero popular, entre os comunistas e os liberais, para organizar a resistência popular, em defesa da vida desses camponeses e de suas pequenas propriedades de que necessitavam para a sobrevivência.
Tal aliança, evidentemente, teve grande força, conquistando inúmeras vitórias populares para a época, que hoje, no mundo dito democrático se diriam fundamentais. Mas as possibilidades de tal movimento estavam muito além dessas pequenas conquistas. Porém conquistas maiores não eram interessantes nem mesmo aos liberais.
Em 1953, com um golpe de Estado que levou Gustavo Rojas Pinilla ao poder, surge a promessa de pacificação do país, com a garantia de anistia, oportunamente aproveitada pelos líderes liberais de então. No entanto, grande parte dos liberais não aceitaram participar desse movimento, mesmo sem vislumbrar a manutenção da luta por meio das armas. Esse grupo se organiza na região de Marquetália e inicia um processo de desenvolvimento econômico agrário extremamente bem sucedido, com a participação, ainda que minoritária, também dos comunistas.
Em meados da década de 1960, essa experiência da região de Marquetália, que atingia um grau extremamente elevado de desenvolvimento agrário e econômico, em um modelo completamente diverso da tradicional propriedade, torna-se uma ameaça aos interesses dos conservadores e dos líderes liberais, que respondiam diretamente a grandes grupos financeiros, além dos interesses privados estadunidenses na região, garantidos por seu governo.
Nessa situação, volta a intensificar-se a violência paramilitar e militar contra os camponeses da região, só que agora já completamente abandonados pelos liberais, que deixaram os camponeses a eles ligados completamente abandonados.
Na rabeira da intensificação da violência, viu-se também a volta da política sistemática de “reforma agrária às avessas”, com o êxodo forçado de milhares de camponeses da região. Só que agora, como resultado da experiência de resistência anterior, os ataques aos camponeses deixam de ser tão fáceis.
Diante do completo abandono dos liberais à causa, são os comunistas que tomam a frente da resistência, tendo Marulanda, antigo líder camponês liberal, agora já nas fileiras do Partido Comunista, organizando, junto com outros 47 líderes camponeses, a resistência à violência estatal e paraestatal.
Tendo a resistência organizada, torna-se imperativo para os interesses dos conservadores, dos liberais e dos estadunidenses, o completo extermínio da mesma, no que em 1964 organizam uma missão de 16 mil soldados, bombardeios e todo tipo de forças paramilitares, com o único objetivo de exterminar os 48 líderes camponeses da região.
Nesse episódio de 1964, a resistência, ainda que sem uma vitória territorial clara, obtém uma significativa vitória ao frustrar, por absoluto, o objetivo do ataque, que era o extermínio da resistência. E o fizeram, dentre outras coisas, pelo levante em armas, na forma de guerrilha rural, que acabou por iniciar a vida e a história das FARC-EP, movimento que acabou por se espalhar por todo o território colombiano, sob sustentação dos comunistas, com a adesão de camponeses e trabalhadores de todo o país, vítimas do terrorismo de Estado e dos paramilitares, tendo adotado sua forma de organização e seu nome após a reunião de todas as frentes guerrilheiras, também na região de Marquetália.
Tal origem das FARC, sua forma de organização, de nascimento, aliada à sua composição popular, de pronto impedem qualquer possibilidade de entendê-la como organização essencialmente militar, pois é popular em sua raiz, em seu nascedouro, em sua formação real.
(continua...)
Um comentário:
Excelente texto, aguardo pela continuação. Só uma coisa, teria alguma fonte em que poderíamos pegar essas informações ou quem conta isso são as FARC? (falando nisso, o site das farc está fora do ar faz meses)
Postar um comentário