O Pensamento Crítico pretendeu tirar um período de férias neste final de ano, mas tais férias já foram interrompidas para tratar de assuntos importantes que causaram grande impacto no Brasil e no mundo, acerca do conflito colombiano e da crise na Bolívia.
Agora, diante da decisão da justiça italiana, que emitiu diversos mandados de prisão contra agentes dos governos militares na América Latina, entre eles o Brasil, que estiveram unidos na operação Condor, resolvemos fazer mais uma interrupção em nossas férias.
A Operação Condor se realizou durante as décadas de 1970 e 1980, sob o comando estadunidense, para eliminar, pelo assassinato, os oposicionistas dos regimes autoritários da América Latina.
Foram inúmeras as mortes e desaparecimentos na região em razão de tal operação.
Dentre os mortos e desaparecidos, estavam 25 cidadãos italianos, o que motivou a atitude da justiça italiana, que a exemplo do que ocorrera em relação ao ex-ditador, Augusto Pinochet, por ato da justiça espanhola, está processando responsáveis por tal operação, tendo expedido tais mandados de prisão.
Tal decisão teve grande repercussão no Brasil e no mundo, tendo também gerado grande polêmica sobre o tema.
Assim, o Pensamento Crítico resolveu entrevistar o conhecido advogado penalista, Dr. Haroldo Nater, professor das matérias de Direito Penal e Direito Processual Penal, sobre a validade jurídica e política de tal ato, suas conseqüências possíveis, fazendo uma breve análise sobre o caso.
P.C. - Um juiz italiano decretou a prisão de inúmeros envolvidos na operação Condor, uma operação conjunta de governos da América Latina e Estados Unidos, que visava eliminar opositores das ditaduras da região nas décadas de 1970 e 1980. Como o senhor avalia o caso?
Haroldo Náter - Não conheço, profundamente, a Constituição Italiana, tampouco o seu Código Penal. Contudo, há que se lembrar que o artigo 7o, II, a, do CP brasileiro consagra o Princípio da Universalidade ou Cosmopolita. Este princípio viabiliza a aplicação da lei penal brasileira a todos os fatos puníveis, sem levar em conta o lugar do delito, a nacionalidade de seu autor ou do bem jurídico lesado. Portanto, se é possível ao Estado brasileiro, com fundamento no disposto pelo artigo 7o, II, a, do CP, punir estrangeiros, independentemente de o fato criminoso ter sido praticado em território nacional, da nacionalidade do seu autor e da nacionalidade do bem jurídico lesado, me parece possível que este dispositivo também integre a legislação italiana, caso contrário o juiz italiano não teria decretado tais prisões. O princípio da universalidade, segundo João Mestieri, tem em consideração que todos os Estados têm e devem ter interesse em coibir o mal universal representado pelo crime. Anote-se, ainda, que em nossa legislação penal o artigo 7o, II, b, e § 3o, permitem processar não só o brasileiro que praticar crime fora do território nacional, como, também, aquele que cometer crime contra brasileiro fora do território nacional. No primeiro caso estamos tratando do princípio da personalidade ativa e, no segundo, do denominado princípio da personalidade passiva. Estes dois últimos princípios têm como objetivo impedir a impunidade de nacionais por crimes cometidos no exterior que não sejam abrangidos pelo critério da territorialidade, bem como punir estrangeiros que cometerem crimes contra brasileiros fora do nosso território.
Partindo desta perspectiva sou obrigado a aplaudir a medida tomada pelo juiz italiano. Primeiro tendo em conta que os países devem buscar sempre, onde quer que seja, a proteção dos direitos de seus cidadãos e de suas instituições. Segundo, porque o crime, especialmente aqueles eminentemente políticos, afetam de maneira indistinta a toda a humanidade. Terceiro, considerando a necessidade de se preservar a soberania e a Democracia nos Estados e, conseqüentemente, impedir a atuação conjunta de agentes garantidores de governos ditatoriais.
Não vejo a hora em que um desses juízes corajosos aponte o dedo na direção de interventores que justificam seus atos através de mentiras e praticam genocídios com o objetivo de garantir interesses econômicos.
Relativamente aos brasileiros envolvidos no caso o que se pode afirmar é que será impossível responsabilizá-los por tais atos segundo a lei brasileira, pois, ao que nos parece, todos os crimes, in thesi, praticados pelos mesmos já estariam prescritos e alguns, nem mesmo, à época dos fatos estavam tipificados pela nossa lei.
P.C. - Esse processo na justiça italiana serviria como um alerta para a questão da impunidade relativa aos crimes cometidos pelas ditaduras na região?
