quarta-feira, 28 de novembro de 2007

A Venezuela e o Jogo Democrático


“Estado Democrático de Direito”, há muito, deixou de ser um conceito político ou sociológico, com algum significado e conteúdo real, para tornar-se mero “slogan” daquilo que se quer dizer correto e civilizado.

Na Venezuela temos um Estado de Direito. Isso seria inquestionável, não fosse pela retórica reacionária que busca dizer qualquer coisa em contrário, sem se importar com o conteúdo do que se está a dizer. Mas independente de discursos, falamos de um Estado que vive sob uma ordem jurídica definida, sob um Estado de Direito, em que os marcos legais são claramente definidos, quer se goste deles ou não.

Da mesma forma, há que se falar do caráter democrático daquele Estado.

Podemos começar tal análise observando a crítica mais antiga que se faz a outro Estado revolucionário das Américas, no caso, Cuba.

Cuba possui um funcionamento sob um Estado de Direito, que tem na sua base o poder exercido de forma direta pelo povo, por meio de conselhos populares. Assim, por mais que o Estado concentre todo o poder, o governo não detém o monopólio do poder de decisão, ao contrário do que seus detratores gostam de dizer. Mas Cuba não possui o sistema clássico eleitoral adotado nos países ocidentais, o que leva todos os veículos da grande mídia a acusarem-no de ditatorial, endossando o discurso dos setores mais reacionários de todo o mundo.

Pois bem, se o problema é um processo eleitoral de modelo clássico ocidental, a Venezuela o adota. E foi por meio de tal processo que Chavez chegou ao poder, pelo voto direto.

Acontece que a experiência democrática venezuelana vai muito além do simples voto direto. E exemplo disso é o processo constituinte daquele país.

No período recente, tivemos duas experiências constituintes com participação popular direta: Venezuela e União Européia. Quanto a União Européia, muitos até diziam ser um excesso de democracia a consulta popular acerca da entrada em vigor daquela constituição, talvez porque seguisse exatamente o modelo defendido pelos grandes grupos econômicos, que parecem decidir, com critérios altamente subjetivos, o que é ou não democrático. E tal constituição foi rejeitada por França e Holanda. No caso venezuelano, a constituição em vigor, mesmo tendo passado por referendo acerca de sua validade, sendo aprovada pela imensa maioria da população, logo após ter sido aprovada por uma constituinte convocada dentro dos termos legais exigidos à época, parece não ter conquistado o “status” de democrática no gosto da grande mídia e dos grandes grupos econômicos.

Hoje a Venezuela vive um novo processo de reforma constitucional. E novamente, apesar de seguir todas as regras institucionais e de participação popular, é taxada pelos mesmos de sempre, como “não democrática”.

Vários foram os países que no passado recente fizeram profundas reformas constitucionais, dentre eles o próprio Brasil.

Também no Brasil, dentre os termos da reforma constitucional esteve a emenda da reeleição.

Observemos que o Brasil promoveu a reforma constitucional com 54 emendas, que acabaram por promover um número muito maior de transformações em nossa Constituição. No caso venezuelano foram propostas pelo governo pouco mais de 30 transformações e reformas, que acabaram sendo ampliadas para pouco mais de 60 pelo legislativo venezuelano.

No tal período de reformas constitucionais no Brasil, a grande maioria das mudanças sofreu franca oposição popular, tendo os movimentos sociais sempre exigido alguma forma de consulta, como um referendo, sobre as tais reformas. Mas diante de tal exigência, o discurso era de que se estava a atacar a democracia, querendo se questionar a legitimidade das instituições e do Congresso Nacional. Portanto, foi no Brasil que a população sequer foi ouvida, não na Venezuela.

Portanto observamos que o exercício democrático na Venezuela engloba, além do respeito às instituições, o respeito à opção popular que, em última análise, é quem decide os rumos e o futuro do país.

Mas é justamente a decisão popular que se deseja impedir por lá. A proposta de reforma da constituição está para ser submetida ao voto popular, no que os opositores de tal proposta de reforma poderiam simplesmente fazer a campanha contrária, disputando o voto e a opinião popular. Mas é justamente isso que a oposição venezuelana tenta impedir. Não querem simplesmente a rejeição de tal reforma, mas que sequer ela seja submetida ao povo. Seria isso a melhor definição de democracia?

O principal ponto atacado publicamente em tal reforma é o fim do limite para reeleições, o que permitiria que Chavez, pelo voto popular, se perpetuasse no poder. Poderíamos discutir à exaustão tal argumento, traçando paralelos com inúmeros outros governos, ditos democráticos, que se eternizaram no poder, sem sequer permitir tão intensa participação popular. Poderíamos travar tal discussão caso esse fosse realmente o ponto contra o qual se insurgem os grandes grupos de comunicação e econômicos do mundo, além da oposição venezuelana. Mas como esse não é o verdadeiro ponto, não vamos nos dar ao trabalho de compactuar com a hipocrisia de tal discurso, preferindo apontar precisamente o verdadeiro ponto de discórdia.

A reforma constitucional venezuelana cria um novo poder na estrutura do Estado. Trata-se do Poder Popular, exercido por meio de conselhos populares, que colocaria o povo no centro do exercício do poder, materializando de forma inequívoca o conceito básico de democracia.

Com a existência desse Poder Popular, ficaria eternamente inviabilizado qualquer governo que contrariasse os interesses do povo em benefício de grupos econômicos ou elites políticas. Assim, a oposição venezuelana, que sempre governou o país em benefício próprio e de grandes grupos econômicos internacionais, tenta desesperadamente impedir a criação de tal poder, na tentativa de garantir seus privilégis passados e futuros. E sendo esse novo poder um possível exemplo para vários povos do mundo, resta plenamente explicada a razão de todo o estardalhaço oposicionista de todas as elites e de toda a imprensa mundo afora.

É a verdadeira batalha entre a democracia popular e os interesses inconfessáveis das elites econômicas e política.

Um comentário:

Anônimo disse...

muito bom seus textos jeferson
sou leitor frequente desse blog e o admiro muito

grande abraço