Haroldo Náter - Penso que sim. Contudo, um alerta, tem apenas efeitos relativos. O conteúdo pedagógico de uma medida como está não é efetivo. Afinal sabemos que não há nada, no ambiente político de boa parte das nações, que uma boa conver$a não tenha resolvido até então.
P.C. - No caso dos brasileiros, a extradição a partir do Brasil é impossível, mas uma eventual prisão de algum deles em eventual viagem ao exterior, que efeitos traria para as relações jurídicas internacionais?
Haroldo Náter - Há que se ter em conta que a nossa própria legislação permitiria a adoção de ação similar, tendo em conta aquilo que a imprensa nacional tem divulgado a respeito do caso. É muito difícil falar de um tema do qual não se tem conhecimento dos detalhes. Contudo, me parece que não haveria motivos para abalo nas relações jurídicas internacionais a execução de um ato amparado na legalidade. Desta forma, o brasileiro que não desejar ser preso que realize a sua defesa, não deixe o processo correr à revelia e que tome cuidado com eventuais passeios ao exterior.
P.C. - O senhor vê essa ruptura com o princípio da territorialidade da lei penal como algo danoso?
Haroldo Náter - Como disse anteriormente, não me parece que haja ruptura com o princípio da territorialidade. A territorialidade é regra em boa parte dos países. Contudo, assim como no Brasil, a territorialidade muitas vezes encontra-se mitigada pelos acordos, convenções, tratados e princípios internacionais de Direito. Portanto, não considero como sendo um ato danoso tal atitude.
P.C. - Esse tipo de ato jurídico oferece algum risco eminente à soberania brasileira?
Haroldo Náter - Não. A execução de uma medida como esta no território brasileiro, necessariamente, teria de ser submetida ao Poder Judiciário. Desta forma não vejo como se possa causar prejuízo à nossa soberania.
P.C. - É possível classificar tal procedimento como um ato revestido de algum conteúdo colonialista?
Haroldo Náter - Bobagem. Sabemos que há casos em que pessoas são processadas por cometerem crimes contra cidadãos brasileiros em território estrangeiro. O Brasil não tem viés colonialista, assim, o exercício regular de um direito não poderia ser interpretado como sendo uma atitude colonialista.
P.C. - Como o senhor avalia as chances desses mandados de prisão ser mantidos pela justiça italiana?
Haroldo Náter - Para responder a esta questão necessitaria ter conhecimento dos autos do processo e da legislação italiana. Não os possuo. Portanto não posso responder precisamente a tal questão. Contudo, me parece que a repercussão da medida é muito forte e não deve ter sido tomada de maneira afoita, motivo pelo qual acredito que ela deva prevalecer, desde que as circunstâncias do caso permaneçam inalteradas.
P.C. - Muitas organizações de direitos humanos, organizações de ex-presos políticos e movimentos de esquerda comemoraram a atitude. Como o senhor vê tais manifestações?
Haroldo Náter - É um direito deles comemorar. Afinal muitos foram supliciados. Os indivíduos, de forma geral, quando supliciados, tendem sempre a desejar que seus algozes sejam punidos.
P.C. - Os mandados de prisão, em sua maior parte, se referem a pessoas já falecidas, mas muitos deles são contra antigos chefes de governo dos países envolvidos em tal operação. Isso pode vir a causar problemas mais sérios nas relações diplomáticas, entre os judiciários desses países e o da Itália, alteração nos tratados de extradição, ou alguma crise nas regras de direito penal internacional?
Haroldo Náter - Talvez. Isso é muito relativo. Necessário é ter em conta qual o poder que esses indivíduos ainda detém em seus respectivos Estados.
P.C. - Qual a legitimidade da justiça italiana para atuar em casos que vitimam italianos fora de seu território?
Haroldo Náter - Sendo adotado na Itália o princípio da personalidade passiva ou, ainda, o princípio da universalidade, me parece que a legitimidade é total.
P.C. - Tendo em vista as leis internas de anistia dos países envolvidos na operação, qual seria o organismo legítimo para apreciar as pretensões de cidadãos italianos e da justiça daquele país?
Haroldo Náter - No Brasil? O Poder Judiciário brasileiro através do STF.
P.C. - É possível fazer um balanço acerca de tal procedimento, levando em conta os mais avançados da doutrina penal?
Haroldo Náter - Para realizar um balanço mais preciso é necessário um pouco mais de tempo e muito mais informações. Contudo, acaso você tenha informações mais precisas sobre a questão me proponho a fazer uma análise mais detalhada do caso. Por ora me parece que a medida é justa.
Agora, diante da decisão da justiça italiana, que emitiu diversos mandados de prisão contra agentes dos governos militares na América Latina, entre eles o Brasil, que estiveram unidos na operação Condor, resolvemos fazer mais uma interrupção em nossas férias.
A Operação Condor se realizou durante as décadas de 1970 e 1980, sob o comando estadunidense, para eliminar, pelo assassinato, os oposicionistas dos regimes autoritários da América Latina.
Foram inúmeras as mortes e desaparecimentos na região em razão de tal operação.
Dentre os mortos e desaparecidos, estavam 25 cidadãos italianos, o que motivou a atitude da justiça italiana, que a exemplo do que ocorrera em relação ao ex-ditador, Augusto Pinochet, por ato da justiça espanhola, está processando responsáveis por tal operação, tendo expedido tais mandados de prisão.
Tal decisão teve grande repercussão no Brasil e no mundo, tendo também gerado grande polêmica sobre o tema.
Assim, o Pensamento Crítico resolveu entrevistar o conhecido advogado penalista, Dr. Haroldo Nater, professor das matérias de Direito Penal e Direito Processual Penal, sobre a validade jurídica e política de tal ato, suas conseqüências possíveis, fazendo uma breve análise sobre o caso.
P.C. - Um juiz italiano decretou a prisão de inúmeros envolvidos na operação Condor, uma operação conjunta de governos da América Latina e Estados Unidos, que visava eliminar opositores das ditaduras da região nas décadas de 1970 e 1980. Como o senhor avalia o caso?
Haroldo Náter - Não conheço, profundamente, a Constituição Italiana, tampouco o seu Código Penal. Contudo, há que se lembrar que o artigo 7o, II, a, do CP brasileiro consagra o Princípio da Universalidade ou Cosmopolita. Este princípio viabiliza a aplicação da lei penal brasileira a todos os fatos puníveis, sem levar em conta o lugar do delito, a nacionalidade de seu autor ou do bem jurídico lesado. Portanto, se é possível ao Estado brasileiro, com fundamento no disposto pelo artigo 7o, II, a, do CP, punir estrangeiros, independentemente de o fato criminoso ter sido praticado em território nacional, da nacionalidade do seu autor e da nacionalidade do bem jurídico lesado, me parece possível que este dispositivo também integre a legislação italiana, caso contrário o juiz italiano não teria decretado tais prisões. O princípio da universalidade, segundo João Mestieri, tem em consideração que todos os Estados têm e devem ter interesse em coibir o mal universal representado pelo crime. Anote-se, ainda, que em nossa legislação penal o artigo 7o, II, b, e § 3o, permitem processar não só o brasileiro que praticar crime fora do território nacional, como, também, aquele que cometer crime contra brasileiro fora do território nacional. No primeiro caso estamos tratando do princípio da personalidade ativa e, no segundo, do denominado princípio da personalidade passiva. Estes dois últimos princípios têm como objetivo impedir a impunidade de nacionais por crimes cometidos no exterior que não sejam abrangidos pelo critério da territorialidade, bem como punir estrangeiros que cometerem crimes contra brasileiros fora do nosso território.
Partindo desta perspectiva sou obrigado a aplaudir a medida tomada pelo juiz italiano. Primeiro tendo em conta que os países devem buscar sempre, onde quer que seja, a proteção dos direitos de seus cidadãos e de suas instituições. Segundo, porque o crime, especialmente aqueles eminentemente políticos, afetam de maneira indistinta a toda a humanidade. Terceiro, considerando a necessidade de se preservar a soberania e a Democracia nos Estados e, conseqüentemente, impedir a atuação conjunta de agentes garantidores de governos ditatoriais.
Não vejo a hora em que um desses juízes corajosos aponte o dedo na direção de interventores que justificam seus atos através de mentiras e praticam genocídios com o objetivo de garantir interesses econômicos.
Relativamente aos brasileiros envolvidos no caso o que se pode afirmar é que será impossível responsabilizá-los por tais atos segundo a lei brasileira, pois, ao que nos parece, todos os crimes, in thesi, praticados pelos mesmos já estariam prescritos e alguns, nem mesmo, à época dos fatos estavam tipificados pela nossa lei.
P.C. - Esse processo na justiça italiana serviria como um alerta para a questão da impunidade relativa aos crimes cometidos pelas ditaduras na região?
Haroldo Náter - Penso que sim. Contudo, um alerta, tem apenas efeitos relativos. O conteúdo pedagógico de uma medida como está não é efetivo. Afinal sabemos que não há nada, no ambiente político de boa parte das nações, que uma boa conver$a não tenha resolvido até então.
P.C. - No caso dos brasileiros, a extradição a partir do Brasil é impossível, mas uma eventual prisão de algum deles em eventual viagem ao exterior, que efeitos traria para as relações jurídicas internacionais?
Haroldo Náter - Há que se ter em conta que a nossa própria legislação permitiria a adoção de ação similar, tendo em conta aquilo que a imprensa nacional tem divulgado a respeito do caso. É muito difícil falar de um tema do qual não se tem conhecimento dos detalhes. Contudo, me parece que não haveria motivos para abalo nas relações jurídicas internacionais a execução de um ato amparado na legalidade. Desta forma, o brasileiro que não desejar ser preso que realize a sua defesa, não deixe o processo correr à revelia e que tome cuidado com eventuais passeios ao exterior.
P.C. - O senhor vê essa ruptura com o princípio da territorialidade da lei penal como algo danoso?
Haroldo Náter - Como disse anteriormente, não me parece que haja ruptura com o princípio da territorialidade. A territorialidade é regra em boa parte dos países. Contudo, assim como no Brasil, a territorialidade muitas vezes encontra-se mitigada pelos acordos, convenções, tratados e princípios internacionais de Direito. Portanto, não considero como sendo um ato danoso tal atitude.
P.C. - Esse tipo de ato jurídico oferece algum risco eminente à soberania brasileira?
Haroldo Náter - Não. A execução de uma medida como esta no território brasileiro, necessariamente, teria de ser submetida ao Poder Judiciário. Desta forma não vejo como se possa causar prejuízo à nossa soberania.
P.C. - É possível classificar tal procedimento como um ato revestido de algum conteúdo colonialista?
Haroldo Náter - Bobagem. Sabemos que há casos em que pessoas são processadas por cometerem crimes contra cidadãos brasileiros em território estrangeiro. O Brasil não tem viés colonialista, assim, o exercício regular de um direito não poderia ser interpretado como sendo uma atitude colonialista.
P.C. - Como o senhor avalia as chances desses mandados de prisão ser mantidos pela justiça italiana?
Haroldo Náter - Para responder a esta questão necessitaria ter conhecimento dos autos do processo e da legislação italiana. Não os possuo. Portanto não posso responder precisamente a tal questão. Contudo, me parece que a repercussão da medida é muito forte e não deve ter sido tomada de maneira afoita, motivo pelo qual acredito que ela deva prevalecer, desde que as circunstâncias do caso permaneçam inalteradas.
P.C. - Muitas organizações de direitos humanos, organizações de ex-presos políticos e movimentos de esquerda comemoraram a atitude. Como o senhor vê tais manifestações?
Haroldo Náter - É um direito deles comemorar. Afinal muitos foram supliciados. Os indivíduos, de forma geral, quando supliciados, tendem sempre a desejar que seus algozes sejam punidos.
P.C. - Os mandados de prisão, em sua maior parte, se referem a pessoas já falecidas, mas muitos deles são contra antigos chefes de governo dos países envolvidos em tal operação. Isso pode vir a causar problemas mais sérios nas relações diplomáticas, entre os judiciários desses países e o da Itália, alteração nos tratados de extradição, ou alguma crise nas regras de direito penal internacional?
Haroldo Náter - Talvez. Isso é muito relativo. Necessário é ter em conta qual o poder que esses indivíduos ainda detém em seus respectivos Estados.
P.C. - Qual a legitimidade da justiça italiana para atuar em casos que vitimam italianos fora de seu território?
Haroldo Náter - Sendo adotado na Itália o princípio da personalidade passiva ou, ainda, o princípio da universalidade, me parece que a legitimidade é total.
P.C. - Tendo em vista as leis internas de anistia dos países envolvidos na operação, qual seria o organismo legítimo para apreciar as pretensões de cidadãos italianos e da justiça daquele país?
Haroldo Náter - No Brasil? O Poder Judiciário brasileiro através do STF.
P.C. - É possível fazer um balanço acerca de tal procedimento, levando em conta os mais avançados da doutrina penal?
Haroldo Náter - Para realizar um balanço mais preciso é necessário um pouco mais de tempo e muito mais informações. Contudo, acaso você tenha informações mais precisas sobre a questão me proponho a fazer uma análise mais detalhada do caso. Por ora me parece que a medida é justa.
Um comentário:
Parabéns pela entrevista, Jeffe, muito esclarecedora.
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